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Educação: meios de comunicação formam pessoas altivas e livres

Desde 1995, grupos de alunos de Escolas Públicas Municipais de Vargem Grande Paulista, Sorocaba e Piedade, têm a oportunidade de se educar utilizando como ferramenta os meios de comunicação. Esta experiência é narrada pela coordenadora dos projetos Rádio-Escola e Vídeo Escola, Grácia Lopes, no livro "Educação pelos meios de comunicação ou Produção coletiva de comunicação, na perspectiva da educomunicação".

Por Lia Segre, para o Observatório do Direito à Comunicação.

Lançado em novembro, o livro é resultado da tese de doutorado de Grácia, que reflete sobre os 14 anos das iniciativas em educomunicação nas escolas do interior paulista.

Desde 2000, as crianças constroem coletivamente programas comunitários de rádio e vídeo, com notícias e assuntos de interesses locais sem que exista professor ou aluno, mas pessoas que se convocam pra fazer a tarefa, segundo as palavras da professora Grácia. Nestes processos de autoria, a capacidade de criação tem mais espaço, pois as pessoas "conseguem entrar em contato consigo mesmas".

Pouco tempo depois da estréia do primeiro grupo, Grácia percebeu alguns fenômenos interessantes que diferenciavam aquelas crianças das demais, como a perda da inibição para falar em público, seja qual fosse a composição da platéia e sobre qualquer assunto. As crianças que passaram pelos projetos, diz a professora, são mais altivas e seguras, por conhecerem seus direitos.

Os projetos de rádio e vídeo, autogeridos pelas crianças, as ensinam a se responsabilizar pelo que dizem e as deixam livres para que elas possam dizer mais. Nos programas de entrevistas, elas aprendem a questionar o que querem saber e não imitar perguntas óbvias e repetitivas – e o conhecimento, como ressalta Grácia, vem da dúvida.

Já as experiências com vídeo têm efeitos sobre a auto-estima e promovem a autonomia. Ao verem a própria imagem, as crianças mudam a postura para o que querem parecer, perdem a vergonha do corpo, sem ninguém que lhes diga como devem se portar. Grácia diz que isso é uma conquista, pois o que se aprende, em geral, é ter vergonha do próprio corpo, sempre comparado aos das celebridades e aos modelos propagados pela mídia.

Educação libertária

O tipo de educação evocada pelos projetos é a pedagogia libertária. Esta, segundo Grácia, "leva ao fortalecimento da individualidade, que só é possível com os outros”. “Individualismo é egoísmo. O grupo não anula o indivíduo, e o indivíduo se faz no grupo”, reflete a educadora.

A escolha da comunicação comunitária não oficial tem um propósito: se diferenciar da mídia comercial, "que transforma a todos em consumidores". Esta comunicação não visa tirar partido em benefício de uma elite, não é lucrativa, é uma comunicação que não precisa pedir licença para existir. “Quem define os rumos é a própria comunidade, não o governo, a diretora. Ninguém além do próprio grupo.”

Por tudo isso, a proposta de educomunicação incomoda porque o sistema não agüenta pessoas autônomas. Segundo Grácia, já houve experiências de educação libertária no Brasil, “mas não restaram nem os prédios, pois para o sistema é necessário uma educação que nos ensina a obedecer, acatar, consentir”. “No primeiro dia de aula da educação formal aprendemos a fazer fila, olhar a nuca e seguir mansamente para o matadouro”, lembrou a professora. Mesmo que incomode, eles não pretendem parar.

Os educomunicadores não se definem como categoria profissional, por acharem que não só especialistas tem direito à comunicação. Lutam pela popularização da comunicação, que por princípio educomunicador deve ser feita por todo tipo de gente, mesmo analfabetas. O aprendizado com os meios de comunicação não está pronto, é um processo a longo prazo como todo processo de educação. “E talvez por isso é tão apaixonante”, diz Grácia, emocionada.

Fonte: Revista Fórum