Carlos Reina: "Diálogo pode ser nova enganação golpista"
Direto da embaixada brasileira em Tegucigalpa, Carlos Reina, porta-voz do presidente deposto, Manuel Zelaya, adverte que a proposta de diálogo com a Organização dos Estados Americanos (OEA) pode ser uma manobra do presidente golpista Roberto Micheletti. De fala lenta, mas não menos enfática, Reina é conhecido por não ter "papas na língua". "Micheletti é repressor, mas com o discurso de quem quer dialogar", critica Reina ao Terra Magazine.
Publicado 07/10/2009 11:10
"Devemos advertir à Organização dos Estados Americanos (OEA) que talvez estejamos participando de mais uma enganação do governo golpista" alerta, preocupado com a disposição de Micheletti em conversar sobre soluções para a crise no país.
A visita da OEA tem como objetivo central criar uma instância de diálogo entre o presidente deposto, o governo golpista e setores da sociedade. Reina adianta que Zelaya pretende assinar o tratado de San José, proposto em julho passado pelo presidente costa-riquenho, Oscar Arias, como uma saída para a crise que já dura mais de cem dias. E admite que pretende revisar alguns pontos e estabelecer algumas garantias:
"Em primeiro: firmar o tratado de San José. Em segundo, a revisão desse tratado, porque existem aspectos que não têm razão de existir, como o adiantamento do processo eleitoral e o cronograma que pregava o retorno de Zelaya em 25 de julho. Em terceiro, queremos garantias internacionais e nacionais para o cumprimento do tratado", colocou.
Reina, que é filho do antigo presidente hondurenho, Carlos Roberto Reina, também explica que Zelaya pretende se submeter à justiça hondurenha, desde que os golpistas façam o mesmo. Ele enfatiza que, se até o dia 15 de outubro a restituição de Zelaya não acontecer, o deposto exigirá que o o calendário eleitoral seja adiado. "Precisam devolver a Zelaya o tempo que mutilaram de seu governo", diz. Do contrário, acredita Reina, as eleições não serão reconhecidas nem pelos hondurenhos. Nem pela comunidade internacional.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Existe, já, algum diálogo entre Micheletti e Zelaya ou aguardam a OEA para fazê-lo?
Ainda não começou o diálogo, faremos isto hoje. O problema do diálogo é que o governo de facto não é o mesmo no que diz em relação a o que faz. Estamos aqui na embaixada, que está completamente cercada militarmente, não pode entrar ninguém, não podemos dormir e estar bem para conversar com o presidente Zelaya para debatermos o que será levado à mesa de diálogo.
A única emissora que havia, de nível nacional, e que estava contra o golpe de Estado foi fechada na semana passada. Há um ambiente de repressão, mas com um discurso de diálogo. Micheletti é repressor, mas com o discurso de quem quer dialogar. Por isto é que não temos confiança nas palavras de Micheletti. Devemos advertir à OEA que talvez estejamos participando de mais uma enganação do governo golpista.
Acredita ser possível, num curto prazo, o retorno de Zelaya à presidência?
É a única forma para que possamos começar a resolver a crise. Não vamos aceitar nada que não passe primeiro pela restituição do presidente. Se até o dia 15 de outubro isto não acontecer, segundo o que conversei com ele ontem pela manhã, a Frente e os candidatos à presidência vão exigir que se corra o calendário eleitoral, precisam devolver a Zelaya o tempo que mutilaram de seu governo. Queremos, então, que adiem o processo eleitoral até que haja condições de igualdade e competência para que as eleições sejam reconhecidas por todos.
A presença da OEA na embaixada contribuirá de que forma para as negociações com o governo de facto?
Para ele, é preciso que haja um estímulo oral para garantir sua segurança. Zelaya está interessado em defender um princípio fundamental: que a soberania recaia sobre o povo, que é o único que pode exigir que Zelaya seja restituído.
Hoje a OEA estará na embaixada para a mesa de negociações. O que espera?
Esperamos uma coisa muito simples. Em primeiro: firmar o tratado de San José. Em segundo, a revisão desse tratado, porque existem aspectos que não têm razão de existir, como o adiantamento do processo eleitoral e o cronograma que pregava o retorno de Zelaya em 25 de julho. Em terceiro, queremos garantias internacionais e nacionais para o cumprimento do tratado.
Micheleti impôs algumas condições ao retorno de Zelaya. Uma delas é a submissão do país às eleições, aos processos judiciais e que não haja a Constituinte. Como avalia essas condições?
Zelaya nunca esteve contra as eleições, mas para que as eleições sejam válidas e reconhecidas pelo mundo, é preciso que Zelaya reassuma seu cargo. Ele voltou a Honduras porque não tem nada pendente, então, não tem problemas em se submeter a qualquer tribunal que seja imparcial.
Mas os golpistas também precisam ser julgados pelos crimes que vêm cometendo e aqueles que cometeram sempre aqui, violência, fecharam veículos de comunicação, violaram a democracia. Portanto, nos apresentaremos ante a justiça e queremos que os golpistas façam o mesmo.
Como veem a possibilidade cogitada por Micheletti de que o presidente do Parlamento de Honduras, José Alfredo Saavedra, assuma a presidência como uma forma de fazer uma "transição"?
Isso é inaceitável, seria outro golpe de Estado. Saavedra não pode ser presidente de Honduras, não participou de um processo eleitoral. Somente deve haver substituição presidencial quando há falta absoluta do presidente, ou que morra. Zelaya não está morto, ele está aqui. Nos não podemos legitimar os golpistas e aceitar que se mantenham no poder da nação. A única forma que aceitamos é a restituição do deposto, qualquer outra forma é ilegal.
Zelaya pretende assinar o tratado de San José, mas vi também que ele discorda de uma série de pontos apresentados. O que será feito em relação a isto?
Supostamente Zelaya quer uma nova Constituição, supostamente Zelaya não queria eleições, supostamente Zelaya… Os golpistas não tinham razão para o golpe e trabalham com suposições. Então, é impossível existir discussão embaixo de suposições.
O concreto é que Zelaya nunca convocou uma Constituinte, que Zelaya nunca manifestou querer reeleições. Zelaya sempre disse claramente que não ficaria nenhum dia a mais do que até o dia 27 de janeiro, quando acabaria seu mandato. É preciso entender que Zelaya precisa agora de mais tempo, pois seu governo foi mutilado pelo golpe e lhe foi tomado tempo de trabalho no cargo.
Advertimos que, se até 15 de outubro Zelaya não voltar, vamos exigir que adiem o calendário eleitoral para permitir transparência nas eleições e que seja reconhecida. E também que lhe seja restituídos os dias que lhe foram tomados.
O tratado prevê o retorno de Micheletti ao Congresso hondurenho. Como avalia esta possibilidade?
No pode ser porque ele renunciou à presidência do Congresso para assumir o Executivo.
Com que olhos vê a possibilidade de a Frente de Resistência ao Golpe se tornar um partido?
Por que não? Para que as eleições resolvam o conflito, todas as partes devem estar representadas. Portanto, é compreensível que a Frente se torne um partido e participe das eleições levando um candidato à presidência. Isto é algo que seria positivo para a solução do conflito.
Terra Magazine