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A política por trás da escolha de Obama

O prêmio Nobel da Paz é um prêmio eminentemente político. Os outros, não. Os de física ou medicina obedecem acima de tudo a critérios científicos.
Podemos discutir até amanhã se Barack Obama merece ou não o prêmio.
Mas não podemos descartar o contexto em que a escolha aconteceu.

Obama fez mudanças tênues na política externa americana, até agora. Houve, com certeza, alguma distensão. Inevitável. Obama não teria mais como tensionar o mundo, mesmo que quisesse, diante de dois escoadouros de dinheiro público como são o Iraque e o Afeganistão e uma crise econômica que abalou profundamente os Estados Unidos.

O fato concreto é que, em nove meses de mandato, Obama foi obrigado a apagar um enorme incêndio, resultado das políticas desastrosas de George W. Bush. Hoje, é como se Bush nem tivesse existido. É como se as políticas de Bush, propagandeadas mundo afora pelos neocons, não tivessem enterrado os Estados Unidos num tremendo pântano econômico, político e militar.

Como eu já escrevi aqui, cravar uma cruz no coração dos neocons não é tarefa fácil. Em primeiro lugar, porque os neocons não obedecem às mesmas regras políticas às quais se sujeitam os meros mortais. Eles podem apanhar continuamente dos fatos que não se fazem de rogados. Continuam lutando a mesma guerra e usando os mesmos argumentos milenaristas — se não for do jeito que eu penso, o mundo vai acabar.

Apenas para ilustrar, uso como exemplo o caso das cotas raciais no Brasil. Se fossem adotadas, argumentam os que se opõem a elas, haveria uma guerra civil no Brasil. Porém, as cotas foram adotadas e o mundo não acabou. Pelo contrário, em várias universidades públicas brasileiras as cotas foram bem sucedidas.

Mas os neocons não trabalham com a razão. Trabalham com a emoção dos ouvintes, telespectadores e leitores. Eles não estão em busca do convencimento tradicional. Buscam tropas de choque que compensem sua falta de votos ou de argumentos.

A serpente representativa do PMDB na capa da Veja, o rosto "diabólico" de João Pedro Stedile na capa da Veja, a ficha falsa da candidata-terrorista na capa da Folha de S. Paulo — tudo isso faz parte da imagética dos neocons. É o uso do pânico como instrumento da luta política.

Nos Estados Unidos, neste exato momento, os neocons estão concentrados em tentar repetir o que fizeram com Bill Clinton, no início dos anos 90, quando o governador do Arkansas mal tinha assumido a Casa Branca. Impor ao presidente Barack Obama uma derrota doméstica na questão da reforma do sistema de saúde.

No caso de Clinton, a reforma do sistema de saúde desenvolvida pela primeira-dama Hillary foi derrotada no Congresso. Bill Clinton "caiu para dentro". Quase duas décadas depois, contando com maioria nas duas casas do Congresso, Obama tenta fazer o que Bill Clinton não conseguiu. Tem ao lado dele a maioria da opinião pública.

Tudo indica que algum tipo de reforma será aprovada pelo Congresso antes do fim de 2009. Porém, o que interessa aos neocons é derrotar a "opção pública", que tornaria o governo dos Estados Unidos concorrente das grandes empresas que vendem seguros de saúde no país. É o que tenho repetido aqui no blog, sempre que escrevo sobre os neocons: a batalha ideológica na verdade encobre a defesa de interesses econômicos muito específicos.

O que ajuda a explicar as teorias aparentemente malucas atiradas contra Obama: de que ele seria "nazista", ou "fascista", ou nem teria nascido nos Estados Unidos. Àqueles que combatem Barack Obama não importa se essas acusações são factíveis ou não, se tem ou não sustentação na realidade. Lembre-se, estamos no campo da emoção, não da razão.

Os neocons se lixam para os fatos. Se houver uma pessoa disposta a acreditar que Obama tem parentesco com belzebu o presidente americano será acusado disso.

Alijados do poder pelo voto, eles agora tratam de travar uma guerra de guerrilha nos meandros da burocracia americana, onde deixaram muitos seguidores: contra o fechamento de Guantanamo, contra a retirada das tropas do Iraque, pelo aumento das tropas no Afeganistão, contra a distensão com Cuba, em defesa do governo golpista de Honduras, por um ataque militar contra o Irã.

Barack Obama, nesse contexto, é como John Kennedy, que assumiu o poder em plena guerra fria e morreu por ter dito não ao uso de aviões americanos contra as tropas cubanas que repeliram a invasão patrocinada pela CIA na baía dos Porcos. Disse não, também, à escalada militar dos Estados Unidos no Vietnã, com o despacho de tropas de combate.

Por isso, estou entre os que dão boas vindas à escolha de Obama para o Nobel da Paz. Prematuro, sim. Mas ele precisa de todo o capital político que conseguir angariar para derrotar os neocons. Será bom para ele, agora. E, para nós, um pouco mais adiante.

PS: De Rush Limbaugh, o campeão da direita americana: "Something has happened here that we all agree with the Taliban and Iran about and that is he doesn't deserve the award"; "Algo aconteceu aqui que nos faz concordar com o talibã e o Irã: ele não merece o prêmio". 

Por  Luiz Carlos Azenha