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No Twitter e nos muros: literatura em 140 toques

A história começou na internet. Cansados de ler tanta bobagem no Twitter, o microblog que se tornou sensação na rede, Max Machado, Kaluã e Ian Leite resolveram aproveitar o diminuto espaço virtual para exercitar seus dotes literários. Todos os dias, há cerca de dois meses, eles postam um microconto, de até 140 caracteres (seguindo as normas do site), no www.twitter.com/semruido.

Por vezes enigmáticas, as historinhas têm enredo, personagens e até uma pitada de ação. Nas últimas semanas, os microcontos deixaram a internet para ganhar as ruas da cidade. Munidos de adesivos, o trio tem espalhado por estações de metrô, placas de ruas e orelhões suas mininarrativas. "A ideia é causar algum estranhamento, quebrar a rotina das pessoas", diz Ian, 19, estudante universitário, fã de escritores como Neil Gaiman e H.P. Lovecraft.

Por mais discretos que sejam os adesivos literários em meio à paisagem urbana, eles chamam a atenção. O ambulante Pedro Alves, 24, parou para ler o "sticker" colado em um farol na esquina da avenida Paulista com a rua Pamplona.

Admirador de Monteiro Lobato e leitor de histórias em quadrinho, ele nunca tinha ouvido falar no Twitter. Também não entendeu muito bem o significado do microconto, que dizia: "Tiveram um começo difícil, mas aos poucos aprendeu a amá-lo à moda de Estocolmo".

Mesmo assim, gostou da iniciativa. "Ajuda a estimular a ideia do pessoal na rua." A propagação das historinhas pela cidade começou meio por acaso, sem muita pretensão. Ian imprimiu algumas etiquetas com criações do grupo já postadas na internet e colou no vagão do metrô, enquanto voltava do trabalho. "Fiquei observando a reação das pessoas. Muita gente ria, outros ficavam intrigados."

Os adesivos não duraram um dia sequer, foram logo removidos. Mas o trio não desanimou e continuou a peregrinação. "O legal é que seja efêmero mesmo", diz Max, 26. "A cidade está tão cansada, acho que os microcontos dão um pouco de vida, ajudam a dar uma desacelerada."

Autor da obra, Kaluã não gosta de explicar o significado de suas criações. "Cada um pode interpretar da maneira que quiser. Os melhores microcontos são aqueles que geram várias leituras, que fazem as pessoas imaginarem algo para além daqueles 140 caracteres", defende o estudante. Intervenções urbanas Ações como as do Sem Ruído não são exatamente uma novidade em São Paulo.

Os "stickers" começaram a ficar populares por aqui na década de 1990, primeiro entre os skatistas. Em meados dos anos 2000, os adesivos ganharam status de arte e atraíram designers e artistas plásticos para o novo suporte que, junto dos lambe-lambes e do grafite, passou a ser chamado de "street art", ou arte urbana. Principiantes nesse universo, o trio Sem

Ruído acompanha de perto a cena paulistana. "Gosto do projeto Chã, que faz sticker, estêncil e lambe-lambe", diz Ian, que participa de comunidades na internet sobre o tema. Mas a grande inspiração para ele é Banksy, o grafiteiro inglês que ficou mundialmente famoso e passou a faturar milhões de libras depois de confundir os londrinos com seus trabalhos camuflados no meio da cidade.

Escritores no twitter

O limite de 140 caracteres por mensagem do Twitter, que poderia ser uma camisa de força, tem se mostrado um estímulo à criatividade de muitos blogueiros e escritores, que usam o site para divulgar suas criações.

O autor Marcelino Freire, cinco livros publicados, aderiu à moda e tem publicado seus "contos nanicos" no Twitter. "O site estimula algo fundamental na literatura: a concisão. Menos é mais", observa o escritor, que organizou, em 2004, o livro "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século", reunindo histórias de até 50 letras de escritores como Lygia Fagundes Telles e Joca Reiners Terron.

Além das historinhas originais, o Twitter também reúne versões diminutas de romances de autores como Shakespeare e James Joyce. "Mas os exercícios narrativos minimalistas não são novidade na literatura", alerta Marcelino. Nomes como Dalton Trevisan e até Ernest Hemingway se aventuraram no universo dos microcontos muito antes da internet.

Fonte: Folha de S. Paulo