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Nassif: Desafios para o próximo governo

Na entrevista dada ao jornal “O Valor”, Lula sintetizou de forma objetiva princípios que deverão nortear a política econômica brasileira na próxima década, independentemente de quem for seu sucessor. Mas ainda há lacunas importantes no seu pensamento. Um dos pontos centrais é o câmbio.

por Luís Nassif
para o Último Segundo

Lula defende o papel do Estado no fortalecimento das empresas brasileiras, chamando à responsabilidade os grandes grupos, valendo-se do pré-sal para estimular a produção interna etc.

Só que esse modelo de desenvolvimento é incompatível com um câmbio valorizado. Na verdade foi o mesmo erro cometido no pós-guerra, quando o Brasil ingressou no Tratado de Breton Woods com o câmbio apreciado. Depois disso, qualquer impulso de crescimento esbarrava no problema das contas externas. E o crescimento do país se fez para dentro, para o mercado interno apenas, sem conseguir desenvolver áreas tecnologicamente mais sofisticadas e competitivas – como os coreanos e japoneses, que usaram o câmbio para crescer.

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Pretende-se aumentar a competitividade melhorando a infra-estrutura, ampliando os investimentos com o pré-sal. Mas os efeitos dessas políticas, com um câmbio desvalorizado, teria uma dimensão imensamente maior. O efeito câmbio é fulminante sobre a economia. No curto espaço de tempo que o país conviveu com câmbio desvalorizado – logo no início do governo Lula – a economia deslanchou, a inflação ficou sob controle, contrariando o terrorismo do mercado.

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Na outra ponta, a segunda falha no seu modelo é a despreocupação com o modelo tributário, hoje altamente punitivo às empresas da economia real – especialmente pequenas e médias empresas.

O próximo presidente terá que enfrentar o desafio de um câmbio desvalorizado e de um sistema tributário que penalize menos a produção, sob pena do país continuar marcando passo no crescimento.

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Outro desafio relevante é a modernização do serviço público. Corretamente, Lula intuiu que investimentos em melhoria dos serviços, em educação e saúde, são muito mais relevantes do que superávits absurdos, para financiar juros pornográficos da dívida pública.

Mesmo assim, não se pode meramente aumentar custos da máquina pública sem a criação de modelos gerenciais mais eficientes e de indicadores de produtividade que impeçam os recursos de serem desperdiçados.

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Outra perna que falta no modelo de Lula é a da prioridade às pequenas e micro empresas. A malha industrial brasileira sempre será incompleta se as cadeias produtivas não forem preenchidas por correntes de fornecedores de pequeno porte. É o que garante a melhoria da renda (e do consumo), do emprego, ajuda a revascularizar a economia, a abrir espaço para o aparecimento de futuras médias e grandes empresas.

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Nesse ponto, Lula se parece com Fernando Henrique Cardoso. Para ambos a economia se resume ao mercado financeiro e às grandes corporações. Elas puxariam automaticamente a economia, trazendo consigo as pequenas empresas.
Só por aí, não se vai chegar a um modelo eficiente. Tem que haver programas que levem inovação às pequenas e micro empresas.