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Críticos de arte comentam destruição do acervo de Hélio Oiticica

O objeto na obra de Hélio Oiticica (1937-1980) foi, por várias vezes, uma provocação ao próprio estado corpóreo da arte, ao paradigma superado do quadro de cavalete. Com a destruição da maior parte de seu acervo na noite de sexta-feira (16), após um incêndio na casa do irmão do artista, César Oiticica, as cinzas que restaram cobrem agora não apenas a ausência dos objetos originais do artista, essas cinzas servem de manto para o que havia de inestimável em seu trabalho: o incorpóreo. 

 "Isso equivale a uma segunda morte dele", avalia o crítico de arte Agnaldo Farias e "a perda de um pensamento", nas palavras da professora Lisette Lagnado, da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo.

Após o trágico acontecimento, vários críticos, curadores, artistas e pensadores tentam avaliar agora a dimensão da perda sofrida pela arte contemporânea brasileira com a destruição do acervo de Oticica, que é considerado um dos maiores artistas plásticos do País e aquele que melhor soube sistematizar o pensamento da arte enquanto uma reflexão para além da forma, do corpo e das cinzas. O prejuízo, orçado na calculadora em U$ 200 milhões, não tem valor quantificável para a arte nacional.

Lisette Lagnado, Agnaldo Farias e Eduardo Saron, superintendente do Itaú Cultural, que programa uma exposição sobre Oiticica para 2010, avaliam que, embora seja hoje mais reconhecido pelos intricados parangolés (boa parte deles agora completamente destruídos), marcou seu nome na história da arte brasileira a partir dos anos 1960 como um homem que questionava a existência dos "ismos" e do estado corpóreo da arte.

"Ontem (17), fui percebendo aos poucos a dimensão da perda, até porque eu não tinha dado conta que o arquivo textual estaria entre a parte destruída. Acredito que há agora a perda de um pensamento. Nunca conheci um artista brasileiro que, além de ter sistematizado sua própria obra, tivesse tão bem sistematizado a produção de outros artistas. Todos esses textos foram embora. Estou mais abalada pela destruição dos manuscritos, do pensamento dele, do que pela destruição da obra própria. Dentro do panorama brasileiro, Oiticica é único. Penso nele como patrimônio universal", diz Lisette Lagnado, curadora da 27ª Bienal de São Paulo.

Lissette trabalhou durante três anos no acervo do Projeto Hélio Oiticica na digitalização do trabalho (objetos e documentos) do artista para o Programa Hélio Oiticica, uma iniciativa do Itaú Cultural. Ela acredita que, quando saiu do projeto, ainda faltava digitalizar de 10 a 20% do trabalho de Oiticica.

"Ele era um dos mais importantes artistas contemporâneos. Quando você vê que artistas como Zé Celso, que vai buscar no Oiticica elementos pra construir sua própria obra, se tem de fato uma referência para a arte de uma maneira geral. No ano que vem serão 30 anos da morte de Oiticica e, ainda hoje, ele é uma referência atual para vários artistas que enxergam nele o que há de provocador. É triste ver esse acervo destruído, mas é também interessante observar esse evento, porque, no fundo, Hélio Oiticica era uma pessoa que criava obras temporais. O processo para ele às vezes era muito mais importante do que a obra pronta. É uma idiossincrasia, mas revela um pouco quem era ele. O que resta agora é se mobilizar para recuperar o que significa Helio Oiticica pra arte contemporânea brasileira", Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do Itaú Cultural, instituição responsável pelo projeto Programa Hélio Oiticica, que digitalizou boa parte do pensamento do artista. Com o incêndio do sábado (17), ele afirma que, junto à família do artista, terá que reelaborar a mostra.

"Hélio Oiticica era um artista de maior renome internacional e esse renome internacional é justificado porque ele efetivamente foi um artista de primeira grandeza, daqueles que se enquadram como artistas revolucionários. Todos os livros de história da arte que são produzidos hoje já colocam Oiticica como um artista seminal. Não conheço aqui no Brasil um artista que tenha tamanha reflexão, tão sistemática e cuidadosa, sobre o próprio trabalho e o trabalho de outros artistas. A contribuição dele é de primeira linha. Isso que aconteceu equivale a uma segunda morte dele", Agnaldo Farias, crítico de arte e curador.

Prefeitura tentou resgatar obras

A secretária municipal de Turismo do Rio de Janeiro, Jandira Feghali, divulgou nota no sábado (17) lamentando a destruição da maioria das obras. À rádio CBN, a secretária disse ser muito doloroso ver o acervo do artista ser perdido desta forma e que espera que as causas sejam apuradas. "Foi uma perda importante para a arte brasileira, com repercussão mundial. O que aconteceu é lamentável", afirmou.

Jandira comentou ainda sobre o impasse entre a Secretaria de Cultura e a família do artista com relação ao armazenamento das obras, que ficaram expostas até agosto deste ano no Centro Cultural Hélio Oiticica, no Centro do Rio.

"Nós não tínhamos esse acervo na Secretaria. Quando assumimos, já não estava lá. Havia apenas uma exposição, que cumpriu o seu tempo. Chegamos a propor à família do Hélio que, como faz o MAM com o acervo do colecionador Gilberto Chateaubriand, um comodato para que essa obra ficasse exposta permanentemente no Centro Cultural Hélio Oiticica, mas ainda não tivemos sucesso com essa proposta. Eu espero que depois do que aconteceu haja uma flexibilização dessa posição", contou.

A secretária espera poder dar apoio para preservar os cerca de 10% da obra de Oiticica, que ficaram ilesas após o incêndio: "Nós estamos abertos a ter a obra de Hélio Oiticica sob o comando do poder público, em comodato sob responsabilidade nossa. Espero apenas que esse acordo seja possível de ser feito, que é uma coisa que até agora a gente não conseguiu. Da nossa parte, há a total disposição de preservação desde que isso tenha de fato a responsabilidade do poder público, porque o Centro Hélio Oiticica é um centro público, mesmo que esse acervo seja de propriedade da família".

Em nota oficial, Jandira afirmou ainda que a secretaria já está em contato com o Iphan para conseguir técnicos que ajudem e acompanhem o rescaldo para ver o que pode ser salvo.

A diretora do Centro Municipal Hélio Oiticica do Rio de Janeiro, Ana Durães, quer divulgar o que existe na reserva técnica de obras do artista que dá nome ao lugar e que se encontra trancada, com as chaves ainda com a família Oiticica, de acordo com ela. São algumas das obras que se salvaram do incêndio.

"Na reserva técnica que temos disponível, temos os penetráveis "Iemanjá", "Tia Ciata", "Ninho" e "Rijanviera". Mas existe uma outra reserva técnica trancada. As chaves estão com a família e só eles sabem o que tem lá. Queremos abrir para a imprensa. As obras que estão aqui no Centro são as que estavam em uma exposição que inicialmente ia de dezembro a junho, chamada Penetráveis 1 e 2", diz Ana.

Por dificuldades de negociação entre a Prefeitura e a família, o Centro Municipal não é mais sede do projeto de mesmo nome, nem está expondo atualmente nenhuma obra de Hélio Oiticica. Ana disse, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que quer promover um debate sobre os direitos dos herdeiros e do poder público sobre as obras dos artistas.

Segundo ela, após a prefeitura determinar uma auditoria que incluía o Centro Hélio Oiticica, a família do artista, apressadamente, resolveu fechar a exposição que havia no Centro com obras de Hélio Oiticica.

Com agências