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Paul Krugman: O Enigma Bernanke

Um republicano venceu em Massachusetts. E não está claro se o Senado confirmará Ben Bernanke para um segundo mandato como presidente do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos). Não é tão estranho como parece: Washington, subitamente, percebeu a indignação popular com as políticas econômicas que socorreram os grandes bancos, mas falharam na criação de empregos. E Mr. Bernanke tornou-se um símbolo dessas políticas.

Por Paul Krugman, do The New York Times, na Terra Magazine

Qual é a minha posição? Admiro profundamente Mr. Bernanke, tanto como economista quanto por sua resposta à crise financeira. (Revelação total: antes de ir para o Fed, ele dirigiu o departamento de economia de Princeton e me contratou para o meu atual cargo lá). Ainda assim, seus críticos têm um argumento convincente. No final das contas, defendo sua renomeação, mas apenas porque rejeitá-lo poderia tornar as políticas do Fed piores, não melhores.

Como chegamos ao ponto em que isso é o máximo que posso dizer? Mr. Bernanke é um excelente economista pesquisador. E, da primavera de 2008 à primavera de 2009, seu conhecimento acadêmico e seu papel político se aliaram perfeitamente, enquanto usou suas táticas agressivas e não ortodoxas para evitar uma segunda Grande Depressão.

Infelizmente, essa não é a história toda. Antes da explosão da crise, Mr. Bernanke era, em boa medida, um oficial da corrente convencional predominante no Fed, compartilhando totalmente da complacência da instituição. Pior: passada a fase aguda da crise, ele deslizou novamente para dentro dessa corrente. Novamente, o Fed é perigosamente complacente – e, novamente, Mr. Bernanke parece compartilhar dessa complacência.

Considere duas questões: a reforma financeira e o desemprego. Em julho, Mr. Bernanke manifestou-se contra uma proposta básica de reforma: a criação de uma nova agência de proteção financeira do consumidor. Ele pressionou o Congresso a manter a situação atual, na qual a proteção dos consumidores contra práticas financeiras injustas é responsabilidade do Fed.

Mas eis a questão: durante o avanço da crise, enquanto os abusos financeiros proliferavam, o Fed não fez nada. Particularmente, ignorou os avisos sobre os financiamentos subprime (de alto risco). Portanto, é surpreendente que, em seu depoimento, Mr. Bernake não tenha reconhecido essa falha, não tenha explicado por que aconteceu e não tenha dado razões para se acreditar que o Fed agirá de forma diferente no futuro. Sua mensagem limitou-se a um “nós sabemos o que estamos fazendo, confiem em nós”.

Como eu disse, o Fed retornou a uma perigosa complacência. E ainda há o desemprego. A economia pode não ter desmoronado, mas está em péssima forma, com o número de pessoas à procura de emprego superando o de postos abertos na proporção de seis para um. Nem Mr. Bernanke espera uma melhora rápida: no mês passado, enquanto previa que o desemprego cairá, ele admitiu que o ritmo de queda será “mais lento do que gostaríamos”. Então, o que ele propõe que se faça para criar empregos?

Nada. Mr. Bernanke não deu nenhuma pista de que sinta necessidade de adotar políticas capazes de atenuar o desemprego mais rapidamente. Em vez disso, respondeu às sugestões quanto a novas ações do Fed com a resposta padrão “apoiar as expectativas de inflação”.

É duro, mas verdadeiro, dizer que ele está agindo como se, depois que os bancos foram socorridos, a missão estivesse cumprida.

O que aconteceu aqui? Minha sensação é que Mr. Bernanke, como muitas pessoas que trabalham próximo ao setor financeiro, acabou vendo o mundo através dos olhos dos banqueiros. O mesmo se pode dizer de Timothy Geithner, secretário do Tesouro, e de Larry Summers, o principal economista da administração Obama. Mas eles não estão diante do Senado, enquanto Bernanke está.

Considerando isso, por que não rejeitar Mr. Bernanke? Há outras pessoas com peso intelectual e astúcia política para assumir seu papel: entre as possíveis escolhas, estariam o meu colega de Princeton Alan Blinder, um ex-vice-presidente do Fed, e Janet Yellen, presidente do Fed de São Francisco.

Mas – e aqui entra minha defesa da renomeação de Bernanke – qualquer boa alternativa para o cargo enfrentaria uma batalha contundente no Senado. E uma má escolha teria consequências realmente desastrosas para a economia.

Além disso, as decisões políticas no Fed são feitas por meio de votação do comitê. E, se Bernanke parece estar pouco preocupado com o desemprego e muito preocupado com a inflação, muitos de seus colegas são piores. Substituí-lo por alguém menos estabelecido, com menos habilidade para administrar a discussão interna, poderia acabar fortalecendo as mãos dos falcões da inflação e causar ainda mais prejuízo à criação de empregos.

Não é uma defesa entusiasmada, mas é o melhor que posso fazer. Se Mr. Bernanke for mantido no cargo, ele e seus colegas precisarão se dar conta de que o que eles consideram um sucesso político é, na verdade, um fracasso político. Nós evitamos uma segunda Grande Depressão, mas estaremos enfrentando o desemprego em massa – desemprego que arruinará as vidas de milhões de americanos – nos próximos anos. E é responsabilidade do Fed fazer tudo o que pode para evitar esse estrago.