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Paul Krugman: O mundo em desequilíbrio

Na política, as viagens internacionais geralmente representam gestos simbólicos. Ninguém espera que o presidente Barack Obama volte da China com grandes acordos econômicos, ou de qualquer ordem, na bagagem.

Por Paul Krugman, do The New York Times, na Terra Magazine

A esperança é que, nos bastidores, os governantes dos dois países tenham podido estabelecer um diálogo franco e direto sobre suas políticas cambiais. Já que o problema causado pelas desigualdades no comércio internacional está prestes a piorar. E um sério confronto nos espera, caso a China não tome as devidas providências.

Eis o que aconteceu: A maioria das moedas mundiais "flutua" no mercado, em relação de interdependência. Ou seja, seus valores relativos sobem ou descem de acordo com as forças que agem sobre o mercado. Isso não significa necessariamente que os governos não tentem influenciar esse movimento: alguns países chegam a limitar os fluxos de capital quando aumenta a demanda pela sua moeda (como fez a Islândia no ano passado) ou desencorajam a entrada abusiva de dinheiro quando temem pela ação de especuladores mal intencionados (a medida tomada agora pelo Brasil). Mas a maioria dos países tenta manter o valor de sua moeda alinhado com fundamentos econômicos de longo prazo.

A grande exceção é a China. Apesar do superávit comercial e do desejo de investimento externo em sua economia que não para de crescer – elementos que valorizaram o yuan, a moeda chinesa – as autoridades da China fizeram de tudo para manter sua moeda em constante baixa. Isso foi feito através da compra de uma grande quantidade de dólares ao longo dos anos.

Além disso, nos últimos meses a China tem sido especialmente dedicada a essa estratégia, mantendo a taxa de câmbio entre o dólar e o yuan fixa, apesar de a moeda americana ter caído significativamente em relação a outras principais moedas. Isso deu aos exportadores chineses uma vantagem competitiva contra seus concorrentes internacionais, especialmente os fabricantes de países em desenvolvimento.

O que faz da política econômica chinesa tão ameaçadora para o resto do mundo é a crise mundial. A moeda barata e os estímulos fiscais afastaram uma segunda Grande Depressão. Mas os legisladores não conseguiram gerar os gastos necessários, tanto na área pública quanto na privada, para combater o desemprego em massa. E a política chinesa de manter sua moeda desvalorizada potencializa ainda mais o problema, direcionando a demanda mundial para a China e forrando os bolsos dos seus exportadores, agraciados por essa competitividade artificial.

Mas por que esse problema tende a piorar? Porque a verdadeira dimensão do transtorno causado pela China foi, nos últimos 12 meses, mascarada por fatores passageiros. Logo veremos o superávit comercial da China e o déficit comercial dos Estados Unidos.

É isso que diz o artigo escrito por Richard Baldwin e Daria Taglioni, do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais em Genebra. Eles argumentam que o desequilíbrio da balança comercial, causado pelo superávit da China e o déficit americano, tem sido menor do que há alguns anos. Mas também comentam que "essa melhoria do desequilíbrio global é ilusória – um efeito colateral transitório da maior queda comercial que o mundo já viu."

A queda que vimos em 2008/2009 foi certamente um recorde. Ela revelou que o comércio de hoje é dominado pela venda de bens duráveis e, em face a uma crise financeira séria e toda a incerteza que ela causa, tanto os consumidores quando as empresas deixam em segundo plano a compra de tudo que for não para o consumo imediato. Como isso reduziu o déficit comercial norte-americano? A importação de mercadorias como automóveis despencou, como aconteceu com alguns produtos de exportação dos EUA, mas como chegamos à crise importando muito mais do que exportávamos, o resultado líquido foi mais ameno.

Mas, com a crise financeira se dissipando, esse processo tende a se reverter. Os últimos relatórios demonstram um aumento significativo do déficit comercial norte-americano entre os meses de agosto e setembro. E o resultado deve se repetir nos próximos períodos.

O que podemos esperar a partir de agora é a justaposição entre os déficits comerciais norte-americanos e o superávit da China, causando o desemprego nos EUA. Se eu fosse o governo chinês ficaria muito preocupado com esse cenário.

Infelizmente os chineses não conseguem entender. Em vez de reformular suas políticas cambiais, eles resolveram tentar influenciar os EUA a aumentar os juros e controlar os déficits fiscais – medidas que só aumentam o problema do desemprego.

Mas eu também não sei se a administração Obama consegue entender a questão. As declarações do governo com relação à política cambial chinesa parecem exageradamente formais e sem urgência.

Isso precisa mudar logo. Eu não vou criticar Obama pelos banquetes e fotos pousadas que tirou na China, isso faz parte do seu trabalho. Mas gostaria de acreditar que, por trás das câmeras, ele tenha advertido os chineses quanto às consequências de sua política cambial.

Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.