Comunistas debatem maior ligação entre PCdoB e intelectuais
A busca por uma relação mais integrada entre comunistas e intelectualidade – visando um projeto nacional de desenvolvimento onde a cultura esteja inserida e que abra caminhos à alternativa socialista – foi o ponto central do debate ocorrido nesta manhã
Publicado 20/01/2009 23:10
“Temos uma grande necessidade de trazer a intelectualidade para a luta política socialista. Esta é uma de nossas principais defasagens, o que é particularmente grave num partido como o PCdoB, voltado para a luta de idéias”, reconheceu Augusto Buonicore, membro do Comitê Central. Como forma de resgatar a história dos laços entre intelectuais e comunistas e, assim, compreender as dificuldades atuais, Buonicore lembrou que nas primeiras décadas do século 20 os partidos comunistas europeus formaram redes com esse público, que acabava por participar da vida das organizações.
Segundo Buonicore, o Partido Comunista do Brasil, embora tenha contado com nomes importantes da cultura nacional em sua estrutura, não teve a participação de intelectuais de renome em sua direção nacional, mesmo num período de grande adesão ao partido. Nos anos 1920 e 1930, ingressaram, por exemplo, Jorge Amado, Tarsila do Amaral, Osvald de Andrade, Patrícia Galvão, Raquel de Queiroz, Caio Prado Jr., Portinari, entre muitos outros. Tal posicionamento reflete as concepções daquele período, que resultaram no obreirismo, quando se privilegiava a participação de dirigentes de origem operária no comitê central. De acordo com Buonicore, “foi o caldo cultural formado com a crise do capitalismo e a revolução de 1930 que fez com que muitos intelectuais fizessem uma guinada à esquerda e ingressassem no PCB”.
Com uma forte rede de comunicação – que contava com oito jornais e nove revistas – os anos 40 marcaram um período de grande influência do partido junto aos intelectuais brasileiros. “Foi uma época em que o Partido Comunista adotou, de fato, uma política cultural ampla e não sectária”, enfatizou.
O cenário começou a mudar a partir do acirramento da Guerra Fria no final dos anos 1940, do fechamento do partido em 1947 e da cassação de parlamentares, em 1948, fatos que levaram ao aumento do sectarismo nas linhas partidárias e, consequentemente, ao afastamento de diversos intelectuais. “Chegaram ao ponto de taxar intelectuais não comunistas de ‘escória cultural’”, recordou.
Essa visão mais limitada e radical muda a partir dos anos 60. “É quando ganha mais força a questão do projeto nacional de desenvolvimento e das reformas de base, bandeiras que aglutinaram intelectuais progressistas e comunistas”, disse. Com a cisão de 1962, “a maior parte dos intelectuais ficou no PCB, que então era força hegemônica, por exemplo, no CPC da UNE. Com o PCB estavam nomes como Vianinha, Guarnieri, Ferreira Gullar, entre outros.
Agora, levando em consideração a atual fase de crise do capitalismo e de ascensão de movimentos de esquerda, Buonicore avalia que “abre-se a oportunidade de maior ingresso dos intelectuais no partido”. Mas, ressaltou, “é preciso um projeto claro para a cultura e na luta por um projeto nacional de desenvolvimento para agregarmos mais intelectuais interessados em estar conosco na construção do socialismo”.
A atuação do PCdoB
À frente da Agência Nacional de Cinema (Ancine), Manuel Rangel discorreu sobre a atuação do PCdoB em frentes variadas do campo da cultura em níveis diferentes tanto da administração pública como dos movimentos sociais e da sociedade civil. “O momento que o país tem vivido cria condições mais ou menos propícias para a construção de nossa influência”. Para ele, o PCdoB tem se esforçado, especialmente nas últimas décadas, para manter sua influência na intelectualidade. Os resultados obtidos estão ligados ao crescimento de sua participação eleitoral, “mas também a um processo de incorporação política, de acumulação do partido”.
Na atualidade, disse, “a mudança que julgo existir, ainda que em fase embrionária, está no fato de que passamos a nos inserir no seio do movimento cultural, propondo políticas e traduzindo a política geral do partido para realidade concreta de cada movimento, não de fora para dentro, mas falando de dentro dele”.
Rangel reforçou a idéia de que o contexto atual favorece o maior entrelaçamento entre partido e intelectuais. “É diferente, por exemplo, da década de 90, os anos brutais da ideologia neoliberal, ou dos anos 80, quando o PT teve grande influência nessa frente, fatos que limitaram nossa ação”.
Depois, o PCdoB tomou novo fôlego e teve iniciativas importantes em instituições como a UNE – com a Bienal e os Cucas – e assumindo posições na Ancine e nos Pontos de Cultura do Ministério da Cultura, defendendo um novo olhar, mais democrático e popular. “Em aliança com um campo mais amplo, estamos rompendo com estreitezas do passado e isso cria um ambiente de aproximação e de identificação com a cultura nacional. Podemos, inclusive, criar uma marca própria com Jandira (Feghali, secretária de Cultura) no Rio de Janeiro”.
Para aproveitar este momento, Rangel defende a quebra de preconceitos contra artes de determinados tipos. “Não devemos ter falsas formulações, tentando descobrir o que há de mais ou menos revolucionário. O esforço dos comunistas tem sido o de deixar de lado gostos pessoais e idiossincrasias e se inserir no campo artístico com amplitude, na medida em que este expressa a vida brasileira e suas contradições”.
Quadros da intelectualidade
O secretário de Organização do PCdoB, Walter Sorrentino, tratou da política de quadros para a atuação no meio intelectual e a necessidade de atração de gente da área para as frentes do partido. Para que isso seja possível, colocou quatro premissas. A primeira é o fato de que o papel do PCdoB nesta frente deve ser elaborado conforme o tempo presente, tendo em mente que se trata de uma organização a serviço da política. “Por isso, é preciso quebrar antigos estereótipos”, colocou.
A segunda diz respeito à necessidade de se atualizar a teoria e a estratégia para esses novos tempos buscando um caminho brasileiro. O terceiro – ponto basilar das discussões que ocorrerão no 12º Congresso do PCdoB – é ampliar a visão do partido no que tange a política de quadros. “Todos os membros podem ser quadros. Portanto, não é necessário que seja dirigente porque isso deixa de abarcar muita gente que tem atuação e influência social. Devemos estabelecer maneiras de criar liames com eles”, enfatizou.
Por fim, destacou que por trás dessa opção de se investir na intelectualidade deve estar a busca pela construção de um novo Estado. A luta pela hegemonia política “também é uma luta cultural que exige a superação das idéias atrasadas. Há defasagens nevrálgicas nessa área, que incidem num sentimento de baixo aproveitamento desses cidadãos por parte do partido. Muitas vezes, é membro do PCdoB, mas sua atividade própria, intelectual, é deixada de lado. Quanta energia não está sendo relegada por causa disso?”, criticou.
Com o objetivo de orientar os esforços no sentido de melhorar a relação entre PCdoB e intelectualidade, Sorrentino elencou ao menos dois aspectos. Primeiramente, elaborar um pensamento, um projeto de transformação e um programa socialista para o Brasil. Depois, enfrentar “a crise teórica do marxismo, contribuindo para a atualização da teoria da revolução social”.
Segundo Sorrentino, “o desafio central dos quadros do PCdoB está no esforço de coesionar os setores mais avançados da sociedade e ligá-los ao partido por meio das idéias”. Do ponto de vista político, explicou, “é preciso aglutinar esses quadros tendo em vista que a intelectualidade constitui um público mais sensível aos fluxos e refluxos da atuação política. Por isso, é preciso que consigamos atraí-los com objetivos estratégicos para a sociedade estabelecendo a confiança dos intelectuais nesses projetos”.
De Atibaia,
Priscila Lobregatte