Paul Krugman: Uma questão de confiança
De acordo com os noticiários, a administração Obama – que parecia ter se afastado da opção pública na questão dos seguros de saúde durante o final de semana – está chocada e surpresa com a reação enraivecida dos progressistas. Bem, estou chocado e surpreso com seu choque e surpresa.
Por Paul Krugman, do The New York Times, na Terra Magazine
Publicado 24/08/2009 13:07
A resposta da base progressiva já estava há meses se formando – a mesma base que alavancou sua candidatura pelo partido democrata nas primárias e teve um papel essencial na vitória das eleições. A luta pela opção pública envolve questões de políticas substanciais, mas é também uma plataforma para questões mais amplas sobre as prioridades do presidente e sua abordagem.
A ideia de permitir que indivíduos comprem seguros de planos administrados pelo governo foi introduzida na década em 2007 por Jacob Hacker de Yale, adotada por John Edwards nas primárias democratas e tornou-se parte do plano original da reforma de saúde de Obama.
Um dos objetivos é economizar dinheiro público. A experiência com o Medicare sugere que um plano administrado pelo governo teria menos custos do que as seguradoras privadas; além disso, promoveria maior concorrência no mercado e manteria as apólices mais baratas.
E sejamos objetivos: A suposta alternativa, as cooperativas sem fins lucrativos, é uma farsa. Não é só a minha opinião; é o que o mercado diz: as ações de mercado das seguradoras foram às alturas com a notícia de que a Gangue dos Seis senadores que tentavam negociar uma abordagem bipartidária para a reforma de saúde estaria abandonando o plano. Parece óbvio que os investidores acreditam que as cooperativas ofereceriam um risco mínimo para as seguradoras privadas.
Além disso, a opção pública ofereceu uma forma de reconciliar as opiniões divergentes entre os democratas. Até a ideia de a opção pública tornar-se um tópico, uma facção significativa do partido rejeitou tudo que não fosse um plano unificado, nos moldes do Medicare, e achavam que qualquer outra opção significava perpetuar os defeitos do sistema atual. A opção pública, que forçaria as empresas de seguro a provar sua utilidade ou desaparecer, resolveu algumas daquelas diferenças.
Dito isso, é possível ter uma cobertura de saúde universal sem a opção pública – vários países da Europa já possuem – e os partidários da opção pública certamente a abandonariam se pudessem confiar na existência de um sistema de saúde universal e que funcione. Infelizmente, o comportamento do presidente não demonstra essa confiança.
Na questão do sistema de saúde, o candidato inspirador que os progressistas pensaram ter elegido se revela frequentemente um tecnocrata insípido que fala em “adaptar a situação”, mas que só agora resolveu bater o pé para a reforma. As explicações de Obama sobre seu plano ficaram cada vez mais claras, mas ele ainda parece incapaz de chegar a uma simples e definitiva fórmula; seus discursos e declarações ainda soam como se tivessem sido escritos por um comitê.
Enquanto isso, perante questões delicadas como tortura e aprisionamento, o presidente ainda desdenha dos progressistas com sua resistência em desafiar ou mudar as políticas administrativas de Bush. E ainda há a questão dos bancos.
Não sei bem se os oficiais da administração conseguem ter a dimensão do mal que fizeram para si próprios com seu tratamento leniente da indústria financeira, nem do papel ridículo das instituições de governo que pagaram os famigerados bônus durante a crise.
Mas eu conversei com muita gente que votou em Obama, e essas pessoas não acham que o estímulo tenha sido um desperdício total de dinheiro. O que consigo espremer deles é que a grande decepção foi muito mais os fundos de ajuda do que os estímulos – mas os eleitores em geral não conseguem fazer a distinção.
Então há um consenso que cresce entre os progressistas de que eles foram enganados. E é por isso que a ambiguidade sobre a opção pública criou um celeuma tão grande.
Mas não esqueçamos que a política é a arte do possível. Obama jamais conseguiria tudo que seus eleitores queriam.
Mas há um ponto em que o realismo se torna fraqueza e os progressistas sentem cada vez mais que a administração está no lado errado dessa linha. Parece que os republicanos podem fazer o que bem quiserem sem que governo Obama os repreenda: O senador Charles E. Grassley faz o desserviço de bater na tecla da eutanásia, dizendo que a reforma vai “desligar os aparelhos da vovó”, e dois dias depois a Casa Branca declara que ainda está comprometida em trabalhar com ele.
É muito difícil evitar esta impressão de que Obama desperdiçou meses tentando fazer acordos com pessoas que não sabem fazer acordos e que interpretam cada concessão como um sinal de que o presidente pode ser manipulado.
Sem dúvidas, bastou a imprensa divulgar que o governo aceitaria as cooperativas como uma alternativa à opção pública para os republicanos anunciarem que isso seria inaceitável.
Então os progressistas estão revoltados. Obama não soube valorizar sua confiança e acabou perdendo. E agora ele precisa recuperá-la.
Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.