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Europa e Estados Unidos: reféns do sistema financeiro

Os líderes europeus afirmaram que estão prontos para ajudar a Grécia a evitar uma crise na Zona do Euro, mas não divulgaram detalhes sobre como será o apoio. O presidente da União Europeia (UE), Herman Van Rompuy, afirmou após encontro entre os líderes do bloco em Bruxelas que a Europa está enviando à Grécia uma "clara mensagem de solidariedade". Mas há uma equação que não fecha.

Após a reunião dos líderes europeus, o presidente da União Europeia (UE), Herman Van Rompuy, deixou claro que Atenas não fez um pedido formal de ajuda e que, portanto, o bloco não pode realizar promessas concretas à Grécia agora, descrevendo o compromisso de suporte como um comunicado político. O euro, que chegou a se valorizar ao longo do dia por esperanças de um plano mais concreto de resgate à Grécia, caía em meio aos comentários.

O spread entre o juro pago pelos bônus gregos e os títulos da Alemanha considerados como referência aumentava, refletindo a decepção de investidores com a falta de detalhes. "Os Estados-membros da zona do euro vão tomar ações determinadas e coordenadas se necessário para proteger a estabilidade do bloco como um todo", afirmaram em comunicado os chefes de Estado dos 27 países que integram a UE, após reunirem-se em Bruxelas.

A questão das promessas

Os líderes europeus estão ávidos para evitar que os problemas da Grécia se espalhem por outros países altamente endividados da zona do euro e coloquem a região em uma crise maior que poderia reverberar em todo o mundo. Mas eles também querem manter as pressões para que a Grécia implemente um rígido programa de austeridade voltado a cortar centenas de bilhões de euros em dívidas e um déficit que alcançou no ano passado 12,7% do Produto Interno Bruto (PIB) — mais de quatro vezes acima do limite imposto pela UE.

"A questão das promessas (à Grécia) não foi levantada porque o governo grego não pediu nenhuma ajuda financeira, o que significa que o governo da Grécia acredita que não precisa desse suporte financeiro", afirmou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso. Mais cedo, fontes da União Europeia disseram que os detalhes de qualquer ajuda podem ser finalizados até o início da próxima semana, quando os ministros de Finanças do bloco se reunirão.

Além de anunciarem a disposição de ajudar a Grécia, os líderes também sinalizaram que vão manter as pressões sobre o governo de Atenas por fortes cortes orçamentários para evitar que a crise fiscal se espalhe por outros Estados altamente endividados, como Portugal e Espanha. "A Grécia faz parte da União Europeia e não será deixada sozinha, mas há regras e essas regras precisam ser respeitadas", afirmou a chanceler alemã, Angela Merkel.

Desemprego grego

O presidente da UE pediu que o governo grego ponha em prática medidas para consolidar seu Orçamento de maneira "rigorosa e determinada", acrescentando que a Comissão Europeia vai monitorar de perto o progresso junto ao Banco Central Europeu (BCE). Atenas já se comprometeu a reduzir o déficit em quatro pontos percentuais neste ano.

Mesmo com a ajuda da UE, o governo grego enfrenta um grande desafio para consolidar seu Orçamento e restaurar a confiança em uma economia cujos desequilíbrios são exacerbados pela crise econômica e financeira e em que agitações sociais continuam uma ameaça.

Dados divulgados na quinta-feira mostraram que o desemprego na Grécia atingiu o maior nível em quase cinco anos, enquanto os funcionários públicos disseram que vão ampliar a greve para protestar contra medidas rigorosas que incluem congelamento de salários do setor público e revisão no sistema fiscal.

França e Alemanha alinhadas

Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), é bem-vinda a ajuda da UE à Grécia. A organização disse e acrescentou que está preparada para oferecer experiência e suporte "conforme necessário" ao governo grego. "Consideramos bem-vinda a ajuda à Grécia por parte dos integrantes da UE que, junto a ações políticas garantidas pelas autoridades gregas, é um novo e importante passo em resposta aos desafios que o país enfrenta", afirmou a porta-voz do Fundo, Caroline Atkinson, por meio de um comunicado após encontro entre os líderes da UE em Bruxelas.

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse que a França e a Alemanha estão completamente alinhados sobre um apoio à Grécia. "Nós continuaremos a avaliar o progresso da Grécia", disse. "Concordamos no princípio de ajudar", afirmou.
Sarkozy disse também que a crise mostra a necessidade de melhor governança econômica na Europa.

"Nós estamos enviando um sinal muito claro sobre a Grécia. A Grécia é parte da zona do euro, nós ajudaremos a Grécia", acrescentou o presidente francês, afirmando que o governo grego não pediu qualquer suporte financeiro. "Nós apenas nos comprometemos a ser solidários com a Grécia."

Sinal política da Alemanha

A chanceler alemã, Angela Merkel, também afirmou que foi enviado um sinal político claro sobre a Grécia e que a decisão foi assinada por todos os 27 membros da União Europeia. De acordo com ela, uma análise sobre a situação grega será feita em março. A coalizão que governa a Alemanha estuda o uso do banco estatal de desenvolvimento KfW para comprar títulos do governo grego e ajudar a amenizar os problemas de financiamento da Grécia.

A crise atinge duramente a economia real alemã, que interrompeu a trajetória de recuperação e registrou a maior queda na economia no pós-guerra, de 5% no Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, informou o departamento federal de estatísticas do país. O departamento registrou crescimento zero nos últimos três meses de 2009 em relação ao trimestre anterior.

"O consumo interno e o nível de investimentos caíram e frearam o crescimento econômico", informou o departamento na nota divulgada. A Alemanha já tinha tecnicamente saído da recessão com crescimento em dois trimestres consecutivos, de 0,4% no segundo trimestre de 2009 e de 0,7% no terceiro.

Desemprego e subsídios

Para frear o desemprego, foi criado um esquema de subsídios governamentais para empresas, que reduzem a carga horária sem demitir empregados. No entanto, analistas esperam uma elevação na taxa de desemprego neste ano já que em muitas empresas o período coberto por esse programa estatal está perto do fim.

O setor industrial alemão já registrava em dezembro de 2009 uma redução de 4,5% no número de vagas comparado ao mesmo mês do ano anterior. Apesar dos sinais de alerta, o governo alemão ainda espera que a economia cresça em 1,4% neste ano. No entanto, o presidente do banco central alemão, Axel Weber, disse que o PIB poderá se retrair no primeiro trimestre de 2010.

A crise na verdade mostra sua dimensão real em toda a região. A produção industrial da Zona do Euro caiu 1,7% em dezembro sobre novembro e recuou 5% em relação ao mesmo mês de 2008, informou nesta sexta-feira a agência de estatísticas Eurostat. A queda na comparação mensal foi a maior registrada desde fevereiro de 2009.

Queda na Itália e na Grécia

A economia da Itália se contraiu no quarto trimestre de 2009, em 0,2% sobre os três meses anteriores, depois de ter conseguido deixar a recessão para trás com um crescimento de 0,6% no terceiro trimestre, de acordo com dado divulgado nesta sexta-feira. O PIB italiano marcou seis declínios nos últimos sete trimestres. Em relação ao quarto trimestre de 2008, a economia teve retração de 2,8%, abaixo da queda anual de 4,6% apurada no terceiro trimestre.

A economia da Grécia encolheu mais que o esperado, 0,8% no quarto trimestre, e dados oficiais divulgados nesta sexta-feira também mostraram revisões negativas para os outros três trimestres do ano passado, indicando o aprofundamento da recessão. A contração do quarto trimestre foi maior que a prevista em pesquisa, de 0,5%, e seguiu a queda revisada de 0,5% do trimestre anterior. A agência de estatísticas nacional da Grécia tinha informado uma queda trimestral de 0,4% no terceiro trimestre.

A economia grega encolheu 2,6% em uma base anual, após uma queda anual revisada de 2,5% no último trimestre de 2009, que tinha sido inicialmente avaliada em 1,7% .
Economistas disseram que os dados sugerem que a Grécia encolheu cerca de 2% por cento no ano passado como um todo, indicando problemas para o plano do governo grego de reduzir o seu déficit exorbitante e sair da crise de dívida. O governo socialista da Grécia prevê que a economia de 250 bilhões de euros do país voltará a crescer na segunda metade deste ano, depois de entrar na sua primeira recessão em 16 anos em 2009.

Equação que não fecha

Há, no fundo da questão, uma equação que não fecha. Laura Britt, em análise publicada pelo Monitor Mercantil, explica que a reação das autoridades da UE é o que esperavam os mercados financeiros. Os governos tentam enfrentar as fortes pressões especulativas dos capitais de investimentos, os denominados hedge funds, contra os títulos estatais das fracas economias da Zona do Euro, assim como contra a moeda comum européia.

Os ataques dos hedge funds contra os bônus estatais gregas foram expandidos semana passada, também, contra os títulos de Portugal e da Espanha, países que também enfrentam problemas relacionados com o controle de seus elevados déficits fiscais.
As vendas em massa de bônus elevaram a níveis altos as taxas de juros que Grécia, Portugal e Espanha (por enquanto) pagarão pelos empréstimos que tomam e derrubaram as bolsas de valores de Atenas, Lisboa e Madri.

Contra o euro e a favor do dólar

Neste jogo, além dos capitais que jogam no mercado de debêntures, entraram, também, capitais que gostam de jogar nos mercados de câmbio, elevando assim o grau de pressão sobre os títulos estatais. A equação deles é: abalar a coesão da Eurozona, mais derrubar paridade do euro, igual a altos lucros.

A paridade da moeda comum já recuou mais de 10% desde dezembro do ano passado, quando começou o jogo dos especuladores. Segundo círculos dos mercados, altamente credenciados, os hedge funds que investem nos mercados de câmbio são muito mais poderosos do que aqueles que aplicam nos mercados de bônus.

Estes capitais tomam emprestados títulos do mercado e, em seguida, os vendem com o objetivo de reduzir seus preços para, em seguida, recomprá-los mais barato e devolvê-los, embolsando uma respeitável diferença. Simultaneamente, os mesmos capitais têm tomado posições importantes no mercado de câmbio contra o euro e a favor do dólar norte-americano, apostando que a convulsão nos bônus das economias fracas da Zona do Euro atingirá duramente a moeda comum européia.

Estes agressivos hedge funds dispõem de grande força financeira, a qual multiplica-se com o uso de "ferramentas compostas". Mas jogam sem adversário. A falta da possibilidade de essencial intervenção por parte das autoridades da Zona do Euro deixa-lhes livre o campo de ação.

Bola no campo de defesa

Como destacam círculos bancários, "a bola encontra-se agora no campo de defesa das autoridades européias, cuja reação espera-se que colocará fim ou, pelo menos, restringirá a ação deles". Os mesmos círculos reconhecem, contudo, que existe questão internacional em relação ao controle destes capitais e as possibilidades das autoridades européias são limitadas.

À boca pequena, no entanto , comentam que o Banco Europeu de Investimentos poderia comprar bônus e apoiar os títulos estatais das economias frágeis da Zona do Euro. E utilizando o poder econômico do Banco Central Europeu (BCE), poderia tomar empréstimos e estabelecer linha de defesa contra os ataques dos hedge funds.

Também o BCE, dizem, poderia estender o cronograma da retirada das medidas de apoio da liquidez para a Zona do Euro, por intermédio do qual, os bancos, assim como os investidores utilizam, os bônus gregos, portugueses e espanhóis como garantia para sacar liquidez. Algo assim tornaria os títulos estatais destes países mais atraentes para os investidores.

Gigantesca dívida dos Estados

Entretanto, a gigantesca dívida dos Estados, a qual aumentou de volume extraordinariamente nos últimos dois anos, ameaça se tornar bomba-relógio armada para explodir nos alicerces da economia mundial. Os governos dos países economicamente desenvolvidos, para enfrentarem a crise de crédito de 2008 e a queda subsequente, "atiraram" dinheiro nas economias de seus países, por intermédio de programas estatais de apoio, criando consideráveis déficits em seus orçamentos.

E para cobrirem estes déficits, contraíram empréstimos e continuam contraindo e emitindo bônus. Esta política resultou em déficit fiscal para o total da Zona do Euro de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008, 5,3% do PIB ano passado e 6,5% do PIB neste ano, prevê-se. Já a dívida da Zona do Euro aumentou de 69% do PIB em 2008, para 78% do PIB ano passado.

Estas evoluções são extremamente preocupantes porque, em essência, pulverizam esforços de uma década dos governos europeus em busca de seus ordenamentos fiscais. Na margem oposta do Atlântico, a dívida dos EUA no final do ano passado aumentou em 50% em relação com 2006, quando totalizava US$ 12,3 bilhões. Somente neste ano, calcula-se que serão emitidos, mundialmente, bônus estatais totalizando US$ 4,5 bilhões. Este volume é o triplo da média das debêntures que emitiriam os governos dos países economicamente desenvolvidos durante o triênio passado.

O resgate das gigantescas dívidas que muitas economias desenvolvidas têm acumulado constitui a grande pergunta. Porque hoje, por causa da crise, as taxas básicas das moedas encontram-se em níveis excepcionalmente baixos – iguais ou inferiores a 1% – mas, quando começarem a aumentar, o custo de atendimento dos serviços das dívidas se tornará insuportável, transferindo riqueza das sociedades para seus emprestadores. E uma crise casual no mercado de bônus provocará crise na economia mundial, pior do que aquela de 2008.

Volume fantástico de recursos

Especificamente para a Grécia a alta do custo de endividamento do país já está sendo sentida. Calcula-se que, neste ano, os contribuintes gregos pagarão cerca de 550-600 milhões de euros, ou até mais, para atendimento do serviço da dívida, a qual, no final do ano, se conformará em 120% do PIB.

Vamos supor que a média da taxa de juros de atendimento do serviço da dívida pública será da ordem de 5,5%, de cerca de 4,5% em que se encontra hoje. Em 2011, o futuro ministro de Economia, quando planejar o orçamento, deverá começar com um volume de recursos da ordem de 6,5% do PIB, só para atendimento do serviço da dívida.

Trata-se de um volume fantástico de recursos que corresponde a um Âmbito de Apoio Comunitário. Repete-se, portanto, a pergunta: com que superávits deverão contar os orçamentos dos próximos anos para que os contribuintes gregos consigam garantir capitais e reduzir a dívida do país? Ao que tudo indica, a dívida entrará em um círculo vicioso, quando somente os gastos para pagamentos dos juros da dívida da país serão suficientes para tornar "furado" o orçamento.

Ligação Europa-Estados Unidos

Também no Monitor Mercantil consta uma análise de Mary Stassinákis, que liga a crise européia aos Estados Unidos. Segundo ela, na maior economia do mundo tanto o endividamento público quanto o privado constituíam forma de vida. Hoje, a coisa é bem mais complicada. Conforme foi anunciado recentemente pelo Escritório do Orçamento que funciona no Congresso dos EUA, com os ritmos atuais de endividamento o déficit público do país triplicará dentro da próxima década.

O orçamento de US$ 3,8 trilhões do exercício econômico de 2011, cujo "tijolão" de mais de mil páginas Obama depositou ao Congresso há alguns dias, pressupõe um déficit público da ordem de US$ 1,3 trilhão, o qual continua sendo super-inchado depois do correspondente deste ano, de US$ 1,6 trilhão, que já é um novo recorde. Como percentual do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA, este déficit atual totaliza 10,6% e é o maior após a Segunda Guerra Mundial.

A batalha de Obama

Entretanto, apesar das medidas de "gerenciamento" em nível de gastos do Estado Confederado – com objetivo a redução do déficit público pela metade do atual nível até 2013 – a Casa Branca insiste em suas prioridades. Em meio à atual conjuntura da crise mundial, Obama tornou claro – a quem interessar possa – que sua prioridade imediata permanece a criação de novos postos de trabalho e a recuperação da competitividade da economia norte-americana, fazendo com que a máquina econômica dos EUA seja ligada novamente.

Seguramente, Obama está de olho na batalha que travará para sua reeleição, em novembro de 2012. Ele sabe – muito bem, aliás – que até aquela data, se não tiver nada para mostrar o entusiasmo dos eleitores por sua pessoa facilmente se tornará fumaça.

O desemprego nos EUA oscila em torno de 10% e, apesar do impressionante crescimento do quarto trimestre do ano passado, não se pode esperar uma redução rápida, pois aquele crescimento foi, principalmente, consequência da redução dos estoques e não espera-se que encorajará os empregadores a novas contratações em futuro visível.

Por outro lado, se não forem postos em estável evolução descendente os impressionantes déficits e a volumosa dívida dos EUA (anotem que o maior credor é a China), constituirão armas perfeitas nas mãos dos republicanos quando o candidato deles disputar o poder em cerca de dois anos e meio.

Cânone da disciplina fiscal

Embora resta ser comprovado se o pragmatismo de Obama renderá os frutos aguardados na margem oposta do Atlântico, onde a crise continua sacudindo as economias nacionais, a pergunta se o Acordo de Estabilidade e Desenvolvimento funciona como obstáculo, ou leva ao essencial e sadio crescimento mesmo em períodos de ritmos de crescimento negativos e elevado desemprego, permanece oportuna.

A discussão não é recente e é certo que Washington, assim como Bruxelas buscam um equilíbrio. Seguro é, também, que nestes dois centros de poder funcionam fatores psicológicos e históricos diferentes, os quais determinam suas prioridades.

Bruxelas insiste no cânone da disciplina fiscal, apesar de que é preciso destacar que os problemas do desemprego e do déficit de competitividade das economias da Zona do Euro não se restringem a países da "periferia". Quanto mais que, em antítese com os EUA, a Zona do Euro dispõe de uma moeda comum forte, a qual torna as exportações de seus países integrantes ainda menos competitivas internacionalmente.

Com informações de agências e do Monitor Mercantil