Sebastião Nunes: As eternas brigas em torno do Prêmio Nobel

Em função de muita bobagem que tem se dito sobre a entrega do Premio Nobel da Paz para Obama, o Vermelho Minas publica o artigo que o ex-poeta Sebastião Nunes publicou no domingo (18) no jornal O Tempo. Para ele, "Nobel da Paz é na parte de cima do mundo. Os países mais sacanas do mundo levam a maioria dos prêmios, como é natural".

As eternas brigas em torno do Prêmio Nobel

Estamos na época em que são conhecidos os ganhadores do mais importante prêmio do mundo: o Nobel. Importante pela divulgação, pelo status conferido aos vencedores e até pela recompensa financeira, que não é desprezível. Alfred Nobel, criador do prêmio que leva seu nome, desprezava "pessoas para quem os lucros são mais importantes que o bem-estar da sociedade". Coitado. Tornando-se idealista depois de inventar um dos mais poderosos explosivos, a dinamite, utilíssimo na construção de túneis, pontes e defuntos em massa, resolveu trabalhar pelo bem da humanidade. Pois sim. Desde sua criação, são atribuídos anualmente cinco prêmios: Física, Química, Fisiologia ou Medicina, Literatura e Paz. Existe ainda o paralelo Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, concedido a partir de 1969, criado pelo banco central da Suécia, que vale tanto quanto os outros. Mas não devo falar do prêmio de Física, atribuído a Charles Kao, "pelo desenvolvimento da transmissão de luz em fibras para comunicação óptica", e a Willard Boyle e George Smith, "pela invenção do dispositivo de Carga Acoplado (CDD)", que não tenho a menor ideia do que sejam. Nem do Nobel de Fisiologia ou Medicina, a Elizabeth Blachburn, Carlo Greider e Jack Szostak, "pela descoberta da proteção cromossômica pelos terômeros e pela enzima telomerase". Valha-me Deus! É palavrão demais. Ficarei, portanto, naqueles que alcanço, ou seja, Literatura e Paz, sendo que mesmo esses costumam ser costurados por vias tortas com linhas obscuras, mas tentarei desatar o nó.

LITERATURA E PAZ. Não têm nada uma com a outra, pelo contrário, mas tenho de começar de algum lugar. E começarei tabulando o número de prêmios concedidos, de países e línguas, pois há certa incoerência nisso. Por exemplo, os prêmios podem ser concedidos a uma, duas ou três pessoas, de uma ou mais nacionalidades, como em certos anos podem não ser atribuídos, criando certa confusão.

Assim, achei o seguinte, quanto ao Nobel literário: França, 13; Alemanha, 11; Inglaterra e Estados Unidos, 9 cada um. Isso sobre a nacionalidade dos premiados. Já sobre a língua em que praticaram seu elegante ou duro estilo, o resultado mudou para o seguinte: inglês, 26; francês, 13; alemão, 11, e espanhol, 10, dividido entre vários países, tipo Espanha (5) e Chile (2). Já nós, de língua portuguesa, tivemos Saramago, do europeu Portugal, e nenhum do lado de baixo do Equador.

NOBEL BRASILEIRO DE LITERATURA. Não existe. Bem que se batalhou. Jorge Amado foi candidato quinhentas vezes, tantas quanto Borges, o argentino. Para a academia sueca, nenhum merecia, embora escritores do mundo inteiro clamassem, chorassem e brigassem pelo extraordinário Borges, um dos maiores escritores do século XX.

Como ele, também não ganharam Kafka (morreu praticamente inédito e os acadêmicos não são adivinhos), Joyce (morreu praticamente cego e os acadêmicos foram igualmente cegos) e Proust, para ficar na parte de cima do mundo. Na parte de baixo, além de Borges, temos por aqui mesmo, quase de tropeçar com eles nas esquinas, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Millôr Fernandes, Carlos Drummond de Andrade e Augusto de Campos, pelo menos. Mas quem lê português neste mundo, vasto mundo? Nem nós, brasileiros, que somos 75% de analfabetos funcionais, e só lemos autoajuda, Bíblia, e olhe lá.

NOBEL BRASILEIRO DE PAZ. Também não existe. Como não temos índole para guerras em massa, ficamos a ver navios. Nossas guerras são individuais ou grupais. Temos milhares de guerras todos os dias, todas individuais ou grupais. Grupos de extermínio, digo, ou das chamadas gangues, que se dilaceram e a classe média acha bonito, e os ricos também, porque são eles que compram as drogas pesadas que levam aos traficantes que levam aos conflitos armados que levam às milhares de mortes. Mas ela, a classe média, lava as mãos, como eles outros, os ricos, também lavam. E ficam cheirosos e limpos, enquanto o sangue jorra nos becos e nas biroscas.

Nobel da Paz é na parte de cima do mundo. Os países mais sacanas do mundo levam a maioria dos prêmios, como é natural. Só os Estados Unidos paparam 22, incluindo quatro presidentes, sendo Obama apenas o último numa cadeia de equívocos. Para quem mantém duas guerras ativas (Iraque e Afeganistão) e sonha com mais três (Paquistão, Coreia do Norte e Irã), não é demais. É assim que os acadêmicos suecos fecham o olho da guerra e abrem o da paz, muito bem aberto.

Dois dos países mais belicosos do mundo, Inglaterra e França, contam 21 prêmios. Durante séculos deitaram e rolaram e só fazem por menos agora porque perderam força e poder. Mesmo assim, a Inglaterra fica de amarra-cachorro dos Estados Unidos em suas guerras petrolíferas. Se isso é paz, não sei o que será guerra.

EQUÍVOCOS UNILATERAIS. Dizem alguns que Obama levou o Nobel cedo demais, outros que não merecia, ainda outros que a academia foi puxa-saco. Todos têm razão. E acrescento que, se ele ganhou por ser presidente do país mais poderoso do mundo, e unicamente por isso, outros presidentes também mereciam, fosse a academia menos cega. E cito de cara nosso Lula, que fez mais pelo Brasil e pelo mundo que muitos outros. Pelo Brasil, com seus planos de achatamento de classes, em que desce a classe média e sobem os pobres. Pelo mundo, dando não só esse exemplo como entrando em brigas de fronteira, de nacionalidade, botando pano quente, exigindo que países mais pobres tenham o direito de decidir o futuro de todos, não bajulando os mais poderosos etc.

Não estou sendo exagerado nem patriótico, palavrinha que detesto. Tento apenas ver que a academia, abancada na fria Suécia, é apenas mais um saco de equívocos como tantos outros, embora, às vezes, acerte. Se ela um dia conceder o Nobel de Literatura a Paulo Coelho serei o primeiro a aplaudir. Não é um grande escritor, mas vende bem seu peixe, muito bem aliás. De modo que estaremos bem servidos. Portugal tem Saramago? Teremos Paulo Coelho. Que é que existe de errado nisso? Só por que escreve mal? Ora, deixemos de purismos, senhores.