Copom ignora gravidade da economia e faz corte tímido da Selic
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de cortar a taxa básica de juros (Selic) em 1,5 ponto percentual, para 11,25% ao ano, foi, com razão, mal recebida. O noticiário econômico tenta dourar a pílula, argumentando que e
Publicado 11/03/2009 21:23
A queda de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), parece não ter sensibilizado o Copom. ''Avaliando o cenário macroeconômico, o Copom decidiu, neste momento, reduzir a taxa Selic para 11,25% ao ano, sem viés, por unanimidade'', disse o BC em comunicado. ''O comitê acompanhará a evolução da trajetória prospectiva para a inflação até a sua próxima reunião, levando em conta a magnitude e a rapidez do ajuste da taxa básica de juros já implementado e seus efeitos cumulativos, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária'', diz o documento.
O problema é que o BC está preso à lógica de usar a taxa de juros somente como instrumento de controle da inflação. É a lógica de que se os juros caem a população tem maior acesso ao crédito e consome mais, com possibilidade de pressionar os preços. Não importa, nem nesse momento de crise aguda, que a outra face da moeda do crescimento do consumo é a revitalização da economia. Com razão os presidentes das centrais sindicais Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, e Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, afirmaram, por meio de comunicados, que a decisão do Copom não correspondeu à necessidade da economia.
Wagner Gomes, da CTB, disse que “é indispensável enfatizar que o passo dado ainda peca por timidez”. “O corte não foi suficiente para nos retirar da condição de campeões mundiais dos juros altos e tampouco nos deixa muito próximos dos padrões civilizados praticados no chamado Primeiro Mundo, que diante da crise está apelando para taxas de juros negativas, ou seja, inferiores às taxas de inflação”, afirma.
Monetarismo exacerbado
Para Paulinho, a decisão do Copom ''é nefasta para os trabalhadores''. Ele comenta com precisão que “os insensíveis tecnocratas do BC perderam uma ótima oportunidade de afrouxar um pouco a corda que está estrangulando o setor produtivo, que gera emprego e renda”. “Infelizmente, mais uma vez, o governo se curva diante dos especuladores'', disse Paulinho. Ele lembra que a queda no PIB de 3,6% no último trimestre de 2008 ''é resultado da hesitação dos membros do Copom em baixar os juros de forma mais agressiva''.
O presidente nacional da CUT, Artur Henrique, afirmou que a queda da taxa ''era a única decisão aceitável diante da conjuntura'', mas ressaltou que o corte deveria ter sido maior. ''O Brasil ainda tem chances de registrar crescimento em 2009, e devemos ser ousados para não perder a oportunidade. O crescimento depende muito do fortalecimento do mercado interno, e passa necessariamente pela defesa dos empregos e dos salários'', disse.
Para o presidente da CUT, o problema é o monetarismo exacerbado dos integrantes do Copom. ''Queremos também que haja controle social sobre o Conselho Monetário Nacional (CMN), com a inclusão de representantes do setor produtivo nos debates e nas decisões. Com isso, passaríamos a estabelecer também metas de crescimento e de geração de empregos, conjugadas com a hoje onipotente meta de inflação'', disse ele. É por aí que a coisa deveria andar. A situação do país exige muito mais atenção ao emprego e à renda da população do que às apertadas metas de inflação que servem exclusivamente aos interesses do mercado financeiro.
Cenário internacional
Mesmo os empresários do chamado “setor produtivo” vêem essa lógica com clareza. Segundo o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, o Copom agiu com ''acerto'' mas o BC deve apertar o passo. ''Agora, é preciso agilizar a queda com reuniões quinzenais do Copom'', disse. ''Se não bastasse a queda do PIB, de 3,6% no último trimestre de 2008, um dos piores resultados do mundo, manter alta a taxa de juros vai contribuir para que o Brasil tenha crescimento negativo em 2009'', afirmou. A Fiesp alerta que, considerando-se os níveis atuais de inflação, a taxa Selic deveria estar entre 7% e 8% o ano.
Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, a decisão do Copom de aumentar ''apenas marginalmente o ritmo de queda dos juros'' frustra “a sociedade, os agentes produtivos e a indústria brasileira''. ''Esse movimento de aceleração no corte dos juros, ainda que na direção correta, não tem a intensidade necessária ao momento'', disse. ''Entendemos que é urgente a adoção de uma postura mais agressiva, com redução de juros compatível com as exigências do momento'', afirmou. ''É necessário trazer a Selic para o nível de um dígito com tempestividade'', completou.
Errando na dose
O presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alencar Burti, também foi incisivo. Para ele, a decisão do Copom foi ''tímida''. ''Os dados relativos ao desempenho da economia indicam a necessidade de medidas mais profundas para evitar que a economia brasileira entre em recessão'', disse. ''Esperávamos que a coragem revelada pelas autoridades monetárias em elevar as taxas de juros quando julgaram necessário, e de mantê-las quando consideraram conveniente, a despeito das pressões de importantes segmentos da sociedade, fosse demonstrada agora com uma redução mais ousada da Selic'', completou.
A Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio) também criticou com dureza e decisão do Copom. ''A redução foi insuficiente. O cenário internacional está pior do que o BC tinha por hipótese meses atrás. Outros bancos centrais já reduziram suas taxas para algo próximo de zero. Nós ainda estamos em dois dígitos'', disse Abram Szajman, presidente da entidade. ''O BC, por meio do Copom, mais uma vez mostrou que está no caminho certo, mas errando na dose'', completou. Segundo ele, o comércio já dá fortes sinais de que precisa de injeções de ânimo. ''Uma redução maior da Selic teria sido o remédio desejado por nós, neste momento'', enfatizou.
Importância decisiva
Os juros no Brasil estão fora do lugar faz tempo. E precisam baixar rapidamente para ajudar a livrar o país da recessão. Em entrevista à Terra Magazine, o economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), disse que o Brasil corre sérios riscos diante da crise econômica mundial. “A idéia de que o Brasil ficaria incólume à crise mundial é absolutamente disparatada”, afirmou. Mas Lessa identifica “instrumentos e potencialidades” para o Brasil se recuperar em condições melhores que outros países. E aponta, como uma dessas pontencialidades, a queda da taxa de juros.
Ele explica que o fato de Brasil estar com uma taxa de juros elevadíssima confere vantagens ao país. “O mundo inteiro já baixou. Isso foi a nossa desgraça nesses últimos 20 anos. Mas agora é uma vantagem. Porque talvez o Brasil seja o único país do mundo que, baixando os juros, estimula o crédito. Os outros países não podem mais fazer isso. Nós não estamos no fundo do poço dos instrumentos de crédito, uma coisa que já aconteceu na Europa e nos Estados Unidos”, afirma.
A taxa de juros é provavelmente uma das principais razões pelas quais o Brasil não alcança o crescimento sustentado. A oferta de crédito é essencial para o crescimento. Com os sinais de que o Brasil foi atingido de frente pela crise mundial, a redução da taxa de juros passou a adquirir mais relevância. A insistência do BC em seguir operando com juros extremamente elevados também determina um freio nas possibilidades de uma reação à tendência de queda do PIB. Romper essa barreira conservadora é um desafio político que assume importância decisiva nesse grave momento da economia brasileira.
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