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A crise econômica dos EUA e a arena da OMC

O Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) anunciou que a organização realizará entre 30 de novembro e 2 de dezembro, em Genebra, a sétima reunião ministerial regular do organismo, que estará centrada nas “trocas comerciais no atual cont

A OMC esclareceu que o ponto crucial da decisão foi o fato de ter ficado claro que a reunião não deve ser confundida com um encontro negociador no marco da Rodada de Desenvolvimento de Doha. Nas discussões foi decidido que não haverá necessidade de pactuar uma declaração final da reunião ministerial, mas os membros defenderam a busca de um método que registre o que acontecerá durante os quatro dias do evento.


 


A decisão do Conselho é resultado de uma proposta feita há duas semanas pelo novo representante de Comércio dos Estados Unidos, Ron Kirk, que sugeriu negociar bilateralmente entre os membros, como forma de destravar conflitos. O tema é relevante e deve reativar a tradicional disputa que existe na organização, independente dos pontos pendentes da chamada Rodada de Doha. O centro da crise — os Estados Unidos —, por óbvio, deve ser o centro dos debates.


 


O que resta saber é se a OMC será a última trincheira para os norte-americanos tentar envolver o resto do mundo — principalmente a parte pobre do planeta — nos encaminhamentos que o país vem adotando para tentar sair do atoleiro. Um primeiro ponto que merece atenção é a contradição entre o que diz o governo e o prognóstico dos dois economistas que mais tem dedicado atenção aos fundamentos da crise norte-americana — Nouriel Roubini e Paul Krugman.


 


Diplomacia econômica do presidente


 


Para o presidente Barack Obama, a economia ''saiu da beira do precipício'' e está em melhor forma que há alguns meses. ''É seguro dizer que saímos da beira do precipício. Há uma calma agora que não existia antes'', afirmou ele. De fato, a agitação de alguns dias atrás deu uma abrandada não só nos Estados Unidos. Mas, como diz o provérbio, águas paradas são profundas. Alguns indicadores mostram que o otimismo de Obama pode não passar de diplomacia econômica.


 


O número de bancos com problemas nos Estados Unidos registrou um aumento de 40% nos primeiros três meses de 2009, o índice mais alto registrado nesse período do ano nos últimos 15 anos, segundo a Corporação Federal de Seguros de Depósitos (FDIC, na sigla em inglês), um órgão federal que garante depósitos bancários. Um total de 305 bancos foram considerados com problemas entre janeiro e março de 2009.


 


Entre outubro e dezembro de 2008 este número foi de 252. Os bancos são avaliados com base em uma série de critérios, como qualidade dos ativos, receita e liquidez, e classificados em uma escala de um a cinco, considerando o número um em melhor situação financeira e o cinco, em pior. Um banco classificado como quatro ou cinco foi considerado com problemas.


 


Roubini anuncia a chegada do fim


 


A economia real também é avaliada negativamente. Nouriel Roubini, o economista que ficou famoso por “prever” a atual crise financeira mundial, afirma que a economia nos Estados Unidos poderá melhorar no final do ano, mas o crescimento no quarto trimestre de 2009 ainda será negativo. O economista, professor na Universidade de Nova York, disse no Fórum Digital em Seul, Coréia do Sul que “o fim só chegará dentro de seis a nove meses”. Daí poderá haver o recomeço.


 


Roubini alerta que 2010 não está imune de uma “dupla recessão” originada por um conjunto de determinados fatores. Ele enumera “a subida dos preços do petróleo, o aumento da dívida pública, a subida das taxas de referência que agravarão as preocupações com a inflação e a expiração de cortes fiscais”. As estimativas de Roubini apontam para uma contração da economia norte-americana de 6% neste ano e um “crescimento negativo” entre -1,5% e – 2% no ano que vem.


 


Ele avisa que os bancos e as instituições financeiras continuarão a sofrer perdas. A sua previsão é de US$ 3,6 bilhões em perdas de empréstimos e seguros por parte das instituições norte-americanas e US$ 1 bilhão no resto do mundo. O economista apontou ainda três razões para basear seu prognóstico de que a crise irá continuar.


 


Em primeiro lugar os indicadores macroeconômicos irão piorar mais do que se estima — a previsão de crescimento que a maioria dos economistas espera irá falhar. A segunda razão são os lucros e os ganhos obtidos pelas corporações e pelas instituições financeiras que não surgirão tão cedo como o “consenso” prevê. A terceira razão é o choque financeiro que poderá ser maior à medida que os investidores perceberem as perdas massivas dos bancos e do seu estado de insolvência.


 


Partido Republicano Enlouquecido


 


Paul Krugman, em sua coluna no jornal New York Times, diz temer que a grande crise que atinge o Estado da Califórnia venha a acontecer nos Estados Unidos como um todo. Afinal, o dito popular é que “na Califórnia é onde o futuro acontece primeiro”, diz ele. O Estado seria a oitava maior economia mundial se fosse um país. Em consequência, sua crise também é colossal. A bolha imobiliária é enorme e o desemprego de 11% também — para os níveis norte-americanos.


 


Ele culpa o governo de Arnold Schwarzenegger pela paralisação de um Estado que tem recursos humanos e financeiros também enormes. Os problemas vêm se acumulando há décadas, incluindo-se aí cortes substanciais nos impostos e corte da assistência médica a mais de um milhão de crianças. Os republicanos do Estado que evoluiram de Eisenhower a Reagan, passaram a ser os republicanos de Rush Limbaugh, irresponsáveis no bloqueio do aumento dos impostos.


 


Poderá o mesmo acontecer com toda a nação? Poderá mesmo a nação perder a sua classificação de débito AAA em poucos anos, por causa dos gastos com a economia e com os bancos, segundo predizem alguns “analistas”? Krugman parte para o popular: os eventos recentes mostram que o Partido Republicano enlouqueceu com a perda do poder. Os moderados foram derrotados, fugiram ou foram expulsos.


 


Ele indaga o que aconteceu com um partido que declarou solenemente que os democratas dedicam-se a reestruturar a sociedade americana com ideais socialistas. E esse partido ainda tem 40 senadores. “Washington leva a vantagem de não precisar de dois terços de votos do Senado para passar aumento de impostos, como na Califórnia. Mas mesmo assim o exemplo da Califórnia me deixa inquieto. Como pode o maior Estado ter se tornado uma república de bananas?”, indigna-se, enfatizando que os problemas que avassalam a Califórnia podem também acontecer no resto do país.


 


O poderio dos Estados Unidos


 


Esse debate estará fervendo quando a OMC se reunir no final do ano. Apesar da ressalva de que a reunião não deve ser confundida com um encontro negociador no marco da Rodada de Desenvolvimento de Doha, as questões de fundo serão as mesmas. A maior pendenga na OMC é a tentava de definir uma agenda de negociações para a chamada Rodada do Milênio.


 


Basicamente, os países centrais, especialmente os Estados Unidos e a União Européia, ao mesmo tempo que querem a queda das tarifas, das barreiras não-tarifárias e dos subsídios à exportação de bens industriais, se recusam a baixar as tarifas, as barreiras não-tarifárias e os subsídios à exportação de produtos agrícolas. Resultado: ao cabo de várias conferência e negociações, não há um consenso para encaminhar a Rodada do Milênio — que está sem data para acontecer.


 


A OMC não tem poder decisório — ao contrário do FMI e do Banco Mundial. As decisões são sempre tomadas por consenso entre os 135 membros, que representam 90% do comércio internacional. Decisões por voto, com necessidade de uma maioria de três quartos, estão previstas no regimento interno, mas jamais aconteceram. Cada país membro tem um voto, e os votos têm pesos iguais. (Apenas o financiamento da instituição é rateado de acordo com a participação de cada país no comércio internacional.)


 


O Brasil tem se saído muito bem nesse conflito, aliando-se à China, à Índia e a outros países de peso no economia mundial para enfrentar o poderio dos Estados Unidos e da União Européia — os centros irradiadores da atual crise econômica global. A China, a economia de maior peso do lado de cá dessa disputa, tem adotado a postura de quanto mais puder ajudar outras nações pobres a se fortalecerem, melhor será o mundo para ela — só com a soma de forças é possível enfrentar o poderio do outro lado, avalia.


 


Agressividade norte-americana


 


Os Estados Unidos têm uma agência para tratar do comércio internacional, criada pelo Congresso norte-americano em 1962 e instalada em um prédio de seis andares nas imediações da Casa Branca, com status ministerial. É o Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR), com a finalidade de cuidar dos acordos internacionais de comércio e atuar na resolução de litígios.


 


O USTR responde diretamente ao presidente e administra um orçamento anual de US$ 29,6 milhões. Sob seu controle, trabalham 185 funcionários, 20 dos quais lotados em Genebra num prédio vizinho à OMC. Trata-se de um corpo técnico que conhece bem as minúcias do comércio internacional e, se necessário, mobiliza um exército de advogados, consultores e economistas para defender os interesses norte-americanos.


 


O desenrolar da crise mostra cada vez mais que e unidade latino-americana desempenha papel decisivo nos embates que surgem no horizonte. Essa condição dá à região mais firmeza nas relações externas e abre portas em outras searas — como a Ásia, o Oriente Médio e a África. As relações Sul-Sul serão determinantes nessa contenda.


 


Oferece, enfim, uma arena de negociações menos frágil do lado mais fraco diante da agressividade norte-americana. O fortalecimento desse bloco poderá ser um importante contraponto à tática dos Estados Unidos, que não hesitam em pôr a serviço de sua política externa sua diplomacia policialesca e até a sua poderosa máquina de guerra. O governo norte-americano age com agressividade quando o assunto é o interesse dos seus monopólios.