A dicotomia PAC-Selic
Quando era assessor econômico do candidato à Presidência da República Luis Inácio Lula da Silva, ali pelos meados de 2002, o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o Brasil precisava de um estadista para enfrentar a crise econômica que à é
Publicado 03/06/2009 13:24
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou nesta quarta-feira (3) que 15,1% do valor do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) já foi concluído, com um total de 355 empreendimentos. Com isso, Dilma desmentiu a direita e a mídia que propagaram na semana passada que apenas 3% das obras haviam sido concluídas. Mas há problemas. De acordo com o sétimo balanço do PAC, 7% das obras exigem atenção e 2% estão em situação preocupante. Dez ministros participam da apresentação do balanço do PAC, no Palácio do Itamaraty.
O percentual de ações concluídas representa 335 empreendimentos, dos quais 133 são no setor de logística; 186, de energia; e 16 no eixo social e urbano. Os números não incluem obras nas áreas de habitação e saneamento, que são monitoradas separadamente. Levando em consideração a execução orçamentária do programa, as ações estão concluídas correspondem a R$ 62,9 bilhões.
Expansão dos gastos
Segundo relatório, até maio 270 das 2.378 das ações que compõe o PAC estava, concluídas, contemplado o equivalente a R$ 48,3 bilhões do total de R$ 646 bilhões previstos para investimentos em infra-estrutura em todo país. É possível observar a expansão dos gastos do governo federal com investimento. Antes do PAC, ele representava 0,64% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2007, esse índice subiu para 0,73% e, em 2008, alcançou a marca de 1% do PIB.
Este quadro aponta que os investimentos em relação ao PIB cresceram a partir de 2007, quando houve um incremento de 0,9 ponto percentual em relação ao ano anterior. De 2007 para 2008, o salto foi mais expressivo, 0,12 ponto percentual. No ano passado, esse percentual era de 0,85% do PIB, em janeiro, e terminou o ano em 0,98%, em dezembro. De lá para cá, a expansão foi de 0,3 ponto percentual.
Três eixos de atuação
O PAC trabalha em três eixos de atuação: Logística (rodovias, ferrovias, portos, hidrovias e aeroportos), o qual deverá ter investidos R$ 132,2 bilhões; Energética (petróleo, gás, energia elétrica, biodiesel e etanol), que fica com R$ 759 bilhões; e o Social e urbano (habitação e saneamento), que consumirá: R$ 257 bilhões. De acordo com o último balanço do Programa, apresentado em fevereiro, infra-estrutura energética concentrava a maior parte das execuções, 22% contra 8% de ações concluídas no eixo logística e 1% na área urbana social.
No âmbito dos empreendimentos de infraestrutura energética, o governo destaca a finalização de projetos de petróleo e gás — a entrada em operação da Unidade de Propeno da Replan (SP), no dia 13 maio e o início do processamento do aço para construção de quatro petroleiros no estaleiro Mauá/Jurong (RJ), em 8 de maio. O governo afirma que os investimentos programados há dois anos deixaram o Brasil mais protegido contra a crise internacional.
Ação anticíclica
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que os países afetados pela turbulência tiveram que adotar medidas semelhantes às que já estavam em vigor no Brasil. “Vários outros países tentaram, com a crise, implementar ações parecidas com o PAC, com a diferença que nós já tínhamos tomados medidas com dois anos de antecedência. Mantivemos o investimento público e adicionamos uma dose maior para exercer a ação anticíclica, e reativamos o crédito na economia brasileira, que foi justamente o problema da crise, ainda reduzindo a tributação”, afirmou Mantega.
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, explicou que houve crescimento de 77% nos pagamentos de 2009 em relação ao que foi empenhado no ano passado nos mesmos cinco primeiros meses. Segundo o site Contas Abertas, apesar da desaceleração econômica neste começo de 2009, com diminuição do PIB e menor arrecadação de impostos, o governo federal investiu o maior montante para o período desde pelo menos 2001.
Efeitos da crise
A União (excluindo as estatais) desembolsou R$ 8,4 bilhões em investimentos (execução de obras e compra de equipamentos), valor 14% superior ao aplicado entre janeiro e maio de 2008, quando o país crescia a passos largos. A expectativa do presidente Lula e da equipe econômica é manter os investimentos, conforme o prometido nos últimos meses, para tentar minimizar os efeitos da crise.
O Ministério dos Transportes mais uma vez liderou os investimentos: desembolsou R$ 2,3 bilhões em obras e projetos ligados à infraestrutura logística. Apenas o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) foi responsável por R$ 1,9 bilhão dessa quantia. O Ministério das Cidades foi a segunda pasta que mais investiu nos cinco primeiros meses do ano (R$ 1,1 bilhão), principalmente por meio do programa de urbanização, regularização e integração de assentamentos precários. Já o Ministério da Defesa aplicou um pouco menos, R$ 1 bilhão, sendo que uma das principais ações beneficiadas foi a de reaparelhamento e adequação da Força Aérea Brasileira (FAB).
Barricadas do BC
Os números são amplamente positivos, mas o Brasil poderia destravar ainda mais a economia se puxasse a taxa básica de juros, a Selic, para baixo com maior velocidade. Mas parece que esse entrave deve continuar. A tese de Mantega de que o mercado financeiro, mesmo após a catástrofe mundial que ele provocou, deve ser tratado como um viciado acostumado a uma dose elevada de droga que precisa ser privado gradualmente do consumo, ainda é forte.
Isso quer dizer que com essa política macroeconômica o governo terá de procrastinar decisões fundamentais para a aceleração do crescimento. Não há no horizonte, é verdade, ameaças de retrocesso ao neoliberalismo — símbolo máximo de um ciclo autoritário, iniciado com o golpe militar de 1964, quando o país vivia sob pacotes da chamada ''cavalaria'' (FMI, Tesouro norte-americano, grandes bancos e outras instituições internacionais) —, mas o PAC poderia ser acelerado se a Selic caísse mais rapidamente.
Debate explícito em 1979
Essa iniciativa do governo de atacar um velho problema nacional, que é a ausência do Estado da vida econômica do país, tropeça nas barricadas erguidas pelo conservadorismo de Henrique Meirelles à frente do Banco Central (BC). O país ainda se vê às voltas com um debate que começou a ficar explícito quando em 1979 o então ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, deixava o comando da equipe econômica.
Ele recomendou ao seu sucessor, Antônio Delfim Netto, suas idéias sobre “estabilidade”, “necessidade de ajustes” e “austeridade fiscal”. Por trás daquelas recomendações estavam concepções plantadas pela ditadura militar e que resultaram, nos anos 80, na famosa “década perdida”. Somava-se ao diagnóstico conservador a afirmação de Simonsen de que o Brasil não teria como sustentar o ritmo vigoroso de crescimento dos anos 70 e que ''duros ajustes'' eram necessários.
Duas prioridades
O resultado? Bem, não é preciso muito conhecimento de economia para saber quem pagou a conta daquele desastre. As marcas na vida do país foram profundas: inflação fora de controle por longos 15 anos, o que originou uma sucessão de fracassados planos econômicos; pouco investimento em atividades produtivas; descrédito internacional e por aí a lista segue. Chegamos à “estabilidade” da “era FHC” e por conseqüência ao fundo do poço. A oposição àquele modelo ''ortodoxo'' venceu as eleições de 2002 e foi reeleita em 2006. Mas deixou uma poderosa ilha de conservadorismo enquistada no BC.
Quando Lula lançou o PAC, ele disse que não haveria fortalecimento da economia enfraquecendo o social. “Aqui não se cria ilusões de distribuir o que não se tem, nem de gastar o que não se pode pagar”, disse ele. Outra garantia da força do setor desenvolvimentista do governo é a ministra Dilma Rousseff. Quando ela assumiu a Casa Civil, recebeu a incumbência de Lula de trabalhar duas prioridades: a logística e avançar na área energética.
Pasmaceira do BC
Dilma chegou pregando que os ''ministros têm de gastar tudo, nem um milímetro a menos, nem um tostão a menos''. A idéia central das propostas do governo, disse ela, estava na redução dos custos logísticos para garantir a competitividade do setor produtivo, além de garantir as condições necessárias para permitir o desenvolvimento do país. ''Antes do atual governo, não havia planejamento para o setor, e tivemos que correr atrás. É certo que não podemos ficar a reboque de ações pontuais, mas sim montar uma infra-estrutura que garanta a aceleração do crescimento'', ressaltou.
Mas na equipe econômica falta ainda convicção para desatar os nós existentes. No BC existe uma pasmaceira, um ambiente medíocre e amedrontado diante da crise. E isso cria incertezas para o futuro da economia brasileira, que depende grandemente de como evoluirá essa dicotomia entre PAC e Selic. Não há ainda no governo uma compreensão clara de que quanto mais restrições às atividades produtivas em favor da especulação financeira, mais brasileiros continuarão sem emprego, sem renda e sem cidadania.