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Desonerações não compensam problema cambial

Um dos mitos presentes na questão cambial e competitividade é o de que, no caso brasileiro é possível "compensar" a valorização do real relativamente às demais moedas, com a redução de custos sistêmicos, como tributários, burocráticos, logísticos, etc., ou ainda com os ganhos de produtividade no âmbito das empresas.

Por Antonio Corrêa de Lacerda, na Terra Magazine

Para buscar equilibrar os diferentes níveis de competitividade, os países adotam tarifas de importação e outros artifícios de política comercial que, em tese, deveriam corrigir diferenças. No entanto, estamos diante de um grave problema cambial, de ordem internacional, mas que no Brasil ganha contornos ainda mais dramáticos. O dólar norte americano vem se desvalorizando no cenário pós-crise.

Trata-se de uma estratégia, nem sempre assumida explicitamente, do governo dos Estados Unidos e do Federal Reserve (FED), para aumentar a competitividade das empresas locais, o que deve contribuir para diminuir o déficit comercial do País. Para isso, mantém taxas de juros nominais próximas de zero, o que significa um juro real negativo, também para estimular a saída da recessão.

Esse processo faz com que a maioria das moedas se valorize relativamente ao US dólar, porém, com uma importante exceção que é a China. Somente nos dez primeiros meses deste ano, enquanto a moeda brasileira foi uma das que se valorizou frente ao US dólar, com 35%, outras moedas de países que competem com o Brasil, como, por exemplo, o Won coreano valorizou-se apenas 9%, o peso mexicano 5% e o yuan chinês zero. Ou seja, perdemos competitividade frente a estes países, especialmente vis a vis aos chineses. Um recente estudo da Goldman Sachs, considerando um período mais longo, denota uma apreciação de 50% do real frente ao yuan.

Reduzir o "custo Brasil" e melhorar a competitividade sistêmica é algo necessário para manter e ampliar a competitividade da produção brasileira. Isso também não dispensa as ações de aumento de produtividade das empresas, nem tampouco as atividades de inovação, o que deve sempre fazer parte de uma ampla política pública que fomente as estratégias empresariais nesse sentido.

Mas, isso, embora imprescindível, não vai compensar o gravíssimo problema da perda de competitividade advindo da valorização do real. Trata-se aqui de problemas que, embora digam respeito à competitividade, são de naturezas distintas. Concorremos cada vez mais com países que tem melhores condições de competitividade tanto sistêmica, quanto das empresas, e que também adotam agressivas políticas comerciais e industriais. Adicionalmente, no caso mais flagrante da China, utilizam a política cambial e outros artifícios, como as práticas de dumping, nem sempre de fácil caracterização, para ganhar mercados.

Ignorar o grave problema da perda de competitividade derivada da valorização cambial enfrentar o jogo do mercado internacional em condições desfavoráveis pode comprometer a industrialização conseguida a duras penas. O quadro atual de valorização nos tornará crescentemente dependentes de produtos primários, em detrimento daqueles de maior valor agregado. Isso não vale apenas para a exportação, mas para a produção interna, que compete com os importados, e também para a atração para novos investimentos, uma vez que os países comparam custos de produção em dólares para cálculos de viabilidade e localização de seus novos projetos.

O Brasil deve sim aproveitar o seu protagonismo internacional e continuar a interagir nos vários fóruns contra esse desequilíbrio cambial global. Mas deve, urgentemente, adaptar a política cambial doméstica para o novo cenário, algo que também torna imprescindível o aprimoramento da política monetária, que ainda mantém juros excessivamente elevados para padrões internacionais, e da política fiscal, principalmente, que propicie um horizonte de sustentabillidade intertemporal das contas públicas.

*Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" (Saraiva). Foi presidente do Cofecon e da SOBEET.