Joan Edessom – Se não é seca, é enchente

Não é só falar de seca


Não tem só seca no sertão

João do Vale, talentoso artista popular maranhense, autor de clássicos do nosso cancioneiro, precisaria ver hoje a situação na zona norte do Ceará. Os vales do Curu, Acaraú e Coreaú, principais bacias hidrográficas da região, estão alagados por um inverno rigoroso, bem acima da média pluviométrica registrada nas últimas décadas, e que se prolonga tardiamente, as chuvas caindo torrenciais e teimosamente numa época em que já deveria ter começado o estio.


 


Inúmeras cidades sofrem os efeitos devastadores da água, violentíssima quando sai do leito dos rios e ganha a amplidão das várzeas sertanejas. A cidade de Granja, velha cidade sertaneja; o povoado de Retiro, no município de Chaval; a heráldica Sobral, às margens do Acaraú; todas oferecem imagens da dor e do sofrimento imposto às populações atingidas. No Retiro, quase na fronteira do Ceará com o Piauí, além da estrada que liga os dois estados ter sido interditada pela força das águas, o povoado inteiro praticamente desapareceu submerso, restando a imagem aterradora dos que perderam praticamente tudo. Em Granja, o rio Coreaú tomou posse da cidade, lambendo suas ruas, visitando as casas, e já começa a faltar água potável, pois o sistema de bombeamento ficou submerso. Em Sobral, tanto na sede quanto nos distritos, já são mais de seiscentas famílias desabrigadas, sem contar as mais de quatrocentas em vinte e cinco comunidades rurais que ficaram ilhadas, sem alimentos, água, medicamentos. Mais de cinco mil crianças estão sem aulas.


 


Em Sobral, além dos milhares de desabrigados cujas casas estão submersas, escolas estão ilhadas e equipamentos culturais importantes foram atingidos. A água entrou no piso inferior da Biblioteca Pública Municipal, subiu ao palco do Teatro da ECOA (Escola de Cultura, Comunicação, Ofícios e Artes) e o Museu Madi, único no Brasil, está praticamente submerso desde o dia 21 de abril.


 


Pontes levadas pelas enxurradas, deslizamentos nas encostas da Serra da Ibiapaba, estradas rompidas em diversos lugares, agravam ainda mais a situação, isolando cidades inteiras ou partes importantes de diversos municípios.


 


Na mais otimista das avaliações, estima-se que metade da lavoura perdeu-se. Se considerarmos que boa parte do plantio nessa região é da agricultura de subsistência, teremos uma idéia da gravidade do problema, que se prolongará muito depois que as águas baixarem.


 


Ecoam em nós, espinhosamente, os versos de João do Vale, de que “quase acabava o meu mundo, quando o Orós impanzinou”, e a sua dolorida e incômoda indagação: “Se não é seca é enchente, dotô, que explicação me dá?”.


 


Joan Edessom é Secretário de Cultura e Turismo de Sobral


 


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