Goiás perde uma mente iluminista

No último dia de 2008, os dirigentes Adalberto Monteiro, do CC; Fábio Tokarski e Luiz Carlos Orro, do Comitê Estadual  goiano e Marcos Araújo (primo do falecido), do Comitê Municipal de Goiânia, levaram as condolências dos comunistas a familiares

 


 


 


Joaquim Dias Ferreira Júnior, 50, costumava ser o primeiro a chegar à Redação do Diário da Manhã. Nas idas para o trabalho, caminhava a pé pelas ruas da Capital – atividade que dizia praticar para refletir sobre a vida e melhorar a performance do coração. Camisa sempre para dentro da calça jeans, passos curtos e rápidos, ele foi um dos mais brilhantes alunos da Faculdade de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG). No dia 31, quarta-feira, último dia do ano, depois de lutar muito, ele morreu de um infarto do mesmo coração que tanto adulava. Familiares, jornalistas, amigos, parentes e personalidades da Capital estiveram no velório e enterro, ocorrido às 18h30, no Cemitério Jardim das Palmeiras. Companheiros de doutrina política da juventude marcaram presença, caso de Luis Carlos Orro, ex-secretário de Esporte do município, vereador Fábio Tokarski (PCdoB) e Marcus Vinícius Felipe de Faria, presidente da Agecom.



Ferreira entregou todo seu sistema nervoso para o jornalismo. Tratava a inteligência sem vaidade. Era uma pessoa querida pela bonomia. Casado com a advogada e professora de Direito Penal Cláudia Helena Nunes Jacó, ele era pai da pequena Laura, 4. No começo de dezembro, Ferreira retornou para a Redação após realizar angioplastia. Parecia estar bem. Em seguida, teve que voltar para o hospital. Internado, foi levado para a UTI. A equipe médica chegou à conclusão de que ele precisava de um transplante do coração. Como o time que leva um gol no finalzinho do jogo, a Redação do DM ficou atônita e em silêncio.



O jornalista Marcus Gomes lembra de Ferreira Júnior na Faculdade de Jornalismo como alguém “superestudioso e preparado”. Ferreira integrava a tendência “Viração”, ligada ao PCdoB. Vendia jornal comunista para financiar alguma revolução que estava para acontecer. A revolução não veio, então ele preferiu montar uma biblioteca. Deusmar Barreto, editor-executivo, recorda do amigo de faculdade como alguém responsável: “Ele era da linha de frente do movimento de esquerda.”



No trabalho, os jornalistas sempre observavam em Ferreira uma vontade danada de permanecer ali e realizar suas tarefas. Mesmo após a angioplastia, que demandava um período de restabelecimento, ele voltou como que programado para o mesmo ofício. Para os amigos, explicou todo o procedimento sobre a colocação de um stent – uma protése metálica postada no interior da artéria. Ele é mais uma vítima do coração, órgão que funciona para bombear sangue e fomentar todo o sistema circulatório. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é o órgão cuja deficiência mais provoca óbitos. Ferreira não fumava, nem bebia. Tinha alimentação normal. Sua deficiência cardíaca pode ter origens genéticas e no hábito diário de somatizar sofrimentos. “Não tinha problemas com ninguém, mas era uma pessoa introspectiva”, diz o fotógrafo e cunhado Eduardo Jacó.



O jornalista do DM, em sua vida adulta, não falava de política, televisão ou baboseiras que bombardeiam a mídia. Ferreira falava da idade do sol, das estrelas, religiões pagãs e produção de insulina. Eleições não era assunto para ele, mas a velocidade do meteorito ALH84001…Tinha paixão por Biologia e Antropologia. Discorria com segurança sobre a evolução das espécies (conseguia falar meia hora sobre hábitos e morfologiados trilobitas) e a trajetória do homem sobre a Terra. Por conhecer muito bem a história da humanidade, desenvolveu um saudável ceticismo e desembarcou de todas as utopias – bem mais cedo do que os amigos comunistas. Entrevistou ministros, governadores, artistas e diversos cientistas. Em conversas privadas, dizia que o homem minimamente informado não sobrevive sem uma forte dose de cinismo.A princípio, parecia estar na profissão errada. Mas era um clássico jornalista científico, que demonstrava enorme prazer em comunicar. Detalhe: tinha a parcimônia do cientista verdadeiro. Colocava as lentes da dúvida em cada notícia alvissareira.
 
A memória de quem conviveu com o jornalista é de apaziguador. Os grandes pepinos da Redação eram dados para o Ferreira. Desde problemas administrativos a questões práticas de informática. Certa vez, uma novata na Redação lutava contra a impressora quando pediu para a secretária chamar o “Ferreira…oras, o técnico de Informática que cuida disso”.



“Ele era o Google da era pré-internet”



Antares? Teoria da relatividade? Dinossauros? Genética? Mitocôndrias? Ferreira mandava bem em quase todos os assuntos. Era leitor voraz. O jornalista Nilson Gomes representou bem a funcionalidade de Ferreira numa redação: “Ele era a internet. O Ferreira era o cara a quem perguntávamos tudo. Ele era o Google da era pré-internet.”
Sempre que os jornalistas estavam em rodinha frente à garrafa de café, “Júnior” chegava com o humor de sempre: “Vai tudo acabar mesmo. Não se preocupem. Fiquem calmos. Já rezaram bastante?”
Ferreira entrava na Redação disposto a trabalhar. Dedicou toda sua vida à profissão que escolheu no vestibular de 1980. Cobrávamos dele um mestrado, doutorado ou outro curso em áreas afins a sua inteligência, caso da Biologia ou Física. Mas Ferreira estava sempre tomado pelo jornal.
Sempre bom papo, ele era também pai maravilhoso. Em abril, a mulher, Cláudia Helena, reuniu os amigos e familiares em um famoso restaurante. Fez uma festa surpresa para os 50 anos de Ferreira. Alguns dos convidados temiam a reação do cético. Em vez de ceticismo, ele abraçou a todos, relembrou de histórias e ainda fez minidiscurso. Tudo saiu como foi planejado por Claúdia, que encomendou ainda um cardápio com fotos e imagens do marido desde a infância até os dias de “Laura”, além de uma mensagem tocante que falava como era bom estar ao seu lado.


 


por Ivair Lima
Da editoria de Cidades
Welliton Carlos
Da Editoria de Cidades