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Valter Pomar: A nota certa

Um grupo de 36 militantes petistas divulgou, no dia 16 de janeiro, uma carta manifestando seu “desacordo” com a nota divulgada no dia 4 de janeiro, intitulada “PT condena ataques criminosos”. Os signatários declaram-se “profundamente consternados com “

Acusando a nota de posicionar “equivocadamente o PT em relação a um conflito de notável complexidade”, os 36 militantes sintetizam sua opinião nos seguintes pontos:



a) a nota do PT “ignora a posição histórica do Partido, que sempre se pautou pela defesa da coexistência pacífica dos povos”;



b) a nota do PT “banaliza e distorce o fenômeno histórico do nazismo”;



c) a nota do PT “não registra a necessária condenação ao terrorismo”;



d) a nota do PT “não afirma o reconhecimento do direito de existência de Israel negado pelo Hamas”;



e) a nota do PT “não se coaduna com a posição equilibrada assumida pelo governo brasileiro sobre a questão”;



f) a nota do PT “queima, ao invés de construir, pontes para o entendimento”.



Pode-se concluir, portanto, que a carta dos 36 acusa a nota do PT de desequilíbrio pró-palestinos.
Considerando as circunstâncias, isto deve ser tomado como um elogio, não como uma crítica. Afinal, frente ao massacre perpetrado em Gaza, em aberta violação do direito internacional, é imperativo que um Partido como o nosso tome posição aberta e clara, sem subterfúgios nem meias-palavras, em favor dos mais fracos: o povo palestino. 



A primeira crítica dos 36 acusa a nota do PT de ignorar “a posição histórica do Partido, que sempre se pautou pela defesa da coexistência pacífica dos povos”.



Li e reli a nota divulgada pelo Partido e não consegui entender em que parágrafo, em que frase, em que vírgula nós ameaçamos a “coexistência pacífica”.
A única interpretação que me ocorre está contida em cartas que recebemos de sionistas: ao convocar a militância para uma mobilização contra a guerra e pela paz, o PT estaria supostamente ameaçando a coexistência pacífica entre “palestinos e judeus” aqui no Brasil, importando um conflito que “não é nosso”. Mas não consigo crer que os signatários da carta pensem isto.



A segunda crítica dos 36 diz que a nota do PT “banaliza e distorce o fenômeno histórico do nazismo”.



O que diz a nota do PT: “atentados não podem ser respondidos através de ações contra civis. A retaliação contra civis é uma prática típica do exército nazista: Lídice e Guernica são dois exemplos disso”.



Ou seja: a nota do PT não afirma uma tese sobre o “fenômeno histórico do nazismo”, nem comete nenhum anacronismo ou simplificação histórica. Logo, não podemos ser acusados de “distorcer” algo sobre o qual não pontificamos. A nota do PT limita-se a apontar um fato: o exército nazista ficou conhecido por retaliar civis. E matar civis, mesmo numa guerra, não pode ser considerado algo “banal”. Quem “banaliza” a violência é quem aprova, silencia, ou tergiversa sobre o que se passa em Gaza.



O governo de Israel considerou inaceitável a comparação feita pela nota do PT, mas não considera inaceitável matar e ferir milhares de civis. Infelizmente, os 36 não denunciam nem criticam explicitamente o terrorismo de Estado praticado pelo governo de Israel contra os palestinos, preferindo criticar a nota do PT.



Vale dizer que há muitos textos e manifestos, inclusive patrocinados por militantes judeus, que fazem analogia direta entre o Gueto de Varsóvia e a Faixa de Gaza.



A terceira e a quarta crítica dos 36 reclamam que a nota do PT “não registra a necessária condenação ao terrorismo” e “não afirma o reconhecimento do direito de existência de Israel negado pelo Hamas”.



Estas duas críticas partem de um pressuposto equivocado. Uma nota sobre um caso concreto não precisa, obrigatoriamente, fazer um inventário das posições históricas do PT. E a eventual ausência desta ou daquela posição, não significa que o Partido tenha alterado seu ponto de vista. Aliás, a nota do PT também não cita nossa posição sobre o Estado Palestino.



O fato concreto que provocou a nota foi a agressão do governo de Israel contra o povo palestino, e não uma inexistente ameaça ao direito dos israelenses em ter seu próprio Estado. Sugerir que o Partido desconhece esse direito, por não reafirmá-lo na nota citada, não passa de sofisma.
Ocorre que a carta dos 36 parece aceitar que o ataque contra a Faixa de Gaza é um ato de “legítima defesa” por parte do governo de Israel. A nota do PT rechaça explicitamente esta alegação. Aliás, o cronograma do ataque contra Gaza está diretamente vinculado à transição nos EUA e às eleições israelenses.



A carta dos 36 assume, mesmo que parcial e implicitamente, alguma das premissas e justificativas adotadas pelo governo de Israel para seu ataque contra Gaza. Só isto tornaria imprescindível incluir na nota do PT o “reconhecimento do direito de existência de Israel negado pelo Hamas”, quando o que está realmente em jogo é o direito à sobrevivência do povo palestino, bem como as resoluções internacionais violadas pelo Estado de Israel.



Evidentemente, o PT não defende o Hamas, defende o povo palestino. Também é sabido que condenamos o terrorismo, em todas as suas formas. Mas estamos convencidos de que as posições do Hamas e seus foguetes foram utilizados, pelo governo de Israel, como um pretexto para a barbárie perpetrada em Gaza.



A quinta crítica feita pelos 36 diz que a nota do PT “não se coaduna com a posição equilibrada assumida pelo governo brasileiro sobre a questão”.
Ao dizer que a posição do governo é “equilibrada”, os 36 sugerem ser desequilibrada a posição do PT.



O PT concorda com a posição do governo brasileiro. Achamos que ela se coaduna (ou seja, se combina, sem que sejam posições iguais) com a posição expressa pelo PT, na nota de 4 de janeiro.



Vale lembrar que declarações do presidente, do ministro das relações exteriores e do assessor especial utilizaram termos como carnificina, chacina, agressão injustificável e terrorismo de Estado.



Seja como for, o PT não precisa copiar a posição do governo. Partido é partido, governo é governo. O que um pode dizer e fazer, o outro nem sempre pode ou deve. E vice-versa.



A última crítica feita pelos 36 beira o grotesco: acusam a nota do PT de queimar, “ao invés de construir, pontes para o entendimento”.
O PT é a favor da paz. E paz implica dialogar, inclusive com inimigos. Paz não é esquecimento. Nem se constrói sobre mentiras, meias palavras, mal-entendidos. Nem tampouco se faz omitindo a história.



O governo de Israel atacou a Faixa de Gaza. Morreram mais de 1.200 palestinos. Milhares foram feridos. A infra-estrutura na região foi ainda mais destruída. São ações deste tipo que queimam pontes para o entendimento, ameaçam a coexistência pacífica entre os povos, impedem uma paz duradoura, baseada na coexistência pacífica de um Estado Palestino “viável e próspero” e de um Estado de Israel “definitivamente seguro”.



Não haverá segurança nem paz, enquanto houver ocupação, desrespeito às resoluções da ONU e enquanto os palestinos foram tratados, pelo governo de Israel, como uma sub-raça submetida ao terrorismo de Estado.



A nota do PT tem o mérito de dizer as coisas com simplicidade e clareza, inclusive sobre o papel jogado pelos Estados Unidos e sobre o agravamento da tensão mundial. Vale dizer que sem uma forte pressão internacional, o governo de Israel não mudará de atitude e não negociará. Neste sentido, a nota do PT ajuda mais na luta pela paz, do que as posições no mínimo tíbias adotadas pela carta dos 36, divulgada quase duas semanas depois da nota do Partido e na véspera do encerramento da ofensiva de Israel.



Haveria mais o que dizer, especialmente sobre os antecedentes históricos do conflito e sobre o direito de um povo resistir à ocupação estrangeira. Mas, tendo em vista o que está em jogo, é preferível que nos limitemos a defender os termos adotados pela nota do PT.



* Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT