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Oriente Médio: Pressão dos EUA eleva ainda mais a tensão

A pressão norte-americana sobre o Irã é cada vez mais militar e menos diplomática. Em Israel e na Palestina detectaram-se vagos sinais positivos, mas a linguagem agressiva do ministro dos Negócios Estrangeiros israelense contra a Síria excedeu os limites da contenção.

Por José Goulão, para o Informação Alternativa

As movimentações militares através de todo o Oriente Médio e em vastíssimas áreas da chamada Eurásia estão a criar uma situação que, apesar das intenções defensivas alegadas por todos os intérpretes, coloca cada vez mais a guerra no topo das alternativas possíveis.

Os exemplos trágicos do Iraque, do Afeganistão e agora também do Iêmen, sem esquecer a situação de tortura imposta à Faixa de Gaza, não exercem qualquer efeito dissuasor sobre quem está mais interessado em contar mísseis do que em encontrar verdadeiras soluções para os problemas.

O cerco ao Irã deixou de ser apenas verbal. Os exercícios militares navais que os Estados Unidos têm realizado nas águas da região e as armas distribuídas por vários países da Península Arábica denotam intenções pelo menos apressadas em relação a um país que supostamente, segundo os analistas, só dentro de dez anos estará em condições de possuir a arma nuclear – caso esteja de fato a fabricá-la, uma acusação que ainda carece de demonstração.

O comportamento das autoridades iranianas continua a ser suficientemente ambíguo para alimentar suspeitas, mas as aparentes cedências que Teerã parece fazer de vez em quando são recebidas com uma indiferença de quem pensa que os dados estão todos lançados e por certo não haverá alternativa à “sanção militar”.

O ambiente é semelhante ao que se viveu antes da invasão do Iraque através dos episódios em torno das fantasmagóricas armas de extermínio de Saddam Hussein. Como agora Tony Blair confirmou de viva voz, houvesse ou não houvesse tais armas, a acção militar realizar-se-ia de qualquer maneira. O desfecho pode não ser o mesmo com o Irã, mas as condições têm afinidades.

Entre as ambiguidades iranianas está o seu jogo de avançar e recuar quanto às propostas para que o seu urânio seja enriquecido no estrangeiro perante monitorização internacional; e estão também os sucessivos ensaios de engenhos militares ou que no limite poderão vir a ter utilização bélica.

O recente lançamento de um foguete utilizável em operações de exploração do espaço – legítimas porque o espaço não foi alugado por ninguém – levantou suspeitas quanto aos hipotéticos objetivos militares que estariam por detrás.

Num ambiente toldado como o que existe, todas as conjeturas são possíveis, embora raramente se suspeite de segundas intenções quando qualquer outro país desenvolve acções no domínio da exploração espacial.

Em fevereiro, o Irã anunciou ao mais alto nível, o presidencial, que estaria disposto a aceitar que o seu urânio seja enriquecido no estrangeiro, conforme proposta apresentada pelas Nações Unidas como caminho para evitar o agravamento das sanções.

A declaração seguiu-se imediatamente ao início dos exercícios navais norte-americanos na região e ao anúncio de que Washington vai renovar os arsenais militares – “defensivos”, segundo se diz – de países como o Koweit, a Arábia Saudita e o Bahrein, onde os Estados Unidos já têm em funcionamento o centro operacional da Quinta Esquadra.

A atitude iraniana pareceu sugerir uma cedência às pressões instaladas em seu redor, um sinal de fraqueza e recuo surpreendente quando se recorda a linguagem agressiva e provocatória utilizada frequentemente pelos dirigentes iranianos.

De qualquer modo, o ceticismo e a indiferença com que os Estados Unidos e os seus mais chegados aliados reagiram à posição não é a maneira mais eficaz de testar as verdadeiras intenções de Teerã com esta atitude.

Amarrar imediatamente o Irã a estas palavras e lançar um processo capaz de conduzir ao cumprimento das propostas das Nações Unidas poderia ser uma alternativa mais adequada se o interesse fosse mesmo amainar tensões evitando a guerra.

Quem esteve ao nível da linguagem provocatória por vezes utilizada pelos dirigentes iranianos foi o ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Avigdor Lieberman, desta feita dirigida à Síria.

Sabe-se que a diplomacia não é o forte deste chefe de diplomacia que começou a ascensão para o estrelato da política como porteiro de discoteca, mas Lieberman comprometeu qualquer estratégia negocial que o atual governo israelense pudesse ter em relação a Damasco.

O ministro não apenas ameaçou arrasar a Síria como garantiu alto e bom som que Israel jamais abandonará os Montes Golan, que ocupa ilegalmente ao vizinho. Falou claro, é verdade. Mas se as palavras não forem rapidamente desvalorizadas e desmentidas pelo primeiro-ministro, desautorizando o seu chefe da diplomacia, então tais palavras podem ser mais letais do que um míssil.

Poder-se-ia pensar que a Síria fizera alguma coisa de muito grave em relação a Israel para suscitar uma reação tão desabrida, mas realmente nada aconteceu de novo. Damasco limitara-se a reafirmar que tem direito aos Montes Golan, como é internacionalmente reconhecido.

A iniciativa de Lieberman parece contraditória em relação à prometedora declaração proferida um dia antes pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, segundo a qual o reinício das negociações com os palestinos pode estar por poucos dias.

Nem os Estados Unidos nem os palestinos secundaram esta declaração, confirmando-se assim o papel de Netanyahu como condutor do processo – fato que não lhe garante muita eficácia, conhecendo-se o passado negocial (não-negocial é o termo correto) do atual chefe do governo israelense.

No mesmo dia, Nabil Shaat, um dos mais ativos dirigentes da Autoridade Palestina, deslocou-se a Gaza e avistou-se com o principal dirigente do Hamas, que controla a região. Foi um dado novo numa situação de conflito que se arrasta há dois anos, com a particularidade de Shaat ter depositado os seus documentos de identificação nas mãos das forças que controlam a entrada no território, o que traduz um reconhecimento implícito do poder do Hamas sobre o território.

Percebe-se que este passo foi discutido ao pormenor, e outros poderão eventualmente seguir-se, pois não houve indício de fracasso da diligência. O entendimento entre as principais facções palestinas é indispensável para que Ramalá possa abordar com um mínimo de capacidade de manobra um hipotético processo de negociações com Israel.

Dificilmente, porém, a declaração de Netanyahu terá uma concretização credível a curto prazo, porque a estratégia do atual governo de Israel para a região passa por manter a questão palestina em segundo plano. Israel, potência nuclear, pretende que o cerco ao Irã seja a principal preocupação internacional no Oriente Médio e para isso está empenhado na formação de uma frente com os Estados Unidos e os países árabes “moderados”, de modo a isolar Teerã.

Quando os Estados Unidos distribuem armamento por esses países árabes “moderados”, não pode garantir-se que o projeto de construção dessa “frente” esteja em andamento, mas um fornecimento militar como esse e nesta altura precisa é enquadrável numa tal estratégia. O elevado nível de tensão militar no Oriente Médio é mesmo muito inquietante.

Fonte: Informação Alternativa