Especialistas discutem o Estado sob os padrões capitalistas
Entrelaçando elementos históricos com dados da realidade, conceitos marxistas e táticas políticas, a mesa que debateu os “Padrões de acumulação capitalista no Brasil e o capitalismo brasileiro hoje” deu uma verdadeira aula de economia. Coordenada
Publicado 05/04/2009 12:00
Bem humorado e inspirado, Aloísio Teixeira, professor, economista e reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), abriu o debate citando a seguinte frase de Karl Marx na carta a W. Bracke no preâmbulo do texto Crítica ao Programa de Gotha: “Cada passo de movimento real vale mais do que uma dúzia de programas.” Ele fez ainda algumas considerações sobre este documento marxista para lembrar que Marx inicia a sua grandiosa obra O Capital com a análise da mercadoria.
Aloísio Teixeira disse que os três componentes essenciais da produção de mercadoria — trabalho, terra e dinheiro — ganharam um dinamismo avançado no capitalismo e promoveram uma mudança radical na sociedade humana. Ele explicou também que não há uma “teoria geral” para se interpretar esse fenômeno em decorrência das particularidades de cada país. Para Aloísio Teixeira, no caso do Brasil é preciso ter em conta a colonização local, produto da expansão mercantil européia.
Investimentos estatais
Segundo ele, os colonizadores encontraram aqui terra farta e clima favorável à produção de açúcar, mercadoria com uma forte demanda à época. A produção iniciou-se com o trabalho escravo — em um processo no qual nem o trabalho e nem a terra eram livres. Para Aloísio Teixeira, essa configuração determinou o desenvolvimento das relações econômicas e sociais brasileiras. No decorrer do debate, ele fez também considerações sobre o papel do proletariado na transformação da sociedade, o desenvolvimento do Brasil no século XX e a atual crise econômica.
Aloísio Teixeira lembrou que os investimentos estatais foram essenciais para a chegada do grande capital no país. Sem a destinação de recursos públicos maciços para o desenvolvimento da siderurgia e da energia, por exemplo, os investimentos estrangeiros poderiam ter tomado outro destino. Na atual crise, segundo ele, o governo deve destravar a máquina pública, amarrada, por exemplo, pelas imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal e do superávit primário.
Reformas de base
Carlos Alonso de Oliveira, economista, professor livre-docente da do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), iniciou sua exposição dizendo que o período desenvolvimentista foi determinante para o Brasil. Segundo ele, o desenvolvimentismo que transformou o país de uma sociedade agrária em uma sociedade urbana fez o Brasil estar hoje entre as principais economias do mundo. Ma a renda per capita ainda é muito baixa, destacou.
A interrupção dos processos de reformas de base pelo golpe militar de 1964, de acordo com Carlos Alonso de Oliveira, significou também o fim das ações do Estado voltadas ao desenvolvimento. Os investimentos estatais, destacou, foram decisivos para a industrialização do país. Sem eles, disse o professor, não haveria a infra-estrutura necessária à entrada do capital estrangeiro em setores como o automobilístico. Se esse elemento não contasse, os capitais vindos de fora poderiam ter optado pela Bolívia ou a Nigéria, exemplificou.
Política conservadora
Segundo Carlos Alonso de Oliveira, a visão de que o capital estrangeiro faz por si só o desenvolvimento é falsa. Para ele, quem gostava dessa idéia era o ex-presidente neoliberal Fernando Henrique Cardoso (FHC), que apostou na “estabilidade” da moeda como única condição para a entrada de capitais no país. O resultado, destacou, foi a financeirização da economia com as reformas conservadoras dos anos 90. O governo Lula, disse o professor, promoveu algumas mudanças consideráveis neste paradigma.
Para ele, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não é pouca coisa. Carlos Alonso de Oliveira cita ainda a nova configuração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a política de valorização do salário mínimo e a geração de novos consumidores por meio de gastos públicos. Mas, ressaltou, há a política conservadora do Banco Central (BC), extremamente desfavorável ao crescimento econômico.
Empresas estatais
Sobre a crise econômica global, Carlos Alonso de Oliveira disse que ela não é passageira. Seu desdobramento, afirmou, vai depender da forma como os Estados Unidos agirão. Ele ressaltou, no entanto, que a gravidade da situação abre espaços para políticas nacionais. E destacou que o Brasil precisa romper com o marco legal dos anos 90, que paralisa as ações do Estado. Carlos Alonso de Oliveira lembrou a advertência do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, de que o Brasil precisa de uma legislação de emergência para enfrentar a crise.
Ele lembrou ainda que o país sente a falta de empresas estatais, que agora poderiam ser a linha de frente dos investimentos públicos a fim de amenizar os efeitos da crise global. Carlos Alonso de Oliveira destacou o papel da Petrobras, que promove investimentos e puxa uma cadeia produtiva com larga repercussão na economia. Ele citou ainda o papel fundamental dos três bancos públicos — BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal — para enfrentar a crise global.
Mais valor e menos peso
João Sicsú, economista, diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também disse que o Brasil está preparado para enfrentar a crise global. Ele informou que o governo está com as finanças públicas organizadas e sadias. Para João Sicsú, o fato de o país ter uma grande demanda por obras de infra-estrutura e três grandes bancos públicos dá ao governo amplas possibilidades de investimentos que dinamizam a economia.
Ele também criticou as amarras legais e burocráticas que impedem a chegada do dinheiro “à rua”. Segundo João Sicsú, existe uma parafernália de regras que limita a velocidade dos investimentos. O economista disse ainda que o país precisa incorporar tecnologia à produção para exportar mais valor e menos peso. Ele citou que para isso os investimentos em infra-estrutura são determinantes. E terminou a exposição com uma afirmação otimista. “Temos onde gastar”, sintetizou.
De São Paulo,
Osvaldo Bertolino