Segundo ciclo da crise econômica global sacode a Europa
Aberta a temporada de caça aos frágeis mercados da Zona do Euro. Portugal sob o fogo cerrado da especulação internacional. A Grécia se afunda em uma crise que se agrava a cada dia. O fundo do poço da crise econômica global parece estar ainda longe. É o que apontam especialistas que analisam a crise.
Publicado 10/02/2010 15:53
Em análise publicada pelo Monitor Mercantil, Laura Britt lembra uma canção portuguesa que diz que "Duas portas tem a vida" e, ao que tudo indica, Grécia e Portugal escolheram cada uma a sua nos últimos dias. Agora, qual é a porta que as conduzirá a um atalho seguro ninguém pode responder ainda. No final do mês passado, a Grécia optou por tomar um empréstimo caro — tomou 8 bilhões de euros pagando a mais alta taxa de juro dos últimos dez anos (6,2%) — lastreado em debêntures quinquenais, mas, finalmente, sacou o volume de recursos que desejava e precisava.
Em meados da semana passada, Portugal desejava, inicialmente, tomar um empréstimo de 500 milhões de euros, lastreados por notas promissórias e mais juros. Mas, finalmente, anunciou que tomará um empréstimo de apenas 300 milhões euros, porque constatou que a taxa de juro seria superior a 2%, quando em 20 do mês passado um empréstimo análogo havia-lhe sido concedido com taxa de juro de 0,93%. No final das contas os 300 milhões foram emprestados a Portugal com taxa de juro de 1,37%.
Após esta evolução, o ministro de Economia de Portugal, Fernando Teixeira dos Santos, assestou suas baterias contra os especuladores internacionais e seus jogos, declarando que "Portugal tornou-se o novo butim dos mercados após a Grécia e os investidores têm percepção animalesca". Trata-se, portanto, de duas formas diferentes de gerenciamento da mesma situação. Porque os mercados financeiros internacionais têm voltado sua atenção a Portugal, como o "imediatamente seguinte elo fraco da Zona do Euro".
Diz o ditado que "quando você vende a carne por qualquer preço, você mostra que está desesperado". No caso oposto, isto é, quando você corta suas emissões, você diz: "Todos os outros avaliam erroneamente a situação da minha economia e vou obrigá-los a verem a situação como exatamente está". Mas ambos os argumentos estão errados. Isso porque sozinhas as economias da Grécia e de Portugal não conseguirão sair do buraco. Quando os mercados financeiros agem com tanto dinamismo, então você não pode enfrentá-los sozinho.
Estratégia de saneamento
Mas quando saberemos qual das duas estratégias era a melhor, considerando sempre as condições dos mercados financeiros? Em breve, porque em pouco tempo tanto a Grécia quanto Portugal precisarão sair em busca de novos empréstimos e revelarão os resultados das suas opções.
Anotem que, para este ano, o programa de empréstimos da Grécia totaliza 53-54 bilhões de euros e o de Portugal, cerca de 37 bilhões de euros. Também, a dívida pública da Grécia deverá atingir este ano 120,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, enquanto a correspondente de Portugal oscilará em torno de 85% de seu PIB. Mas, aquilo que deverá ser feito para que o clima negativo seja revertido é existir um coordenado apoio da totalidade dos países integrantes da Zona do Euro, por intermédio da Comissão Européia (órgão executivo da União Européia) ou do Banco Central Europeu (BCE).
Tanto a Grécia, quanto Portugal (por enquanto estes dois, mas há outros) estão pagando caro os empréstimos de que precisam, porque nenhum dos dois países possui uma estratégia total de saneamento de seus problemas fiscais. A propósito da Grécia, dentro do primeiro semestre deste ano o governo será obrigado a decretar novas e mais severas medidas de restrição do déficit.
Segundo ciclo da crise
O mesmo Monitor Mercantil publica também uma análise de Mary Stassinákis apontando que um segundo ciclo de crise, sobre o qual existem temores de que poderá resultar em uma crise de identidade da Zona do Euro, compõem os países de sua periferia. A Grécia não está sozinha no front da crise fiscal apenas com Irlanda e Portugal, mas também com as muito maiores economias da Espanha, da Itália e dos três países bálticos — Lituânia, Letônia e Estônia. Por enquanto.
O exército dos desempregados na Espanha já superou os 4 milhões, pela primeira vez na história do país e, apesar de esforços de dois anos do governo José Luis Rodríguez Zapatero para conter o desemprego, a crise na mão-de-obra iniciada em 2007 está se expandindo.
Os dados sobre o desemprego mês passado revelam que 82% dos novos desempregados são originários do setor de serviços. E já são pesadas as consequências para a ocupação nos setores da indústria e da transformação, nos quais mês após mês aceleram-se os ritmos de redução de novas encomendas.
Simultaneamente, o governo anuncia dados revisados sobre o déficit público do ano passado, o qual avaliava-se oficialmente até meados do mês passado em 9,5% e há apenas alguns dias, foi redimensionado para 11,4%. A exemplo de todos os demais países da "periferia", o Governo Zapatero formulará orçamentos de severa frugalidade nos próximos anos, com objetivo de reduzir o déficit público a 3% até 2013 e a divida pública a 74%, percentuais considerados perfeitamente viáveis pelos especialistas do país.
Margens da Zona do Euro
Providências análogas estão sendo tomadas — por enquanto — na Irlanda e em Portugal, duas das menores economias da Zona do Euro, com o PIB da primeira correspondendo a 1,8% e o da segunda a 1,6% do total do PIB dos 15 países integrantes da Zona do Euro. A economia da Grécia registra 2,6%, mas a da Espanha 11,7%.
Somando estes dois percentuais percebe-se que a crise nas margens da Zona do Euro poderá abalar e até derrubar a própria. E quanto mais velozmente isto se tornar compreensível pelas grandes economias da Zona do Euro, tanto maiores serão as possibilidades de se evitar a "crise de identidade".
Não é por acaso que na quinta-feira passada, quando os "empoados" membros do Conselho Diretor do BCE decidiram manter a taxa básica de endividamento em 1%, o presidente, Jean-Claude Trichet, declarou que "a situação da Zona do Euro pode ser comparada — e até em seu benefício — com a de muitos outros países industrializados."
Posição essencialmente política
Ao que tudo indica, Trichet além de míope, é também surdo, porque além de não enxergar também não ouve nada, tentando mostrar aos mercados do dinheiro caro que, apesar dos problemas nos países da periferia do euro, a Zona do Euro constitui personalidade monetária que permanece dinâmica e merecedora da confiança dos investidores.
Foi uma das poucas vezes em que o presidente do BCE assumiu uma posição essencialmente política. Talvez Trichet — além das mensagens dos mercados financeiros – tenha recebido, também, a mensagem do primeiro-ministro da Espanha, Zapatero, quando declarou em Davos (sim, ele foi), abrindo front também em nível da Zona do Euro:
"Cria choque o fato de alguns, como os EUA, a Grã-Bretanha e a Alemanha, criticarem a Espanha por causa de seus problemas fiscais, quando o governo da Espanha conseguiu até o presente momento não dispor sequer um euro para apoiar os bancos do país, enquanto um destes fortes bancos, o Santander, ajudou a recolher alguns dos escombros do sistema bancário britânico."
Siglitz entra no debate
O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz também entrou no debate. Segundo ele, as pressões do mercado financeiro enfrentadas pela Grécia refletem um comportamento de investidores irracionais "excessivamente excitados" sobre um país cuja situação fiscal está sob controle. Em uma entrevista para a agência Dow Jones, Stiglitz, que está atuando como um consultor informal para o governo da Grécia, disse que o primeiro-ministro George Papandreou adotou um plano inteligente para reduzir a dívida.
"Se alguém olhar para o programa (de dívida) que eles propuseram, é na verdade um programa bastante sério e abrangente que não tenta fazer grandes promessas", disse. "Não está realmente claro para mim que exista qualquer problema fundamental que não seja um ataque especulativo", acrescentou.
Fundo de contingência
Diante de uma escalada nos custos de empréstimos, o governo socialista da Grécia apresentou planos para a CE que tem como objetivo reduzir o déficit orçamentário para 3% do PIB em 2012, de 12,7% registrado em 2009. A União Européia (UE) aprovou aqueles planos na semana passada, mas até agora vem resistindo intervir na Grécia no caso de uma intensificação da pressão financeira.
Contudo, circularam informes na terça-feira de que os líderes da UE estão trabalhando em algum tipo de medidas de apoio. Esses informes suavizaram as tensões no mercado financeiro, reduzindo os custos de empréstimos da Grécia e o custo do seguro contra um possível default da sua dívida.
Stiglitz disse que a UE deveria deixar explícito seu apoio para a Grécia e outros países, como a Espanha e Portugal. Para ele, a UE deve considerar algum tipo de fundo de contingência que possa ser acessado em caso de emergência por um Estado membro. "Eu penso que a Zona do Euro agora se deu conta que esta não é uma questão somente da Grécia. É uma questão para a UE por causa do que está em jogo na Espanha, Portugal e possivelmente outros membros", disse Stiglitz. "A Europa tem de fazer um compromisso de apoio àqueles países e existe uma variedade de formas nas quais isso pode ser feito", afirmou.
Compulsiva irracionalidade
Stiglitz, que está em Londres para promover seu livro sobre a crise financeira e se reuniu na segunda-feira com o primeiro-ministro Gordon Brown, foi contundente em sua avaliação do recente comportamento dos investidores. Ele disse que os representantes do mercado da dívida "estão no processo de superexcitação" e descreveu os recentes movimentos dos preços no mercado de credit default swap market, que mede o custo para uma proteção contra um default, como "absurdos".
Contudo, ele disse que, com a compulsiva irracionalidade dos mercados da dívida, o fracasso dos líderes europeus em conter a pressão especulativa pode ter um preço elevado. "Infelizmente, eu já vi muito desse tipo de padrão para saber que eles podem atacar em qualquer lugar. Portanto, ninguém está imune", disse.
Os ataques de Stiglitz contra o comportamento do mercado financeiro não são novos para um economista que há muitos anos critica as políticas ortodoxas do "Conselho de Washington" e as falhas da teoria de “livre mercado”. Contudo, o ex-economista-chefe do Banco Mundial ofereceu palavras gentis para outro tradicional alvo de suas críticas — o FMI.
Visões sobre o FMI
Stiglitz disse que as condições mais relaxadas que o FMI está impondo em seus programas de empréstimos neste dias significam que a Grécia não deve fechar as portas para a opção de uma aproximação com o FMI, se necessário. "Eu penso que as coisas mudaram. Dez anos atrás minha visão seria bastante diferente", disse o economista.
O prêmio Nobel de Economia reconheceu que seu papel de consultoria ao governo da Grécia não tem sido central. Ele disse que ofereceu a Papandreou conselhos "estratégicos" sobre a política econômica antes da eleição de outubro, vencida por larga margem pelo partido socialista. Agora, Stiglitz disse que continua em contato com o líder grego e membros de sua equipe, mas que não tem tido um contato diário.
O economista admitiu que, em um momento que o governo da Grécia está tentando cortejar os investidores do mercado de bônus, provavelmente o melhor que ele pode fazer é manter distância. "É por isso que eu penso que é bom que ele (Papandreou) tenha uma grande variedade de pessoas envolvidas e não esteja dependendo de apenas uma perspectiva", disse. "Essa é uma das marcas de um bom líder, penso eu", enfatizou.
FMI pode intervir
A cautela de Stiglitz pode ter razão, mas uma solução para os problemas estruturais da crise ainda está longe. A ministra da Economia da Grécia, Louka Katseli, afirmou nesta quarta-feira que o país não está contando com nenhum novo fundo emergencial da UE. "Não há questão sobre um acordo", disse Katseli. "Nós temos uma colaboração em andamento com a UE para a implementação do nosso programa de estabilidade e crescimento, que nós entregamos e que foi aprovado", afirmou.
A ministra falou com os ministros da UE preparando-se para discutir uma resposta no final do dia, antes de um encontro do bloco na quinta-feira. A Grécia também disse que não vai pedir ajuda ao FMI. O conselheiro sênior do Ministério das Finanças do país George Zanias, principal conselheiro econômico do Ministério, disse em um seminário em Bruxelas que "não há necessidade" de auxílio do FMI e acrescentou: "Alguns problemas devem ser resolvidos dentro da estrutura europeia".
Mas, se a UE não conseguir acalmar as preocupações sobre o endividamento da Grécia, o FMI pode ter que interferir — seja essa ajuda bem-vinda ou não. A Europa ainda tem receios de recorrer ao FMI, temendo ficar marcada de forma ruim. Mas, pelo menos, ela poderia usar a experiência de um organismo que já lidou com inúmeras crises de dívida e que já está fornecendo ajuda técnica à Grécia.
Marcha em Atenas
Recorrer ao FMI equivaleria, para muitos líderes europeus, a uma "total abdicação política", disse Paul de Grauwe, professor de economia da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica. Mas um maior envolvimento do FMI daria alguma segurança aos nervosos investidores que estão observando cautelosamente outros países fiscalmente frágeis, como Espanha e Portugal, que também estão altamente endividados. O custo de prevenir a moratória da dívida desses países saltou nos últimos dias.
Se a situação da dívida se mostrar pior que o pensado inicialmente, a Europa pode precisar do auxílio financeiro do FMI. "Há uma alta probabilidade que o FMI precisará intervir para prevenir o contágio", disse um membro do conselho do Fundo, acrescentando que a Europa tinha deixado claro que queria que a instituição lidasse com a questão.
Os maiores prejudicados pela crise, os trabalhadores, marcharam por Atenas durante uma greve de 24 horas nesta quarta-feira que fechou escolas e cancelou voos. A tropa de choque da polícia grega usou gás lacrimogêneo contra algumas dezenas de manifestantes que tentavam quebrar um cordão de segurança no centro de Atenas.
Com informações de agência e Monitor Mercantil