Hélio Leitão – Quem tem medo da verdade?

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Causou forte reação nas cúpulas militares o decreto presidencial que determinava, na forma das prescrições do Plano Nacional de Direitos Humanos & III, a criação da Comissão Nacional da Verdade, por projeto de lei a ser apresentado pelo governo, para apurar e esclarecer os atentados contra os direitos humanos perpetrados por agentes do Estado durante o regime autoritário instalado pelas baionetas em abril de 1964. Ameaças de renúncia dos chefes militares e mesmo do ministro de Estado da Defesa, Nelson Jobim, ganharam a grande mídia.

Repugna à consciência cívica da nação o esforço de alguns setores das forças militares em varrer para debaixo do tapete da história os crimes cometidos pelos esbirros da ditadura militar. Execuções sumárias, torturas, espancamentos e prisões ilegais foram praticadas com a conivência quando não sob o manto protetor do Estado, cujos responsáveis continuam, em sua maioria, no conforto do anonimato. Um espectro a rondar a democracia brasileira.

Para se reconciliar com seu passado e fazer curar as feridas abertas com a ruptura da normalidade democrática, é imperativo que o sol da verdade brilhe em sua plenitude. E que a verdade sobre o período venha à tona. As “comissões da verdade“ não são nenhuma novidade nem as animam o espírito de revanche. Antes um rito de passagem, um estágio para superação de traumas, para que se atinja a justiça de transição, o que jamais se alcançará enquanto houver “desaparecidos políticos“ e torturadores fora do alcance da luz.

Argentina, Paraguai, Uruguai, Peru, Bolívia, Equador, Guatemala e Chile tiveram suas comissões da verdade. No Chile mesmo inaugurou-se em janeiro último o Museu da Memória, em que o Brasil ficou de fora, à falta de uma comissão e de investigações sérias sobre o período militar. Na África do Sul de Mandela, sob a presidência do bispo Desmond Tutu, a Comissão da Verdade e da Reconciliação foi momento decisivo para superação do apartheid. É chegada a hora de promovermos a nossa catarse. Doa a quem doer.

Hélio Leitão é Advogado

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