Ielnia Farias Johnson – Meu irmão Bergson

Em abril desse ano, quando estive em Fortaleza, a imprensa nacional estava começando a trazer à tona a tragédia das vítimas da guerrilha do Araguaia, cujos restos mortais estariam guardados em caixas e armazenados dentro do Ministério da Justiça. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República sob a direção do ministro Paulo Vannuchi, reconhecendo a dor dos familiares, iniciou o processo que culminou na identificação do Bergson.

Não é possível descrever o que sentimos ao recebermos o telefonema do ministro comunicando-nos os resultados dos testes de DNA. Depois de 37 anos o Bergson volta para casa. Todos esses anos de dúvidas e esperanças, em um minuto, foram transformados na dor da certeza. Essa é a dor que desejamos poder ser sentida por todas as famílias que buscam seus entes queridos. Porque só a dor da certeza traz a paz de saber que, finalmente, os nossos pais e irmãos estão de volta.

A busca apenas começou. Que o Bergson seja o símbolo da nossa luta pela identificação de todos os mortos e desaparecidos do Araguaia. Que seja a força que nos impulsiona em busca da verdade e da justiça.

No dia 6 de outubro o Bergson será sepultado. Surpreendeu-me a intensidade das demonstrações de carinho e solidariedade que a nossa família tem recebido e o interesse que o nome dele tem despertado entre amplos segmentos da população. Aqueles que o conheceram e conviveram com ele, lembram aquela figura alegre e carismática, dedicada ao ideal de liberdade e justiça social. Os que não o conheceram querem saber da sua luta e dos ideais que o levaram a sacrificar sua vida. Assim, uma nova geração começa a descobrir as páginas negras da história do Brasil, por tanto tempo ignoradas, distorcidas, relegadas aos arquivos mortos dos quartéis da nação.

Ao preparar-me para receber meu irmão, trago a mente tumultuada por imagens fortes que se confrontam: aquela imagem do Bergson guerreiro, heroico e generoso que muitos conhecem e respeitam. E o Bergson da minha infância, aquele menino brincalhão, travesso e implicante, que gostava de cantar a “Marchinha do Caracol“. Que era meu companheiro de passeios pelas matas da Barra do Ceará onde buscávamos coco-babão, murici e manipuçá.

Gostaria de poder viajar na máquina do tempo e, por alguns minutos, voltar à nossa casa da rua dom Joaquim e soltar as arraias que ele, pacientemente, construía. Jogar bola de gude nas coxias. Assistir os filmes no cine Dioguinho. Ia até prometer não brigar tanto.

Gostaria de assistir os jogos de basquete na Fênix Caixeiral. De ir para as tertúlias do Náutico. Recordo com carinho o irmão cuidadoso e protetor que nos acompanhava, pensando que era o mais velho só porque era alto.

Acima de tudo gostaria de ver aquele sorriso gostoso e ouvir aquela voz cheia de alegria cantando o Noel.

Que saudade, grandão!

Ielnia Farias Johnson – Farmacêutica, radicada nos EUA, irmã de Bergson Gurjão