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Reforma da saúde dos EUA pode virar "triunfo vazio" de Obama

O presidente Barack Obama está pondo em jogo sua presidência por uma reforma cujo objetivo é oferecer acesso aos serviços básicos de saúde a quase todos os estadunidenses, e, ao mesmo tempo, reduzir os custos exorbitantes do sistema mais caro e ineficiente do mundo.

Por David Brooks, no La Jornada

 No dia 9, Obama fez um discurso em uma sessão conjunta incomum das duas câmaras do Congresso, onde tentou reconquistar o terreno político sobre a reforma, ao falar não apenas aos legisladores, mas também à população, em um ato transmitido em cadeia nacional.

Ele enfrenta uma queda de seu índice de aprovação, uma opinião pública cada vez mais cética de que Washington possa conseguir algo e certo êxito da direita em gerar temor e confusão no debate nacional sobre as propostas da reforma (que estão qualificando, inclusive, de projeto socialista, através da qual o governo determinará quem vive e quem morre); tudo isso ameaça descarrilhar essa iniciativa.

Ao assinalar que havia transcorrido quase um século durante o qual uma fila de presidentes vem buscando reformar de maneira integral o sistema de saúde, Obama disse não ser o primeiro presidente a abraçar essa causa, mas que está determinado a ser o último.

Indicou, ainda, que sua proposta cumpre três metas: maior segurança e estabilidade aos que já contam com seguros de saúde, conceder seguros aos que não têm e reduzir os custos de saúde para as famílias, os negócios e o governo.

“Somos o único país avançado, o único país rico no mundo que permite tais castigos para seus cidadãos”, disse, ao recordar os milhões de habitantes sem seguro de saúde e sem acesso a serviços médicos básicos, ou os que estão à beira do desastre financeiro em caso de doença. Uma vez mais, enfatizou que o sistema de saúde e seus custos põem em xeque não apenas o bem estar social, mas também toda a economia, e que, portanto, é urgente atuar.

Além disso, denunciou as táticas de medo que seus opositores promoveram sobre suas propostas e convocou um debate honesto e bipartidarista. Mas, ao mesmo tempo, declarou que a hora de brincar passou. Agora, é a temporada da ação. Advertiu: “não desperdiçarei tempo com aqueles que fizeram o cálculo de que a melhor política é matar esse plano, em vez de melhorá-lo. Não ficarei imóvel enquanto os interesses especiais empregam as mesmas velhas táticas para manter as coisas exatamente como estão”.

Mas, não se sabe se isso tudo será suficiente, e muitos liberais e progressistas já expressam seu desencanto, porque Obama e sua equipe cederam tanto nas negociações da proposta de reforma que o resultado final poderia ser um triunfo quase vazio.

O ponto mais controvertido nas negociações da cúpula política é o grau de intervenção estatal no grande negócio que é a saúde nessa economia, com o objetivo de alcançar a chamada cobertura universal da população, ou seja, que todos contem com um seguro de saúde. Os reformadores dizem querer aproximar os EUA do resto dos países desenvolvidos. Mas quase todos esses contam com alguma forma de cobertura universal manejada por entidades governamentais.

Algo assim parece quase impossível aqui. No lugar disso, Obama propôs no dia 9 uma série de medidas para obrigar as seguradoras a oferecer serviços mais acessíveis às maiorias, com condições legais para garantir cobertura e limitar suas manobras para suspender ou mudar o tipo de cobertura, junto com mecanismos, talvez até públicos, para buscar formas de oferecer seguros a quase todo cidadão que não pode comprá-lo no mercado privado.

Há décadas, o obstáculo fundamental a uma reforma neste país é, por um lado, que o negócio da saúde é imensamente lucrativo e, por outro, o poder do extraordinário mito de que a participação governamental é quase antiestadunidense, ou socialismo.

O gasto nacional em saúde representa 17,6% do PIB (um sexto da economia), muito mais que qualquer outro país industrializado. Per capita, este país gasta o dobro de qualquer outro país avançado em saúde, com projeções de gasto nacional para este ano de 2,5 trilhões de dólares.

O lucro desse sistema é astronômico para as seguradoras, as farmacêuticas e os hospitais privados, que estão fazendo tudo para limitar, senão descarrilhar, toda a reforma.

Mas, para todos os demais, o sistema é cada vez mais absurdo. Para a imensa maioria dos estadunidenses, os custos de saúde em 2007 por domicílio subiram para 15.369 dólares em média, o que representa quase a metade dos ingressos desses lares, de acordo com dados dos Centros para Serviços de Medicaid e Medicare, citados no The Nation.

Segundo informa o The Commonwealth Fund, cerca de 72 milhões de estadunidenses de menos de 65 anos relatam problemas para pagar suas contas médicas (60% destes tinham seguro médico).

O custo social é obsceno: no país mais rico do mundo, 46 milhões de pessoas não têm seguro de saúde, e outros milhões possuem um seguro insuficiente, o que faz com que não sejam atendidos quando necessário e devido. Calcula-se que cerca de 18 mil pessoas morrem a cada ano como resultado direto do fato de não terem seguro, de acordo com o Instituto de Medicina.

Embora haja consenso sobre o fato de que a eleição de Obama, juntamente com as maiorias democratas nas duas casas do Congresso, oferecem talvez a melhor oportunidade para se promover uma reforma integral pela primeira vez em décadas, ainda não está claro que isso se alcançará.

A classe política, com o intenso lobby multimilionário de alguns dos setores privados mais poderosos do planeta, ataques efetivos da direita e a massiva influência empresarial, está negociando diluir as propostas de uma reforma integral, inclusive reduzindo ao máximo a participação governamental.

Hoje, senadores de ambos partidos que negociam as propostas na Câmara alta deram a entender que o preço para se chegar a uma reforma é descartar a chamada opção pública. Essa iniciativa promovida por Obama, depois de sacrificar a proposta de cobertura universal de um só pagador (estilo Canadá), propõe criar uma seguradora do governo que competirá com as privadas para reduzir custos e garantir um seguro mínimo para todos os estadunidenses.

No dia 9, Obama reiterou sua preferência pela opção pública, mas, em um dos pontos mais observados de seu discurso, não a colocou como uma condição inegociável para a reforma. Se a opção pública for sacrificada, até revistas como Business Week indicam que se assegurará que qualquer reforma que o Congresso promova esta ano acabará por ajudar em vez de prejudicar as grandes seguradoras.

Obama concluiu sua mensagem homenageando o recém-falecido Edward Kennedy e lembrou que ele havia dito que talvez este ano conseguiria alcançar seu sonho de toda a vida, uma reforma integral de saúde com o objetivo da cobertura universal, a grande tarefa inconclusa deste país.

Tradução: Igor Ojeda