Verdades e mitos sobre as enchentes em Teresina

A maior parte das informações veiculadas e causam tanto clamor, são resultados de um efeito multiplicador. Teresina é vítima de uma prefeitura que não responde às necessidades da cidade.

* Por Elton Arruda, professor, geógrafo e membro do Comitê Estadual do PCdoB-PI


 


 


Teresina, capital do Piauí, é uma cidade de mais ou menos 800.000 habitantes, com uma renda per capita de cerca de R$ 550,00 reais e fica situada entre dois rios perenes: o Parnaíba (dividindo Piauí e maranhão) e Poty (cortando a parte norte do Estado, do Ceará até desembocar no Parnaíba). Tal dádiva faz com que Teresina tenha condições de gozar da abundância do recurso água.


 


Mas emana daí o primeiro mito sobre as enchentes de Teresina: dizer que Teresina alaga somente porque os rios recebem mais água do que seus leitos podem segurar. É mito porque, muito embora as margens urbanizadas e desmatadas dos rios de fato tenham comprometidas suas condições de conter toda água em seu leito, das 16 áreas afetadas pelas enchentes, 9 não são as margens dos rios. Além disso, essa contagem não trata das enchentes pontuais e temporárias que ocorrem em diversos pontos das vias mais trafegadas da cidade. Frente a esse mito, a verdade é que o descuido dos sucessivos governos municipais do PSDB para com a utilização sustentável das margens dos rios significou um golpe mortal no perímetro urbano dos rios que banham a cidade. Mas é verdadeiro também que as chuvas somente provocam cheias urbanas porque as cidades, ao passo em que ipermeabilizam o solo (por meio das construções em concreto e pavimentação), não constróem galerias para escoamento de água. A prova disso é o pronunciamento do prefeito Silvio Mendes, largamente divulgado pelos meios de comunicação, onde o mesmo afirma que levará ao presidente da República vários projetos de construção de galerias na cidade. A pergunta é, então, por que a prefeitura organizada não construiu galerias antes?


 


O segundo mito é o de que a culpa das enchentes e da calamidade que geram é das pessoas que insistem em residir nos locais mais inóspitos e propensos a enchentes. A história recente de ocupação urbana do solo em Teresina é marcada pela tentativa de deslocamento das famílias pobres que, habitando zonas mais valorizadas, são sistematicamente empurradas para vazios demográficos distantes onde a terra é barata e a consequência direta é o favorecimento dos especuladores imobiliários que tem seus rincões valorizados com a inauguração de bairros distantes. O isolamento dessas levas de população não lhes propicia proximidade do emprego, tão pouco dos aparelhos e serviços urbanos básicos. Nesse contexto, não é de se admirar que as pessoas prefiram se submeter ao risco das enchentes do que se atirar ao abandono nos limites da cidade.


 


O terceiro mito tem relação com popularidade do prefeito e do esquema que a quase duas décadas domina o Palácio da Cidade. Na enchente do ano passado, tão forte quanto essa, o prefeito chorava em frente às câmeras de TV, na enchente atual ele navegou de canoa trechos do rio Poty (dizia ele que ''queria ver como estava mesmo a situação'') e limitou-se a orientar os cidadãos a ficarem em suas casas. O prefeito diz que não é político, na tentativa de se diferenciar em discurso daquele modelo de político corrupto e oportunista, mas não constrói galeria porque é obra que fica em baixo da terra e ninguém vê. Essa é a antiga prática dos políticos coronéis que urbanizaram o nordeste sem esgotos e galerias, preocupando-se somente com obras monumentais. Ilustra bem essa similaridade a construção caríssima do Balneário Curva do São Paulo, pela prefeitura, inaugurado com mega-show de bandas de forró e espetáculo pirotécnico, que agora todo ano fica embaixo d’água.


 


Até agora 1.500 famílias já foram atingidas, cerca de 500 já são atendidas pela prefeitura (déficit de mil famílias no prejuízo, dados da própria prefeitura). Pontes da cidade interditadas, trechos da Miguel Rosa (principal via de acesso para o Centro, Zona Sul e Sudeste da capital) ficam por horas inundados depois de grandes chuvas, o bairro Mocambinho (um dos mais populosos) teve a região próximo a principal avenida que lhe contorna, totalmente alagada. É assim que segue Teresina, mergulhada em água e sufocada por um modelo de gestão pública que, a mais de uma década, já não dá resposta para os problemas da cidade (mesmo aqueles mais rotineiros, como as enchentes urbanas).