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Walter Sorrentino: Transições na vida do PCdoB

Neste artigo, preparado para a revista Princípios de janeiro e fevereiro por Walter Sorrentino, secretário de Organização do PCdoB, o dirigente fala sobre o 12º Congresso do partido, realizado em novembro de 2009. Segundo ele, o PCdoB, "mais maduro" quer "fazer política com mais generosidade ainda pelo povo brasileiro". Confira a íntegra. 

Walter Sorrentino

São muitas as vozes que proclamam: neste 12º Congresso o PCdoB amadureceu. Nele foram deliberados 7 documentos, num consenso facilitado ao longo do processo de quase oito meses. Centenas de emendas foram apresentadas na plenária nacional – por isso é tão decantada a unidade dos comunistas. Ela vai sendo tecida laboriosamente. Quando se aprova um documento gera-se uma coesão como a de muitas camadas flexíveis superpostas que aderem num todo único e conferem firmeza ao conjunto.

Foram 103 mil militantes reunidos para perfazer o êxito do congresso. São os mais comprometidos entre os 202 mil membros do partido em todo o país. Tudo começou com a mobilização de 4 mil quadros convocados a liderar o debate nas fileiras partidárias e na sociedade. Além disso, uma série de mesas de diálogo e um grande Seminário foram realizados, promovendo o intercâmbio entre a elaboração partidária e o conhecimento científico, cultural e político avançado do país. Ao fim e ao cabo de 1700 conferências municipais, 1900 assembleias de base nas capitais e maiores municípios, 27 conferências estaduais que mobilizaram cerca de 10 mil quadros delegados em debate mais aprofundado e deliberativo, chegou-se a um congresso com 1100 delegados e mais 200 convidados, com representação de cerca de 50 delegações de 32 países, totalizando 90 delegados. Em termos de democracia interna o PCdoB é um bom exemplo.

Congresso

Uma marca muito saliente: foi um congresso marcado pela participação das mulheres. Concretamente, elegeu Luciana Santos vice-presidente nacional. Mais três presidentes estaduais se somam no país: Vanessa Grazziotin (AM), Ângela Albino (SC) e Tânia Soares (SE) formam agora ao lado de Nádia Campeão (SP), Ana Rocha (RJ) e Jô Moraes (MG). As mulheres são quase metade nas bases e passaram a ser, no mínimo, 30% nas direções. Metade da mesa dirigente do Congresso era composta de mulheres. São simbologias, gestos, mas quanta importância têm para demonstrar o compromisso concreto que se assume em termos de igualdade nas relações de gênero!

Programa socialista, projeto desenvolvimentista, partido militante

Os três temas congressuais refletem o clima vivido na sociedade brasileira neste momento seminal, de retomada de horizontes da nação e da realidade da América do Sul. Programa, projeto imediato, partido. O mais destacado é o Programa Socialista atualizado, o quinto em toda a história partidária de 87 anos. O 12º Congresso entra nos anais partidários por essa aquisição. O socialismo é o rumo, pelo caminho do fortalecimento da nação, da plena democratização da sociedade e no progresso social que a época demanda. O novo Programa condensa décadas de aprendizado. Há nova relação metodológica entre rumo e caminhos, nação e socialismo, estratégia e tática. É o primeiro que situa as propostas do PCdoB radicalmente na história política do país e no curso da luta atual por um novo projeto nacional. As propostas do PCdoB ganharam nitidez perante a sociedade. Ele não luta apenas por um projeto do futuro, quando tudo começaria a mudar, mas pelo presente que abre caminho ao futuro, alcançado por meio de transições, reformas e rupturas combinadas.

Marcante a ideia de um terceiro salto civilizatório na constituição da nação, sucedâneo dos grandes feitos históricos da Independência no século 19 e da modernização nacional, no século 20. Salto consubstanciado de imediato na luta por um novo projeto nacional, de desenvolvimento soberano, democrático e distribuidor de renda e de integração continental. Algo que permita não só avançar em relação aos dois mandatos positivos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também abrir caminho a transformações verdadeiramente revolucionárias de sentido civilizatório, exigências históricas contemporâneas como as de emancipação do trabalho e das mulheres, de desenvolvimento compatível com a defesa do meio ambiente, de edificação de uma sociedade do conhecimento, com cultura e dignidade para todos. Ou seja, combinar o ideal da igualdade de direitos com o das liberdades fundamentais para todo o povo e soberania e afirmação nacional. Projeto tal exigirá novo poder político assentado na vontade da maioria, o povo trabalhador, e uma economia de transição, onde o Estado é posto ao serviço do projeto de desenvolvimento nacional, antes de promover mais ampla socialização de meios de produção, sob variadas formas e meios. Isso é o socialismo, democrático e popular, à moda brasileira, em comunhão com o internacionalismo dos trabalhadores. Socialismo não é apenas projeto ético – embora também o seja, porquanto invoca vontade e responsabilidade humana – sobreposto ao fazer político cotidiano, mas projeto político, econômico e social determinado, definido, tangível, exequível.

O projeto imediato é situar essa luta no contexto do presente: um mundo em transição na correlação de forças e do ponto de vista geopolítico; uma crise econômica mundial capitalista, ainda em desenvolvimento; um Brasil otimista com o percurso destes anos de governo oriundo das forças populares, mas ao mesmo tempo diante de poderosas armadilhas e dificuldades. A questão central é dar continuidade ao ciclo aberto em 2002 no país, alcançando uma nova vitória do povo nas eleições presidenciais de 2010. Arregimentar clareza programática, forças amplas e construir uma candidatura para isso é o objetivo tático central imediato, para aprofundar as mudanças já iniciadas, a plena defesa dos interesses nacionais e populares e a integração sul-americana.

Há ainda o tema partido, porque sem partidos políticos não se arregimentam convicções e energias. Incrível como o tema partido está “por baixo”. Parece que todos se vergam sob o peso da crise da política e da representação política. O PCdoB sofre o impacto da crise, mas teima. Teima em partido de engajamento, militância, centralismo democrático, redes organizativas de base, trabalho de formação permanente de consciência crítica, que se recusa a atuar apenas em períodos de eleições. Teima em atuar no movimento social, desde a base, cotidianamente. O 12º Congresso dedicou sua energia àquilo que é a alma de um partido: seus quadros políticos. Trata-se de saber como lidar com eles, formá-los, motivá-los e prepará-los para liderar a sociedade. A política de quadros atualizada sana uma dívida histórica dos comunistas em fazer o aprendizado a partir da experiência e adaptá-lo ao espírito do tempo. É um poderoso movimento antidogmático, de recusa de modelos fixos e de respostas da organização política perante a estratégia firmada. Com a nova política de quadros, o segundo documento mais debatido do Congresso, desvela-se um partido aberto, arejado, movido à base de consciência, a qual só viceja com liberdade de opinião, respeito pelos indivíduos e compromissos com a vida partidária coletiva. Só assim se pode relançar o espírito militante na escala requerida. Não por acaso o PCdoB mobilizou mais de 50% de seus filiados na condição de militantes. E ainda acha pouco. A política de organização anseia um partido comunista de massas alicerçado em ampla militância, governada por larga e temperada estrutura de quadros.

Vingou!

Ano de 1946 foi auge de prestígio para os comunistas no mundo todo, após a vitória das forças democráticas contra o nazifascismo, com papel decisivo da União Soviética. No Brasil, trabalhadores, juventude, intelectualidade estavam imbuídos de perspectiva de futuro de liberdade e progresso. O PCB – Partido Comunista do Brasil – crescia a olhos vistos. Organizou a 3ª. Conferência Nacional para responder aos novos desafios. Alcançou 10% dos votos em eleições presidenciais concorrendo com Iedo Fiúza, em campanha de três semanas. Elegeu 14 federais e um senador, Luiz Carlos Prestes, cavaleiro da esperança, que sai da prisão com inúmeros outros quadros. A Conferência reuniu 94 delegados de 21 estados. 4 mulheres. 25 intelectuais. Novo Comitê Nacional eleito somava 152 anos de prisões dos 240 anos de condenações totais. Assumiram posto na direção nomes legendários como Prestes, Arruda, Amazonas, Grabois, Pomar, Caires Britto entre outros. Mais adiante, o mesmo órgão A CLASSE OPERÁRIA estampava manchetes “por um partido comunista de massas” para fazer frente à onda de crescimento e prestígio do partido. Nem houve tempo, nem elaboração: em 1948, novamente levada à ilegalidade e clandestinidade, a organização política ficou relativamente atrofiada.

Só em 1985 PCdoB retomaria existência legal. Nesse período, o Brasil iniciou duas décadas “perdidas” em termos de desenvolvimento, o mundo viveu uma ofensiva das ideias neoliberais. Além disso, instalou-se crise aberta do socialismo com o esfacelamento da URSS e do Leste. A esquerda naquele momento encontra-se hegemonizada pelo PT. Tal situação prometia ser a “pá de cal”: os comunistas só sobreviveriam como presença nostálgica e testemunhal do processo político, condenados à irrelevância. Afinal, por que continuariam ativos os comunistas?

Ano de 2009. Tem lugar o 12º Congresso. O ambiente não é de perseguições ou condenações, mas de reparação. O Congresso abriga sessão especial da Comissão de Anistia, com a presença do ministro Tarso Genro, homenageando os comunistas. Liberdade. O Presidente da República e mais 7 ministros, além de inúmeros senadores, deputados e outras autoridades marcam presença. Lula faz discurso emocionado, sentido, digno da relação de amizade e confiança estabelecida. Dilma inaugura seu discurso eleitoral: caber-lhe-á seguir adiante com o projeto iniciado em 2003.

Um partido com influência política crescente, respeitado e com autoridade entre as demais forças, mesmo as adversárias. Retoma ligações com a intelectualidade, aprofunda ligações com o movimento social, em particular dos trabalhadores e da juventude. O Brasil tem de novo o sentimento de futuro, de rumo, recobrou autoestima, quer aprofundar mudanças. O mundo é outro: há uma crise econômica em desenvolvimento e o poder imperialista dos EUA está relativamente enfraquecido. A América latina vive um ciclo progressista.

Renato Rabelo, presidente nacional, diz: “nitidez de rumo é a grande aquisição do 12º Congresso”. O PCdoB sabe o que quer, o que propor à sociedade e o que fazer para alcançar seus objetivos. O rumo da luta do partido é o socialismo e o caminho, o do fortalecimento da nação. Unir os componentes nacionais, populares e democráticos da luta dos brasileiros num grande caudal transformador. E constituir uma organização política no espírito do tempo, um partido de princípios e moderno, revolucionário e contemporâneo, capaz de atualizar-se permanentemente, vanguardeiramente, como deve ser. Um ministro influente, muito respeitado pelos comunistas, politicamente culto e crítico, queria saber: como os comunistas, em situação tão defensiva aos 20 anos da queda do Muro, estavam se desenvolvendo a olhos vistos no Brasil; como, além de se desenvolver, vinham conseguindo respeito e imagem mais positiva na sociedade, sem ter aberto mão de sua identidade? Como alcançou esse resultado havendo na esquerda um partido tão forte quanto o PT?

De fato, o PCdoB se desenvolveu e afirmou no cenário brasileiro. Vingou! Por quê?

Conta decididamente a quadra política favorável deste período com forças populares no centro do poder no país em nosso país. Conquista construída desde a luta contra a ditadura, passando pelo apoio a Lula desde 1989, chegando com ele ao governo central em 2002. O terreno estava semeado e os comunistas souberam situar-se e aproveitar a colheita.

Mas eram muito exageradas as notícias de nossa morte, como já disse alguém famoso. Os erros cometidos na primeira fase da experiência socialista não eram de senilidade, mas de primarismo e contexto histórico. No rebaixamento de horizontes transformadores que se produziu com a derrota estratégica – ainda não de todo superada – o importante era manter consciência crítica, atualizar a teoria, reformular estratégia e programa, adequar a organização política. O PCdoB empreendeu esse curso. Envolveu intenso esforço antidogmático, ainda em curso.

Curioso alguns chamarem isso de pragmatismo, reformismo ou coisas afins. O que pode haver de mais marxista que grande firmeza de objetivos, rumos, propósitos e princípios aliada a uma flexibilidade máxima em termos de caminhos e meios políticos, bem como de formas de organização para persegui-los, abordando sua realização? Essas foram lições de luta deixadas por grandes líderes comunistas e outros estadistas no século 20. O que haveria de mais avançado que desenvolver o arsenal teórico e político para responder aos novos fenômenos e às novas condições da luta política de classes? O que é mais inteligente do que reagir às condições cambiantes do tempo, da realidade política de forças, para seguir perseguindo o mesmo rumo?

Esta uma primeira razão da longevidade: o PCdoB é o partido do socialismo, e o socialismo o princípio e fim de sua existência. O socialismo tem significativo percentual de simpatia em pesquisas de opinião no Brasil.

Há ainda outras razões. O patriotismo inconteste dos comunistas, compromisso com as liberdades políticas e interesses do povo trabalhador, comprovada na história política do país. A imagem partidária é ligada à luta por direitos sociais do povo trabalhador e se elevou muito, neste último período, o papel do PCdoB junto aos trabalhadores da cidade e do campo, além de manter-se como a principal força política na juventude.

Consciência crítica é uma terceira razão. Ela ficou embotada por muitos anos no movimento comunista, petrificada numa escatologia dogmática. Nos últimos anos, forçados pelos desafios, comunistas de várias partes do mundo, sem abandonar a identidade, se desfazem de dogmas. Entre eles o PCdoB é saliente. Entretanto, não esquecer um minuto sequer as inauditas dificuldades existentes todavia para acumular forças ideais e sociais, reconstituir um sujeito histórico-político, atualizara o marxismo, que permitam aos trabalhadores repor na ordem do dia a questão de outro modelo de sociedade, socialista.

Para além de tudo isso, há o sentido de engajamento dos comunistas, de militância e sua unidade. E a proverbial capacidade de se situar com justeza no curso da realidade política, da correlação de forças, abrindo caminho para avanços do Brasil e do povo. Isto lhe confere o caráter de um partido politicamente experimentado, que “dá rumo sempre”, como disse Lula ao Congresso. Quer dizer, é um estado-maior para a luta política, com capacidade de atuar no curso real da vida política.

Tudo isso tornou o 12º Congresso um marco de maturidade. O PCdoB vive transições e mudanças que lhe destinam papel ascendente na vida política nacional. A batalha de 2010 deverá ser mais um divisor de águas: o partido quer e pode entrar no rol dos partidos médios do ponto de vista eleitoral. Já foi o 5º mais votado ao Senado em 2006 (uma só vaga em disputa) e o 7º mais votado nas capitais a prefeito em 2008. E é o partido que ampliou, nestes últimos 4 anos, em 50% os efetivos. Com uma terceira vitória popular à presidência da República, abrem-se as portas para um partido de 500 mil a 1 milhão de membros.

Comunistas são de raiz

Nem todos aquilatam o sentido de tamanha transformação no papel dos comunistas. A grande mídia, particularmente, nega valor, preferindo ainda a visão estereotipada e estigmatizada, que lhe é tão cômoda quanto é parte do combate político rasteiro, ao invés de combater o bom combate a favor ou contra as teses partidárias, dos projetos para o Brasil. Muitos setores da sociedade se surpreendem ao ter relação com o PCdoB.

A revista Época, em matéria sobre o Congresso, fala de “neocomunismo à brasileira”, “mais forte que nunca”. As pessoas buscam jabuticabas, uma originalidade nacional. Não é o caso, pois ocorre também em outros lugares. “Seria possível creditar o aumento de influência do PCdoB a uma dose de sorte… mas vai muito além disso“, diz a reportagem, garantindo tratar-se de “ uma guinada impressionante”, principalmente porque “apesar das demonstrações de pragmatismo, a doutrina do comunismo continua viva no interior do PCdoB”. A matéria das organizações GLOBO deixa o chamado: lidem com o PCdoB tal como ele é, de fato. CartaCapital também faz boa ginástica para entender o que ocorre e acaba por fornecer um painel rico da diversidade que é o PCdoB atual.

A maioria das pessoas, quando desenha uma árvore, não inclui nela a raiz; mas esta tem mais massa e extensão do que o resto da árvore. Os comunistas são de raiz; por isso se desenvolve o PCdoB. Tem raiz no tempo histórico e são radicais no projeto transformador. O seu crescimento pode surpreender alguns, mas quem o conhece mais de perto sabe das razões desse crescimento.

O PCdoB se lançou às águas do rio, não teme desbravar o novo. Faz isso com responsabilidade e princípios, sem imaginar-se permanentemente à beira de precipício, nem ficar entrincheirado em escarpadas montanhas ou recolhido ao conforto de certezas doutrinárias. Quer a luta no leito largo das forças políticas nacionais, como intérprete dos anseios do povo trabalhador, mergulhado no curso político real. O PCdoB confia em sua base teórica, em sua política, em sua militância e em nosso povo. Rejuvenesce por esse modo.

Dificuldades? Deficiências? Limitações? Entraves? Sem dúvidas, poderosos entraves. Demandam maturação das próprias condições objetivas. Seria errôneo não reconhecê-los nem enfrentá-los abertamente. Alcançar militância estável, mais definida em termos de rede organizativa de base, intensificar a presença na luta de ideias, enfrentar as pressões pragmáticas, liberais são algumas delas. É o que o PCdoB busca fazer. Mas sempre procurando adequar-se à flexibilidade da vida com grande resiliência, próprio de uma organização política como instrumento para a ação transformadora.

Armado com as decisões do 12º Congresso, o PCdoB está mais maduro. Consequentemente, quer fazer política com mais generosidade ainda pelo povo brasileiro. Não por acaso, ele, o povo, foi o homenageado do 12º Congresso. “O que o comunista precisa é ter convicção e perspectiva política. É se doar à luta política e batalhar pelo futuro. Num país como o Brasil isso só pode ser feito com alegria.” As palavras de Orlando Silva Jr, Ministro dos Esportes, são muito apropriadas ao tempo. Alegria pelas perspectivas, pela confiança no rumo traçado. O Brasil precisa de uma forte esquerda, de uma hegemonia das ideias de um novo projeto nacional, sendo o PCdoB parte dela. Um PCdoB forte é bom para o país, principalmente para a democracia brasileira.