12º Congresso: luta de ideias é a mãe de todas as batalhas
Realizou-se em abril um seminário intitulado “Desvendar o Brasil, suas singularidades, contradições e potencialidades”, como parte do esforço de reflexão do 12º Congresso. Essa iniciativa remete a uma questão sobre a qual é preciso superar tradições no
Publicado 07/04/2009 15:17
Congresso mobiliza as inteligências para o debate das grandes questões nacionais e mundiais. Elas não interessam apenas aos comunistas, mas a todos aqueles que têm interesse genuíno em abrir caminhos de progresso social e um projeto nacional afirmativo, notadamente à luta pelo socialismo. A construção de um pensamento político como o que se pretende não é atributo apenas do PCdoB, mas infere influência em campo mais largo e deve se beneficiar da contribuição que podem dar a ele forças avançadas e de esquerda. Insista-se nisso: construir a política do partido e organizar sua militância é uma contribuição democrática de ordem geral para a sociedade brasileira, serve não apenas aos comunistas.
O PCdoB vem fazendo um importante esforço de renovação de cultura política e superação de dogmatismos. O histórico 9º Congresso de 1992 foi um ponto de partida sem retorno nesse sentido. Muito do que se alcançou ainda não está suficientemente conhecido por esses setores avançados. É escassa ainda a influência partidária na luta de ideias. Há, por força da história política no país, muito preconceito ainda quanto ao PCdoB. Pior será o preconceito dos comunistas com respeito a setores da intelectualidade que não partilham de nossas posições, mas que têm importante papel intelectual e moral no debate dos dilemas nacionais.
Na atual fase de acumulação estratégica de forças há uma linha determinada, consistente em articular os esforços da frente política e institucional, com a frente das lutas sociais e a da luta de ideias. Trata-se exatamente disso: acumular forças na luta de ideias, o que implica conteúdo, linhas e iniciativas determinadas. Ela é um dos pilares da acumulação de forças visando o projeto estratégico. Aliás, a luta de ideias é a mãe de todas as batalhas da luta de classes – sem ideias avançadas, sem que elas sejam influentes e penetrem a fundo na consciência social, não há perspectivas transformadoras para a ação política e a luta social.
Os comunistas são, essencialmente e antes de mais nada, aqueles capazes de atividade crítica da realidade, norteados por um projeto de superação do capitalismo. Sem atividade crítica não há ação transformadora. E atividade crítica significa escrever, polemizar, debater, agitar, propagandear, ser tribuno. Isso não se faz no abstrato, mas no convívio com as ideias existentes na sociedade, particularmente as progressistas e de esquerda. Na luta de ideias também se atua em frente ampla, sem perder a identidade. As ideias fecundam quando enriquecidas no debate de opiniões diferentes, desde que se tenha um norte bem estabelecido.
É de se concluir que, em verdade, o setor mais carente da atividade partidária não é, ainda, o da luta de ideias. Há uma defasagem aí, que certamente invoca causas variadas e de fundo. Mas é preciso atravessar esse rubicão, num renovado esforço de interlocução com camadas avançadas sem partido ou de outros partidos. O PCdoB tem audiência entre esses setores, não se justifica defensiva ou retraimento. Curioso que no âmbito político a cultura dos comunistas é bem assentada, de modo a ter uma prática ampla, pelo que é respeitado no convívio democrático mesmo pelos adversários. É preciso levar essa prática também para o âmbito do debate com pessoas, setores e organizações da intelectualidade brasileira.
Particularmente importante é a interlocução com o pensamento avançado da esfera científica e tecnológica, cultural e artística, de funções de Estado como no âmbito jurídico e de relações exteriores. Mesmo na esfera da defesa nacional, indispensável ao projeto de nação. Todas têm muito a contribuir: na verdade, são indispensáveis porque têm saber e pesquisas acumuladas e muitas delas têm orientação francamente progressista. Estão aí a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), inúmeras organizações e personalidades científicas, as universidades, as instituições como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e outras agências de governo, a demonstrar que há muito a fazer.
Enfim, a intervenção política na luta de ideias deve se dar no âmbito mais largo da sociedade. Foi sempre em ligação com o pensamento científico e cultural mais avançado de sua época que avançou o marxismo. Tudo isso precisa ser devidamente organizado. Ela se dá com formas e métodos próprios, que precisam ser dominados. Implica uma pauta política ou um norteamento, para não se dispersar em abstrações. Os temas do congresso, lato senso, inferem a batalha pela atualização da teoria da transformação social, de um lado, e por outro os desafios contidos na formulação de um projeto nacional avançado, de transição ao socialismo, para o Brasil.
O congresso e seus temas são oportunidades imperdíveis para isso. Pode-se organizar não apenas seminários ou mesas-redondas, como também conversas bilaterais, reuniões com pensadores ou lutadores que não são do partido, ou intercâmbios com outras organizações sociais que lutam pelo Brasil. Certamente o resultado será enriquecedor de nosso próprio debate interno, além de soldar relações amistosas de outras organizações políticas e sociais com o partido. O partido pode, assim, promover um renovado mergulho no movimento das idéias avançadas presentes no país.
Os métodos também são importantes. A luta de ideias é sempre uma relação de troca, que pressupõe respeito recíproco entre os interlocutores. É preciso ouvir, para ser ouvido; respeitar para ser respeitado. Preconceitos nessa relação, de parte a parte, são manifestações de sectarismo ou intolerância que travam o processo da luta de ideias. Além disso, as formas da interlocução podem ser adaptativas, implicando formas e conteúdos diferenciados segundo os interlocutores. Mas nada substitui o contato pessoal, regular, respeitoso dos membros do partido com esse contingente de interlocutores.
Falei, acima, de superar tradições. Isso porque, sendo boa a tradição, ela é relativamente insuficiente. Não se supera a defasagem na luta de ideias com espontaneísmo ou improvisação. A questão é que a consciência do desafio deve induzir uma linha de intervenção e investimentos e, principalmente, mobilizar as forças intelectuais do partido para esse fim. O que quer dizer isso? Quer dizer que, para o esforço de interlocução com camadas avançadas, sem partido, faz falta em primeiro lugar mobilizar os próprios quadros do partido que atuam mais diretamente na luta de ideias. A motivação e produção deles nem sempre é conhecida coletivamente, mas sua familiaridade própria com o movimento das ideias pode trazer contribuição ao projeto partidário.
Neste sentido, os trabalhos do 12º Congresso podem ser uma alavanca para incrementar a mobilização desses quadros. Eles podem construir um ambiente mais favorável à interação entre a elaboração partidária e a intelectualidade.
Claro então que há uma dimensão organizativa envolvida. Trata-se de estabelecer os liames adequados entre a atuação desses quadros e o projeto partidário. Estritamente, ela já foi bem resolvida pelo Estatuto, que permite constituição de coletivos como forma especial de organizar a interlocução e participação desse tipo de quadro. Resta o esforço a fazer nessa direção, e as formas serão encontradas no caminho. O Congresso é um momento privilegiado, pelos temas pautados, pelo fato de debater diretamente a questão da política de quadros e pelas iniciativas que serão tomadas nacionalmente no sentido de fazer um levantamento geral desses quadros. Mas esse é assunto do próximo artigo.
Essa é mais uma dimensão do problema de que construir um partido comunista é uma tarefa democrática de ordem geral na sociedade. Porque isso significa construir as mediações entre o particular e o universal, significando a construção de um projeto de nação, levando os trabalhadores a se constituírem como classe nacional, como forma de fazer avançar o caudal transformador e da própria teoria, num projeto classista e socialista. Por isso, o congresso dos comunistas deve incidir na realidade circundante, particularmente nas camadas avançadas, com unidade entre setores progressistas e, ao mesmo tempo, independência quanto à identidade própria do partido.
* Walter Sorrentino, médico, é secretário nacional de Organização do PCdoB
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