Em Fortaleza, comunidades reagem contra instalação de estaleiro

"Nós não queremos trocar o pôr do sol e o nascer da lua por um monte de concreto". Com esta declaração, Pedro Fernandes, um dos moradores do bairro Serviluz, região periférica e litorânea de Fortaleza, capital do Ceará, se posiciona sobre impasse que se formou em torno da construção de um estaleiro, proposto pelo Governo do Estado, na Praia do Titanzinho, sob o argumento do "progresso" e "geração de emprego".

O empreendimento, se instalado na área, afetaria diretamente cerca de 5 mil famílias que vivem da pesca no local. A região do Serviluz também é conhecida pelas ondas e ventos favoráveis à prática do Surf, tendo inclusive estimulado a criação de escolas que ensinam o esporte para novos aprendizes. "Nosso cotidiano está voltado para a praia", disse.

Durante a construção do Plano Diretor da Cidade de Fortaleza no ano passado, a população do Serviluz foi uma das que mais participou das discussões junto com a Prefeitura Municipal. Um dos frutos desta ação conjunta, que é comemorada pela população, é que o bairro agora é considerado Zona Especial de Interesse Social (Zeis). Com isso, a população vê um futuro garantido de melhorias para o local.

Para Lucimeire Calandrini, mais conhecida como Meire, militante do Movimento dos Conselhos Populares (MCP), por ser uma Zeis, no Serviluz não podem se instalar grandes empresas. "No Plano Diretor de Fortaleza discutimos a cidade que queremos, e não a que eles querem", enfatizou. "Governador nenhum pode passar por cima de uma lei que já existe".

Ela explicou que na região é possível explorar o turismo com desenvolvimento sustentável para toda a comunidade, sem ser de maneira centralizada. "Se ainda não existe turismo aqui é porque a comunidade nunca passou por uma melhoria". Ela disse ainda que, Cid Gomes está na posição de governador, mas não vai exercer o cargo a vida toda, e, caso o estaleiro seja construído na região, "o dano ambiental vai ficar para sempre na Praia do Titanzinho".

O Serviluz que queremos

No próximo dia 27 de fevereiro, às 14h, comunidade e movimentos populares se reunirão no seminário "O Serviluz que queremos", para pensarem na formação do Conselho Gestor, melhorias para o bairro e discutir a instalação da Zeis. "Vamos reunir a comunidade para esclarecer os pontos negativos e positivos, para que todos conheçam e possam participar", disse Meire.

Igor Moreira, advogado que integra o MCP, comentou sobre um possível plebiscito que deve ser convocado pela Câmara Municipal para decidir a construção do estaleiro. A proposta de decreto, solicitando a realização de um plebiscito, foi sugerida pela vereadora Eliane Novais (PSB).

Para o advogado a participação democrática serve para garantir direitos e não para retirar os que já foram adquiridos. "A sociedade já conquistou seus direitos através do Plano Diretor e um plebiscito para decidir sobre o estaleiro vai à contramão das conquistas. A comunidade já se posicionou, este estaleiro acaba com a Zeis. Este plebiscito é desonesto".

Segundo informações divulgadas pela imprensa cearense, tanto a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Semace), quanto a Secretaria do Meio Ambiente Municipal (Semam) já foram orientadas pelo Ministério Público Federal a não conceder nenhuma licença ambiental que permita a execução da obra, até que o assunto seja devidamente investigado.

Carta de repúdio

Em carta de repúdio, o MCP rejeita veementemente a construção de um estaleiro na praia, com a alegação de que o empreendimento trará muitos danos à população e ao meio ambiente.

"Segundo noticiado, o governador afirmou que o empreendimento não trará impactos ambientais e sociais. É mentira. É consenso entre os ambientalistas sérios da cidade que o impacto será imenso e não afetará somente o Serviluz, mas toda a orla de Fortaleza", diz parte do documento.

A comunidade se sente chantageada com a proposta do governo cearense, conforme relatado no trecho da carta: "Será que o governador não conhecia as carências do bairro ou será que ele está querendo nos chantagear e dizer que só investe se aceitarmos o estaleiro"? E continua: "As melhorias que o bairro precisa deveriam ser obrigação do Estado e não um capricho autoritário do governador".

Fonte: Adital