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Debate aponta desafio de ir além dos avanços do governo Lula

Ir além dos avanços promovidos pelo governo Lula, superando seus limites, foi o desafio apontado, neste sábado, duante  o debate ‘A evolução do estado brasileiro e sua situação atual’. Parte da programação do segundo dia do Seminário Desvendar o Bras

De acordo com um dos participantes da mesa, o professor de História da Universidade de São Paulo (USP), Lincoln Secco, a classe dominante brasileira sempre rejeitou a integração do proletariado no seio da sociedade. E, só no fim dos anos 70, os trabalhadores começam a ter seu espaço. Foi, contudo, na década seguinte, que passaram a fazer parte da vida política nacional, de forma reconhecida.



Secco, entretanto, ressalta que o período de ascensão da classe trabalhadora, terminou com uma derrota eleitoral, em 89, quando o ex-presidente Fernando Collor de Mello se elegeu. Já a partir dos anos 90, o momento é de maior dificuldade para a organização dos trabalhadores — com o desemprego e a hegemonia de grupos neoliberais pela América Latina —, mas forças populares conquistam a vitória eleitoral, com a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência.



“Aquele momento foi de um vitória eleitoral, mas de uma derrota na disputa de valores na sociedade brasileira. O governo se estabelece quando os valores neoliberais são dominantes. Isso faz com que tenha um programa rebaixado e que não seja de esquerda. É de coalizão. Evidentemente que o governo promoveu avanços, tem setores de esquerda importantes pela primeira vez. Mas carrega, em si, ambiguidades”, colocou.



Fazendo ressalvas sobre o contexto e o perfil de ambos, o professor comparou o governo Lula ao de Getúlio Vargas, que, segundo ele, promoveu avanços com as leis trabalhistas, mas desorganizou os trabalhadores. “O governo Lula traz novos direitos para as camadas populares, e uma política exterior bem melhor que as anteriores mas, de certa forma, também sequestra um pouco a história dos trabalhadores. Faz com que esses direitos pareçam dádivas”, analisou.



Para ele, não é o Estado que dá direitos. “ É a classe trabalhadora que pode mudar o Estado, e não o contrário”, disse, propondo uma “superação dialética” do governo atual. “É preciso conservar o que ele tem de progressista e negar o que nele há de conservador, uma tarefa dificílima. A popularidade do comandante do Executivo vem, em grande parte, da imagem do doador de direitos. (…) A resposta para isso não pode vir de intelectuais, mas de movimentos vivos e o PCdoB talvez tenha a responsabilidade de mostrar esse caminho”, encerrou.



Reorganizar o povo para as tarefas antiimperialistas



Na mesma linha, o deputado federal Aldo Rebelo defendeu que o atual governo de coalizão tem sido eficiente na mediação de conflitos sociais e tem feito um esforço para implementar uma política externa independente. Contudo, não teria conseguido tratar de questões estratégicas, do reposicionamenhto do estado.



“Não se reorganizou o estado para um conteúdo que, se não pode ser socialista, seja de um estado capaz de organizar o povo e a sociedade civil nas tarefas antiimperialistas”, opinou.



Segundo ele, o programa das forças progressistas deve se voltar para essa reestruturação do estado, com capacidade de “planejar, pensar, ter uma política de defesa compatível com nossos interesse,  produzir inovações tecnológicas e capaz de oferecer, na área da saúde e da educação o que não oferecemos hoje, apesar dos esforços.”



Para Rebelo, a eleição de Lula foi a ascensão dessas forças e mudou o panorama político, mas estabeleceu seus próprios limites. “Para além desses limites, outras forças devem ajudar a impulsionar esse processo. Nossa responsabilidade é muito essa”, colocou.



O deputado fez um resgate da evolução do estado brasileiro, defendendo que, até o fim do governo de Getúlio Vargas, a modelagem do estado não sofreu alterações. Este processo de mudança só teria se iniciado com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, aproveitando a onda da queda da União Soviética. “Ele se faz portador da ofensiva para remodelar o estado brasileiro, no sentido da privatização, desregulamentação, cerceamento da capacidade do estado como planejador. E fortalece o estado anti-estado”, colocou.



Rebelo falou que, enquanto as forças progressistas viam, na derrubada de Collor, uma chance de combate ao neoliberalismo, a classe dominante tinha outros interesses. “O Collor mostrou-se incapaz de conduzir o processo de mudança que interessava à classe dominante, aos grandes partidos. Era uma liderança fragilizada, de setor periférico, não conseguiu emplacar as privatizações e a classe dominante  percebeu que podia pôr no lugar dele alguém com muito mais capacidade de coesão, unidade, convencimento, para implementar o seu projeto”, explicou.



Nesse sentido, Rebelo observou que, diferente do que era esperado pelas forças avançadas, a derrubada de Collor não resultou na vitória de um projeto à esquerda. Ele destacou que Fernando Henrique Cardoso foi o homem que colocou em prática o projeto da classe dominante, fragilizando órgãos de planejamento, desregulamentando o Estado e o reorientando.



Formação e desenvolvimento do Estado brasileiro



Responsável pela análise histórica da construção do Estado brasileiro, o professor de filosofia da Unicamp, João Quartim de Moraes, destacou algumas particularidades do país, que além de ter sido o único do Novo Mundo cuja consolidação política e unidade se Deu sob uma monarquia, foi o ultimo a abolir a escravidão.



Quartim destacou a importância de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, no processo de integração, apesar de este ter sido um defensor da ótica escravocrata. O professor ressaltou ainda os motivos que levaram a aproximação do exército à causa abolicionista. Segundo ele, foi na Guerra do Paraguai que os brancos livres recuaram da missão de defender o Brasil, cabendo aos negros a tarefa.



Quartim questionou a utilização do termo “trabalhador livre”, para designar a condição dos escravos libertados com a abolição. E avalia que esse cenário tem rebatimentos até hoje. “Havia uma massa de escravos libertados, outros que já eram livres, o povo empobrecido das redondezas das fazendas, que simplesmente sobreviviam, sem terem se tornado operários, encarnações do trabalho assalariado. Um povo explorado de diversas maneiras. E isso atravessou a história social do país”.



Também na participação do professor, a era Vargas teve destaque. Ele recordou que tanto o Golpe de 64 quanto a era FHC se esforçaram para apagar o legado getulista. E reconheceu que Vargas, de forma ambígua, desenvolveu duas linhas políticas que são constantes na plataforma histórica da esquerda: a defesa da soberania nacional e as leis trabalhistas.


 


De São Paulo,
Joana Rozowykwiat
Fotos: Marcos Slavov


 


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