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Reunião do CMP em Damasco comemora 60 anos do movimento

A reunião do Comitê Executivo do Conselho Mundial da Paz (CMP), que se encerrou em Damasco (Síria) no último domingo (25/10), foi marcada pelo lançamento das comemorações dos 60 anos do CMP, que se completam em 2010. Os participantes da reunião foram até as Colinas de Golan, território sírio invadido por Israel desde 1967.

- reuters

Depois de mais de 20 anos, o CMP volta a se reunir no Oriente Médio e se mostra fortalecido, tendo mais de 30 organizações participado da reunião do seu conselho executivo. No domingo (25/10), último dia de reunião, a delegação encabeçada pela presidente do CMP, Socorro Gomes, visitou as Colinas de Golan, onde Socorro realizou um apelo: "O CMP soma-se às forças democráticas internacionais que demandam a devolução das Colinas de Golan à Síria, a verdadeira dona deste território usurpado pelos sionistas israelenses na guerra de 1967". Em seu discurso, durante a reunião do CMP, no sábado (24/10), Socorro denunciou: “o Estado de Israel, fortemente apoiado pelo imperialismo norte-americano, é inimigo de seus vizinhos, fonte e ameaça constante de guerras”.

A reunião do Comitê Executivo do Conselho Mundial da Paz discutiu a situação em várias partes do mundo relativamente à paz, abaladas pelas guerras de ocupação. As bandeiras do CMP passam pela abolição das armas nucleares e de destruição em massa, a começar pelas grandes potências, pela desmilitarização promovida pela instalação de bases militares dos Estados Unidos e da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) em diversos países e pela retirada da Quarta Frota da marinha americana do Atlântico Sul. Para Socorro Gomes, é “uma grande hipocrisia condenar o Irã, a Coréia, ou qualquer outro país, porque está desenvolvendo a tecnologia nuclear, enquanto as grandes potências não destroem os grandes arsenais que têm, os quais possuem capacidade para destruir a terra centenas de vezes”.

Socorro reafirma caráter antiimperalista do CMP

A solenidade de abertura das comemorações dos 60 anos do CMP foram marcados por uma fala da presidente da entidade que retomou a história da luta pela paz no mundo e o próprio surgimento do CMP, caracterizado como uma entidade que luta pela paz e contra o imperialismo, identificado como causa principal das guerras no mundo.

O Conselho Mundial da Paz surgiu há seis décadas, em um contexto em que a ameaça da guerra, poucos anos após o fim da Segunda Grande Guerra, pairava novamente sobre os povos. Em seu discurso, Socorro descreveu o contexto em que surgiu o CMP: “Pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, num momento em que a situação internacional se agravava em conseqüência da política belicista do imperialismo norte-americano, vozes se levantaram em numerosos países proclamando a necessidade de criar um movimento mundial para impedir uma nova catástrofe. O I Congresso se realizou sob lema que dizia “Doravante a paz é uma questão dos povos”.

Durante a reunião, o golpe em Honduras que depôs o presidente Zelaya foi denunciado como ataque à soberania daquele povo e a tentativa de golpe sobre o venezuelano Hugo Chávez em 2002 também foi lembrada. As duas ações foram creditadas ao imperialismo norte-americano.

Confira a íntegra do discurso proferido pela presidente do CMP, Socorr Gomes, acerca do 60 anos da organização:

"Companheiros e companheiras,

É uma grande honra para nós, pronunciarmos estas breves palavras em nome do Conselho Mundial da Paz, quando iniciamos os festejos do 60º aniversário, a completar-se no ano de 2010, nesta bela capital síria, a cidade de Damasco, palco de gloriosas jornadas históricas e do presente, cenário de resistência e altivez, de um povo que não aceita ser subjugado por outros.

No Oriente Médio observamos a permanente existência de um obstáculo à paz, fator de instabilidade e preocupação. O Estado de Israel, fortemente apoiado pelo imperialismo norte-americano, é inimigo de seus vizinhos, fonte e ameaça constante de guerras.

Denunciamos a opressão sobre o povo palestino, em especial o cerco brutal e criminoso contra a faixa de Gaza. Declaramos firme apoio ao povo sírio na sua luta por recuperar as Colinas de Golan, território que deve ser imediatamente devolvido à Síria sem precondições. O Conselho Mundial da Paz muito estima a militância do povo sírio em defesa da paz e da coexistência pacifica com outros povos, em harmonia e prosperidade, grande objetivo dos povos do Oriente Médio.

Companheiros e companheiras,

O Conselho Mundial da Paz surgiu há seis décadas, num contexto em que a ameaça da guerra, poucos anos após o fim da Segunda Grande Guerra, pairava novamente sobre os povos. Permitam-me, em breves palavras, referir-me um pouco a esta rica história, que tanta relação guarda com os dias de hoje.

Pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, num momento em que a situação internacional se agravava em conseqüência da política belicista do imperialismo norte-americanon, vozes se levantaram em numerosos países proclamando a necessidade de criar um movimento mundial para impedir uma nova catástrofe.

Pouco antes, as potencias ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos, criavam o Pacto do Atlântico Norte, embrião da famigerada Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN.

A idéia de um encontro de intelectuais pela paz foi manifestada por um grupo de intelectuais poloneses e franceses aos quais se juntaram intelectuais soviéticos e de vários outros países.

Decidiu-se pela convocação de um Congresso dos defensores da paz na cidade de Wroclaw, na Polônia. Não foi por acaso que se escolheu como local do Congresso a Polônia – país que tanto sofreu com a guerra – e a cidade de Wroclaw, semi-destruída. Era necessário simbolizar que a humanidade ainda não estava livre do pesadelo da guerra. Assim, no final de agosto de 1948 o Congresso teve lugar em Wroclaw, com a participação de mais de 400 personalidades provenientes de 46 países. Do Congresso de Wroclaw, resultou a criação de um Comitê de enlace, que manteve articulada a rede de amigos da paz, provenientes de vários países.

A idéia de um Congresso dos Intelectuais pela Paz foi acolhida com entusiasmo em toda a parte onde chegou o apelo vindo da Polônia.

A iniciativa contou com adesões de numerosas personalidades da época. É difícil enumerar aqui todos os participantes. Deixemos que falem por eles os nomes de Frederic e Irene Joliot-Curie, de Pablo Picasso, de Ilia Erenburg, de Martin Andersen-Nexô, de sir John Boyd-Orr, de Andrei Fadéev, de Julien Benda e outros, de numerosos outros, entre os quais se encontravam diversos eminentes representantes da cultura e da ciência.

Em Wroclaw estavam presentes três mulheres notáveis: a senhora Eugénie Cotton, física e diretora da Escola Nacional de Sèvres, Irene Joliot-Curie, prêmio Nobel de Física, e a grande escritora alemã Anna Seghers.

Diante do sucesso da iniciativa e do aprofundamento dos riscos à paz no mundo, poucos meses depois, em fevereiro de 1949, reunia-se em Paris, o Comitê de enlace dos Intelectuais pela Paz, surgido meses antes na Polônia. A reunião decide convocar imediatamente um novo e ainda mais grandioso e representativo Congresso Mundial pela Paz, para dali a poucas semanas, em Paris.

O Congresso foi convocado na forma de um apelo às organizações e personalidades democráticas de todo o mundo, demandando que se alinhassem na convocação de um Congresso Mundial dos Partidários da paz. Este apelo, lançado conjuntamente pelo Comitê Internacional de enlaces dos Intelectuais pela Paz e a Federação Democrática Internacional de Mulheres, foi traduzido para oito línguas e correu o mundo.

Por toda a parte, jorravam iniciativas como a organização de encontros e de conferências preparatórias, recolhimento de assinaturas de adesões ao apelo, coletas de fundos para a sustentação do congresso, reuniões diversas, conferências de imprensa, subscrições de materiais, etc.

Numa certa manhã de março, um cartaz apareceu nos muros de Paris e das grandes cidades francesas. Anunciava a data e o lugar do Congresso Mundial da Paz e exibia como emblema uma pomba, que se tornou célebre e até hoje simboliza o Movimento pela Paz no mundo. Era a pomba de Pablo Picasso. Alguns dias mais tarde, o cartaz aparecia simultaneamente em Varsóvia e no Rio de Janeiro e depois em outras capitais. Seja em Tóquio ou em Londres, Roma ou Buenos Aires, cartazes com a pomba da Paz de Picasso estavam afixados nos muros. Em pouco tempo, reproduzida por todo o mundo, a pomba tornou-se o símbolo universal das forças da paz.

Antes da abertura do Congresso Mundial da Paz, foram assim contabilizadas as adesões: 18 associações internacionais, mais de mil organizações nacionais de todas as naturezas, mais de 10 mil organizações provinciais ou regionais. Entre as intermináveis listas de aderentes individuais, destacam-se os nomes de mais de 3.000 personalidades mundiais conhecidas. No total, isto correspondia ao apoio de mais de 600 milhões de homens e mulheres.

Jamais na história dos povos tal aglutinação tinha sido feita.

O governo francês, com muitos delegados de zonas mais distantes como a América Latina, a China ou a Austrália já a caminho, resolveu restringir o ingresso no país de diversos participantes. Assim, era necessário organizar, para os delegados que eram impedidos de entrar na França, uma sessão do congresso numa outra capital da Europa. Esse congresso paralelo foi organizado em Praga num prazo de 24 horas e os enlaces foram estabelecidos para que se efetuasse a sincronização com os trabalhos de Paris.

Ao cabo desse imenso esforço, em 20 de abril de 1948, o Primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz foi aberto como previsto na sala Pleyel, na capital francesa. Provenientes de 72 países, 2.198 delegados, convidados e observadores representavam a quarta parte da população terrestre. No mesmo dia abriam-se as portas do Parlamento da Tchecoslováquia para receber os 281 congressistas que compunham a sessão de Praga do congresso, proibidos de entrar na França.

O I Congresso se realizou sob lema que dizia “Doravante a paz é uma questão dos povos”.

Companheiros e companheiras,

O movimento mundial pela paz, já em seu nascedouro se defrontou a necessidade de dizer claramente a que paz se referia.

Conto aqui um caso lembrado por um fundador do CMP, Ivor Montagu, que num depoimento sobre aqueles dias em Paris, lembrou que

(abre aspas) “O mais impressionante destes foi o momento em que a notícia anunciando a travessia do Yang-Tsé pelos exércitos chineses chegou ao Congresso. Toda a assembléia se levantou, mas não só. Subimos nas cadeiras e aplaudimos sem parar. Os adversários do movimento da paz tentaram nos debochar, sublinhando a incompatibilidade entre nossa profissão de fé pacifista e nossa alegria por uma vitória obtida através das armas (…) Nossa atitude demonstrava a maturidade de nossa opinião” (fecha aspas).

Conto essa pequena história para reafirmar que o movimento pela paz, ontem como hoje, associa profundamente a luta contra as guerras com a luta pela emancipação e a libertação dos povos. Não haverá uma paz justa e duradoura no mundo, enquanto o imperialismo norte-americano ou qualquer outra potência imperialista, insistirem em subjugar povos e nações, em constranger a soberania nacional, em promover as guerras como instrumento de neocolonialismo e de aviltamento da autodeterminação dos povos.

Nesse sentido, aproveito esta ocasião, para denunciar o Golpe ocorrido em Honduras, que depôs o presidente Zelaya num movimento das forças de direita que muitos, talvez ingenuamente, pensavam já ter acabado na América Latina. Alguns anos antes, em 2002, tal artifício já havia tentado apear do poder o presidente Hugo Chavez na Venezuela.

Junto com o golpismo, a reação aos governos progressistas e antiimperialista na América Latina também envolvem o cerco e as ameaças de tipo militar. Refiro-me expressamente ao restabelecimento da IV Frota da Marinha de Guerra norte-americana e à ampliação das bases militares em território sulamericano.

Companheiros e companheiras,

Gostaria de lembrar também neste momento o histórico Apelo de Estocolmo, lançado pelo CMP em março de 1950. Naquela época, reiniciava-se a corrida armamentista pelos Estados Unidos, que se armavam nuclearmente e punham em risco a paz. Naquele contexto, o Movimento pela Paz a cujas origens me referi, conseguiu mobilizar uma ampla campanha em torno do Apelo de Estocolmo.

Esse apelo, basicamente, incorporava três bandeiras básicas propostas pelo prêmio Nobel de Física, Frederic Joliot-Curie, presidente do Conselho Mundial da Paz:

A exigência da “proibição absoluta da arma atômica, da arma de agressão e de exterminação maciça de populações”; a exigência do “estabelecimento de um rigoroso controle internacional para assegurar a aplicação dessa proibição” e a consideração de que “o governo que utilizasse a arma atômica pela primeira vez, não importa contra qual país, cometeria um crime contra a humanidade e deveria ser tratado como criminoso de guerra…”

A essas idéias, acrescentou-se: o chamamento “a todos os homens de boa vontade no mundo para que assinem este apelo”.

Em algumas semanas o Apelo de Estocolmo se espalhou em todos os países. Ele foi carregado por um inumerável exército de coletores de assinaturas nas cidades e povoados, fábricas e escolas, lojas e mercados, praças públicas, navios, estações, aeroportos… e até nas longínquas aldeias da selva africana. Chegaram assinaturas de personalidades célebres, como Philip Morrisson, um dos cientistas que construiu a primeira bomba atômica; o escritor Thomas Mann e o artista Maurice Chevalier.

Até o final de 1950, mais de 450 milhões de pessoas subscreveram o Apelo de Estocolmo.

Dou este exemplo porque, do ponto de vista das tarefas e de suas grandiosidade, desafio semelhante se apresenta aos povos do mundo: construir e desenvolver um poderoso, amplo e massivo movimento pela paz no mundo.

Para o CMP é ponto central das nossas atenções, lutas e campanhas, a questão da abolição das armas nucleares e de destruição em massa. Defendemos o desarmamento, a erradicação dessas armas. E esta destruição dos armamentos nucleares tem que começar pelas grandes potências, porque hoje há um clube seleto mortífero e dominante no mundo. Este clube, que é capitaneado pelos Estados Unidos, junto com outros países, dentre os quais Israel, impede qualquer país em desenvolvimento, ou qualquer país independente desta política dos Estados Unidos, das grandes potências, de desenvolverem a tecnologia nuclear ainda que seja com objetivos civis, pacíficos.

Trata-se de uma grande hipocrisia condenar o Irã, a Coréia, ou qualquer outro país, porque está desenvolvendo a tecnologia nuclear, enquanto as grandes potências não destroem os grandes arsenais que têm, os quais possuem capacidade para destruir a terra centenas de vezes.

Companheiros e companheiras,

Em nome do Conselho Mundial da Paz, gostaria de reafirmar a causa da paz e da solidariedade entre os povos como grande causa dos homens e mulheres livre e conscientes da Terra. Essas bandeiras unem-se a causa do desenvolvimento, do progresso social, da cooperação, e à luta antiimperialista e por uma nova ordem mundial, como causas maiores da humanidade no atual período histórico.

Muito obrigado.

Socorro Gomes.
Damasco, Síria, 25 de outubro de 2009"

De São Paulo, Luana Bonone