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Luciana: "a alegria vem da esperança de que esse mundo tem jeito"

Nordestina, 43 anos e dona de um carisma famoso em todo o Brasil, Luciana Santos foi eleita vice-presidente do PCdoB na reunião do Comitê Central (CC) do partido realizada imediatamente após a eleição de seus membros, neste domingo (8/11). Na entrevista reproduzida abaixo, Luciana fala sobre os desafios do PCdoB, sobre Ciência e Tecnologia, sobre a experiência institucional do partido e também sobre a importância da cultura para o desenvolvimento do país. 

- Maurício Morais

Vermelho: Ocorreu uma renovação muito grande no Comitê Central e você é um símbolo desta renovação, por isso também foi escolhida para vice-presidente. Então a primeira pergunta é: você está animada para enfrentar os novos desafios?

Luciana: Ah, estou animada demais! Embora eu esteja consciente também das grandes responsabilidades de assumir a vice-presidência do partido. Mas eu penso que quando a gente realiza um congresso como esse, com o nível elevado que foi, com o grau de elaboração que se deu, em que a gente consegue constituir um programa bem objetivo, tangível, exeqüível, revolucionário, porque aponta a perspectiva da construção do socialismo… quando a gente tem o nosso conteúdo arrumado, as idéias arrumadas, quando a gente sabe onde quer chegar, que é à construção do socialismo, e em um ambiente de tanta ofensiva política do nosso campo, este grande desafio acaba sendo um desafio positivo. É um desafio em um ambiente muito propício, muito promissor, de grandes possibilidades para o país. Então eu acho que é um momento rico, desafiador, mas muito interessante.

Vermelho: De que forma que esta nova composição do Comitê Central se relaciona com as características do partido que este congresso se propõe a construir?

Luciana: Essa cara que hoje o nosso Comitê Central tem, com essa direção muito diversificada, procurando exatamente dar a dimensão nacional que o partido já tem… você vê bancadas grandes do Norte do país, do Nordeste, do Centro-Oeste, demonstrando o quanto o partido hoje está enraizado e capilarizado no país todo. E essa política de quadros que hoje o partido tem procurado desenvolver é que deu também nessa grande renovação. O esforço de garantir a renovação, a alternância, é muito saudável para o partido. Temos sempre que ter a preocupação de ter um partido saudável ideologicamente, ter um partido arejado, que possa expressar de fato o cotidiano, a realidade brasileira. Inclusive muitas delegações estrangeiras fizeram essa observação, de quanto o nosso partido reflete a diversidade brasileira e esse perfil, sem dúvida, da cara feminina, muito evidente no partido.

Rafael Neddermeyer

Vermelho: A atual crise internacional do capitalismo fez com que os principais preceitos do neoliberalismo fossem colocados em xeque. E neste momento o PCdoB, através do Programa Socialista, reafirma sua característica ideológica, socialista. Como este programa contribui na luta atual? Quais são os principais desafios do nosso tempo identificados nos documentos do Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento e no Programa Socialista, aprovados no congresso?

Luciana: Eu acho que, em primeiro lugar, é o caráter do Programa, que é essencialmente antilatifundiário e de combate à financeirização da economia. Esses são os principais elementos que emperram o desenvolvimento nacional. O Brasil historicamente sempre teve uma marca muito grande da dependência e, associado ao desenvolvimento do capitalismo nessa fase mais perversa, que é a da financeirização. Ao mesmo tempo, o Brasil conseguiu se livrar da intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), sair da crise, embora ela ainda persista, mas o Brasil teve as condições de sair mais rápido dela, em função de ter bancos estatais, de ter se desgarrado do modelo e da agenda neoliberal, e a partir disso é que foi possível a gente se proteger dessa crise avassaladora, essa mais recente crise do sistema capitalista. Então eu acho que o que está posto para a gente são estes dois grandes alvos [o latifúndio e a financeirização da economia], que precisam ser perseguidos, e acentuar e aprofundar ainda mais as ferramentas que possibilitarão o desenvolvimento nacional. Eu penso que a agenda do pré-sal, da ciência e tecnologia e da inovação, da cultura, da afirmação da identidade brasileira, são elementos que permeiam o pano de fundo do nosso programa e dão densidade. São os pilares da riqueza e da potencialidade que o nosso Programa tem de chegar à população, de conseguir se comunicar com a população diretamente, apontando para uma perspectiva mais avançada do que a gente já conquistou nestes sete anos de governo Lula.

Vermelho: O PCdoB tem tentado crescer sua atuação, sua influência junto à intelectualidade e obteve avanço importante com a sua indicação para a secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco. Qual é a visão fundamental do PCdoB sobre a questão da Ciência e Tecnologia e a relação com o desenvolvimento nacional? Qual a importância disso e de que forma o PCdoB propõe que seja feito o processo de desenvolvimento da Ciência e Tecnologia no país?

Luciana: Foi nesse debate do congresso, na discussão dos desafios do Comitê Central, da representatividade e da atenção para que a gente possa desenvolver mais a nossa atuação nessa frente de debate de idéias, que a gente, por exemplo, resgatou para o Comitê Central uma pessoa como a Olival Freire. É um aporte que nós estamos fazendo, que essa é uma frente decisiva. Ou a gente entra com força no debate de idéias, ou nós não conseguiremos nos colocar como alternativa política. E tudo que diga respeito, todo desafio de qualquer nação hoje, passa necessariamente por ser muito forte no conhecimento. A produção do conhecimento é hoje o principal patrimônio que qualquer país pode construir. O Brasil, recentemente, no governo Lula, fez um fortíssimo investimento na formação de quadros. Hoje estamos entre os dez países do mundo que mais produz ciência, que mais produz inovação, que inventa, que pesquisa naquilo que é considerado um parâmetro que mede a produção do conhecimento no país, que são as revistas reconhecidas no mundo cientifico, que têm credibilidade. É por aí que se mede a nossa capacidade, e também através das patentes. Então nós nos posicionamos muito bem, mas precisamos ir muito além disso. Eu penso que a política de Ciência e Tecnologia do país é muito consistente: tem os fundos setoriais da Ciência e Tecnologia, e é uma política que vem apostando nos últimos anos, muito fortemente, na interiorização das universidades públicas, que são um verdadeiro celeiro de quadros. Mas temos um impasse: a iniciativa privada ainda não assimilou a necessidade, não se criou uma cultura e um ambiente na iniciativa privada para a inovação, e esse eu penso que é o grande passo adiante que a política de Ciência e Tecnologia deve enfrentar.

Rafael Neddermeyer

Vermelho: Isso tem relação com soberania?

Luciana: Sem dúvida. Embora o nosso país tenha uma forte industrialização em setores fortes, estratégicos, precisamos avançar naquelas áreas que são portadoras do futuro: a nanotecnologia, o debate da biodiversidade, a tecnologia da informação. Essas são áreas que nós precisamos apostar e investir porque, do contrário, nós não conseguiremos superar a barreira de ainda ser aquele país que, dentro da divisão de trabalho do mundo, não se colocou na ponta. Esse é o grande desafio para que a gente não fique com a característica mais forte de estar naquela parte mais primária da cadeia produtiva. Nós precisamos, com esse esforço, agregar mais valor. E o valor se agrega com inovação e com novas tecnologias.

Vermelho: Dessa recente leva de crescimento do trabalho institucional do PCdoB, você é, de certa forma, pioneira. Foi prefeita de Olinda, uma importante cidade do país, antes mesmo de o partido dirigir uma Capital como Aracaju, antes de haver centenas de cidades governadas pelo PCdoB. Então fale um pouco sobre essa experiência institucional do PCdoB. O que pode ser extraído como característica do modo comunista de conduzir a gestão de uma prefeitura, de um governo executivo?

Luciana: Eu acho que a principal característica do partido é que nós somos, de fato, um partido que procurou governar com essa visão mais ampla, com a política que o partido sempre defendeu, que é imaginar soluções de uma gestão, de uma cidade, inspirados na perspectiva de uma mudança mais estratégica no país. Não é possível superar os impasses do desemprego, dos indicadores sociais, algo muito forte nas cidades das regiões metropolitanas do país, sem imaginar o ponto de virada e a necessidade de isso ser atrelado ao projeto nacional desenvolvimentista. Então, em primeiro lugar, nós sempre fomos um governo que debatemos muito com o povo, sempre politizamos muito o povo. Mas nós, antes de tudo, fomos um governo que colocou a cidade nesse eixo: no eixo de um desenvolvimento estruturador, principalmente na parte urbanística da cidade. Com o Programa de Aceleração do Crescimento nós revertemos muito das condições precárias, dos indicadores que eram muito gritantes na cidade, como, por exemplo, menos de 30% de saneamento básico. São investimentos de infra-estrutura básica que alteram, de maneira significativa, a qualidade de vida das pessoas. Então a nossa cara foi essa, além da característica da nossa gestão ter sido a afirmação da identidade: porque Olinda é uma cidade que é Patrimônio da Humanidade, tombada pela Unesco, e nós sempre procuramos fazer dessa uma marca da cidade. E não é só porque é patrimônio da humanidade, mas porque foi berço de lutas libertárias. É afirmar a identidade nacional a partir do resgate e do debate dessas lutas e do papel político que Olinda sempre jogou no contexto nacional. Então isso nós fizemos de maneira sistemática e de maneira consciente, para conseguir elevar o nível de consciência política da população olindense.

Rafael Neddermeyer

Vermelho: Ao falar em prefeitura de Olinda, é inevitável a referência ao carnaval, à cultura. Olinda chegou a ser eleita capital brasileira da cultura sob a sua gestão. Como o PCdoB compreende a importância de trabalhar a questão da superestrutura, da cultura, num processo de transformação da sociedade?

Luciana: Nós fizemos lá um esforço muito grande para garantir uma política de cultura consistente. Acho que a principal marca foi uma marca a partir do Ministério da Cultura, que foi uma grande contribuição de um comunista nosso que é Célio Turino. Eu acho que a política de cultura mais estruturante que pode haver são exatamente os Pontos de Cultura, política que deu ferramentas para aquilo que já é real, para aquela produção cultural que é espontânea, que vem da própria população, com a diversidade que Pernambuco tem, e ali você, a partir do que já existe, garantiu uma estrutura para que aquilo se desenvolvesse. Então além dos espaços, além de equipamentos públicos, nós estamos dando ferramentas públicas para que essa riqueza cultural se desenvolva, se qualifique, se aflore e se fortaleça.

Vermelho: Você considera que os Pontos de Cultura representam também uma experiência de democracia diferenciada, de gestão do Estado em conjunto com a população?

Luciana: Sem dúvida o programa tem um viés muito forte democrático. Aliás, isso foi também uma marca que perpassou todas as políticas públicas desenvolvidas na nossa gestão: criar mecanismos de decisão política a partir da própria população. Não só porque implementamos o Orçamento Participativo, mas porque conseguimos implantar desde Pontos de Cultura a conselhos que não existiam antes, como o Conselho de Mulheres e o de Juventude. Ou seja, nós demos um passo muito grande no sentido de criar mecanismos reais de tomada de decisão por parte da população. Então foi uma experiência muito positiva, muito ampla que, acho eu, garantiu conquistas que independente de governos que virão, não poderão mais voltar atrás, devido ao grau de organização e de cultura que foi criada a partir dessas ferramentas e desses fóruns, que farão parte da agenda permanente da cidade a partir da participação popular.

Maurício Morais

Vermelho: Uma característica sua conhecida pelo país inteiro é a alegria. Para ser uma militante comunista, com a realidade que o país enfrenta, alegria é fundamental?

Luciana: Ah, sem dúvida, né? Quando se fala nisso eu me lembro muito de uma personagem de Jorge Amado, chamada Mariana. Mariana era uma militante comunista que em plena fase da clandestinidade circulava agindo na estruturação do partido. Em uma ocasião ela foi pedir recursos a uma mulher que tinha dinheiro, e ela então dizia: “como você, na clandestinidade, com dificuldades tão grandes que a gente vive, em um país que vive um momento de limites democráticos, ainda consegue ser feliz?”, e ainda com tantas limitações também econômicas que Mariana tinha. Aí ela disse: “a minha felicidade está na perspectiva que eu tenho. Eu tenho a perspectiva do socialismo, eu acredito nessa possibilidade”, e eu acho que é isso, a alegria vem disso, da esperança que eu tenho que esse mundo tem jeito (risos).

De São Paulo,
Luana Bonone