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A ruína da Wall Street do Golfo Pérsico

Aos 60 anos de idade, o líder de Dubai não é uma personalidade usual. O xeque Mohamed bin Rashid al-Maktum constituía um modelo para o mundo árabe e, especialmente, para os emirados do Golfo Pérsico.

Por Serbin Argyrovitz, no Monitor Mercantil

A revelação de Dubai em pólo de atração para milhões de turistas foi um feito invejável para esta periferia do planeta, a qual tem sido conhecida, principalmente, por causa de seus recursos petrolíferos.

Feliz ou infelizmente para Dubai, suas reservas petróleo são mínimas em comparação com as de seus vizinhos e muito em breve se esgotarão. O xeque decidiu "jogar" com marinha mercante, serviços financeiros, turismo, entretenimentos e até arte. Mas, como se tornou óbvio, não reunia condições para prever a crise mundial no setor bancário e o estouro da bolha no mercado de imóveis.

Há alguns dias, o pedido de Dubai World – um dos grupos estatais do emirado – de congelamento por seis meses de dívidas totalizando US$ 59 bilhões provocou rebuliço nos mercados e criou várias perguntas em torno de um possível fenômeno dominó.

Além disso, em vários veículos de comunicação mundial, a derrocada do grupo estatal foi – talvez erroneamente – apresentada como o início de uma evolução descendente, com próximas "vítimas" vários países do mundo.

Cavalos de corrida

Aqui, em Dubai, o xeque Mohamed bir Rachid al-Maktum goza de "elevada estima, consideração e respeito" e é conhecido internacionalmente como um dos maiores criadores de cavalos de corrida.

Assumiu as rédeas do emirado de Dubai em 2006 após a morte de seu irmão com um objetivo de grande fôlego: modernizar a estreita faixa de deserto de areia, em cujo porto natural encontravam no passado refúgio piratas, comerciantes e traficantes de escravos.

Seguindo à risca o sonho de seu pai, o xeque Mohamed, planejou criar em Dubai a encruzilhada do Grande Oriente Médio, da Ásia Ocidental e da África, atraindo investimentos dos países vizinhos, como Abu Dahbi e Irã, assim como do Ocidente e da Rússia.

O emirado foi inundado por gigantescas construções de arranha-céus de aço e vidro, foi enriquecido com lagos artificiais – ignorando qualquer sentido de economizar recursos hídricos – construiu praias e gigantescos campos de golfe e, naturalmente, fundou sua própria empresa aérea, a Emirates Airlines, com destacável presença internacional.

Wall Street do Golfo Pérsico

O desvario da ofuscante e futurista urbanização de Dubai encontrou eco. Banqueiros ocidentais apressaram-se para adquirir espaço no novo Centro Econômico Internacional de Dubai que, segundo se propagava, muito em breve seria Wall Street do Golfo Pérsico.

As famosas casas de leilões de obras de arte Christies"s e Sotheby"s abriam filiais aqui. Inúmeros arranha-céus foram construídos, mas hoje vários deles permanecem vazios ou com a construção inconclusa. As grandes e poderosas empresas de alta tecnologia, como a Cisco Systems e a Microsoft, criaram bases na "Cidade de Internet" de Dubai, enquanto várias centenas de jovens tecnocratas declaravam manifestações de adoração "ao patrão Mohamed".

O "patrão Mohamed" alimentava a competição entre eles, convencendo-os de que "aqui tudo se faz", basta se dedicarem à materialização do "sonho" com vida e inspiração. O presidente da construtora Emaar Properties, Mohamed Alabar, havia proposto a construção de um arranha-céu, o qual definiria o novo centro de Dubai, e o xeque Mohamed pediu-lhe para construir o "edifício mais alto do mundo".

Além das construtoras, o próprio xeque Mohamed havia conformado condições competitivas, também, para os capitais privados de investimentos, os quais canalizavam elevados volumes com dinheiro que tomavam emprestado fora de Dubai.

Contudo, a crise financeira pulverizou o "milagre econômico" do Golfo Pérsico quando foi revelado que Dubai havia contraído dívidas entre US$ 60 bilhões e US$ 80 bilhões, e quem sabe até mais. Mas o próprio xeque Mohamed e vários colaboradores de seu estafe de conselheiros econômicos recusam-se a aceitar a realidade.

Até o ministro de Economia, que havia sido nomeado pelo próprio xeque Mohamed para que "regulamentasse" as empresas estatais, foi defenestrado. Obviamente, inúmeras mudanças administrativas foram realizadas nestas empresas, mas o xeque Mohamed insistia até o último momento, que Dubai cobriria – em tempo – suas obrigações.

Também agora considera a reação dos mercados internacionais "excessiva", pois, "não compreendem que há desejo e intenção para solução de todos os problemas".

Mas quando tornou-se conhecida e iminência de dificuldades econômicas? Ao que tudo indica, desde o ano passado. Em algum momento, o vizinho emirado de Abu Dabi emprestou a Dubai US$ 10 bilhões, mas este volume de recursos caiu em "buraco negro". Talvez Dubai esperasse que Abu Dabi fosse correr imediatamente a seu socorro, mas no final foi desmentido.

Comentários proféticos

"Seguramente, chegará o dia em que Dubai fará com que as excessivas reservas deste mundo se esgotem". Como esta indicativa introdução o jornal britânico The Guardian comentou os grandiloquentes planos do emirado árabe que, conforme destacou, "representam o desejo, o sonho e as ambições da espécie humana, mas muitos acreditam que está lançando uma luz nada elogiosa à nossa tendência para cometer loucuras".

Mas o interessante consiste no fato de que este comentário não foi publicado nestes últimos dias, mas em dezembro do ano passado, quando a imprensa ocidental tendia mais para elogiar do que exercer crítica às atuais "Torres de Babel" que eram construídas no emirado.

O fato que motivou este comentário do analista, Lew Hekman, foi a notícia de que havia sido iniciada a construção – com perspectiva de conclusão em 2010 – de uma piscina de 820 m², com praias artificiais, ambas climatizadas, que ofereceria aos visitantes o luxo de banho de mar sem serem submetidos às condições naturais da região, que no verão registra temperaturas de 50°.

O analista do Guardian não faz economia de comentários relativos ao esforço necessário para funcionar este projeto, o qual, conforme avalia, fará os ambientólogos do mundo inteiro segurar o queixo.

Mas, também, não deixa de destacar que "em uma parte do mundo como o Dubai, este atrevido projeto passa relativamente despercebido entre outros, como o transplante de 30 mil árvores maduras compradas pelo emirado e destinadas à criação de um jardim".
E, em tempo, pergunta:

"Mesmo sem as ameaças gêmeas de mudança climática e da queda mundial, é lógico alguém construir projetos de tal escala em um lugar do mundo descrito pela Organização das Nações Unidas como a mais arriscada região do planeta no que diz respeito a suficiência de água?"