Maria Aglais, uma lutadora comunista do povo brasileiro
Maria Aglais de Oliveira é uma histórica militante do PCdoB. Em fevereiro, após quatro anos de tramitação de seu processo na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, ela finalmente passou a figurar entre os anistiados políticos brasileiros, perseguidos durante a ditadura militar (1964-1985). Conhecida na clandestinidade como Maria Dora, a comunista é tema de artigo biográfico, publicado a seguir, assinado pela socióloga Márcia Viotto.
Publicado 19/03/2010 13:49

Maria Aglais de Oliveira nasceu em Jaguaruana, no estado do Ceará, em 1933. Aos seis anos de idade perdeu a mãe, que morreu de febre amarela. Seu pai, também contaminado pela febre amarela, dividiu os vinte filhos entre parentes e amigos. Maria foi parar na cidade de Russas, sendo criada pela viúva Rufina Pereira, amiga dos seus pais. De origem latifundiária, Rufina era muito severa e Maria Aglais, aos sete anos, passou a ser a empregada da casa.
Ela matriculou Maria Aglais na escola pública, onde cursou até o quarto ano primário; depois, foi para uma escola particular administrada por freiras. Maria, inteligente e esperta, aproveitou a oportunidade. Já tinha uma compreensão da importância de estudar, percebia que era a sua chance de sair daquela situação.
Aos dezoito anos perde sua mãe adotiva. Como não tinha herança, as freiras, convidaram-na para morar com elas no orfanato. Uma prima chamada Francisquinha, que tinha amizade com o prefeito, conseguiu duas bolsas: uma para fazer o curso normal e outra para fazer contabilidade. Mas ela acabou fazendo apenas o magistério.
Vivendo em Pernambuco
Maria Aglais tinha uma irmã, Giselda, que morava em Recife e resolveu nas férias ir até lá visitá-la. Conheceu Maria Gonçalves, assistente social, que desenvolvida um trabalho na Associação Nordestina de Credito e Assistência Social. Aprovada no treinamento foi trabalhar na zona rural de Pernambuco – em Bom Conselho e Garanhuns.
Logo foi promovida a supervisora das equipes, o que lhe permitiu viajar a Porto Rico (1963) e depois aos EUA, passando por Nova York e Washington, onde foi fazer cursos de atualização. Visitando a zona rural brasileira, se deu conta da pobreza em que vivia o país e o seu nordeste. Não conseguindo conciliar seus estudos com o trabalho, pediu demissão e foi procurar a Universidade Federal de Pernambuco – passando no vestibular para Ciências Sociais.
Logo depois conseguiu empregar-se na sucursal do Jornal do Brasil como secretária. Neste período, Miguel Arraes, liderança expressiva foi preso. Começou a tomar contato com militantes da Ação Popular e com elas foi participar do movimento estudantil. Os centros acadêmicos foram postos na clandestinidade e Maria foi demitida do Jornal do Brasil.
Foi então que a assistente social Judite da Mata Ribeiro, ligada à Igreja Católica e que trabalhava na Sudene, conseguiu para Maria a participação em um projeto de formação de camponeses para a reforma agrária. Depois, Maria Aglais foi indicada como técnica de uma cooperativa pesqueira na cidade de Ilhéus (BA). Ali se deu conta da divisão de classes. No meio dos pescadores, percebeu a imensa desigualdade daqueles que viviam do dia a dia para comer.
Com a ideia de criar uma cooperativa, acabou conhecendo PCdoB através do dirigente conhecido como “Gordo”. Naquele momento abraçava o ideário comunista.
A partir de 1969 passou a viver na clandestinidade e, de fazenda em fazenda de cacau, procurava conversar com os trabalhadores e levar as ideias revolucionarias. Convivia com o pessoal da Ação Popular, que vendia coisas na feira de Camacã. Foi quando conhece seu futuro marido, Zé.
Logo em seguida, Maria passou a alfabetizar os trabalhadores e a ser mais visada. Paralelamente a isso, viveu difíceis dramas pessoais: teve um aborto e depois perdeu um filho recém-nascido em acidente.
Tudo isso, no entanto, não afastou a comunista de sua atuação junto aos trabalhadores rurais. E pôde comprovar que a situação dos trabalhadores era terrível. Para aplacar a fome, só dispunham de farinha e pimenta. Fugindo em busca de trabalho. Maria e José moraram em casa de chão batido e dormiram em cama de palha. Maria adoeceu e teve outro aborto.
O casal foi, então, para a casa dos pais de Zé, em Itabuna, onde trabalhavam com venda de comida na feira. Em 1973, a direção do PCdoB fez uma reunião e comunicou que a situação estava grave e que o partido não tinha condições de manter contato com seus membros. A família de seu marido havia mudado para São Paulo e o casal resolveu também migrar de cidade.
Do Nordeste para São Paulo
Chegando à metrópole, marido e mulher foram morar em um porão na casa de uma irmã de Zé, no bairro de São Miguel Paulista. Maria tornou-se cobradora de ônibus, enfrentando várias madrugadas de trabalho.
Engravidou de novo e o médico a aconselhou a parar de trabalhar para poder levar a gravidez a termo. Após o nascimento de sua filha, foi para a fábrica de latas Matarazzo, mas não agüentou o peso do trabalho e da dupla jornada. Passou a trabalhar em casa, costurando, e ganhava por produção. Mais tarde, também trabalhou no hospital da Penha como auxiliar de enfermagem.
Neste momento, seu marido, que trabalhava em uma metalúrgica, reencontrou o PCdoB por meio de duas militantes, de nome Lúcia e Creuza. A partir daí retomou a luta, através do movimento contra a carestia, com comunistas muito queridos como Tom – já falecido – e Ana Martins – atual dirigente em São Paulo e ex-deputada estadual.
Ana trabalhava no Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e Maria passou a trabalhar também e passou a integrar também o movimento por moradia. Maria Aglais passou, então, a fazer parte do comitê do PCdoB na Zonal da Leste.
Veio a anistia política e Maria Aglais, que então era Maria Dora, pôde retomar sua identidade. No Recife e Ceará, onde trabalhou na Companhia Energética do Ceará (Coelce), para poder buscar os documentos que comprovassem a sua condição de perseguida política.
A Anistia
Com a Anistia implantada a partir do final de 1979, PCdoB pôde caminhar rumo à legalidade, conquistada em 1985. Maria Aglais passou a atuar na direção do Distrital da Mooca e depois se tornou presidente do distrital de Sapopemba-Vila Prudente.
No movimento dos monitores do Mobral, participou da Apeoesp. E a partir daí Maria Aglais começou a fazer parte da vida sindical do movimento dos professores, dando aula na tradicional escola estadual Caetano de Campos.
Em meados da década de 80, o PCdoB esteve presente em uma invasão habitacional em A.E. Carvalho; Maria – separada e com uma filha de três anos – resolveu participar do movimento juntamente com 95 famílias. Não tardou a se concretizar a ação de despejo do governador biônico Paulo Maluf e ela acabou ficando três dias ao relento negociando um lugar para morar.
As famílias foram alojadas em Sapopemba, no conjunto habitacional Teotônio Vilela, que ainda estava em construção; não havia água, luz, escola, creche, nem infra-estrutura. Mais tarde, foi inaugurado pelo prefeito Mario Covas, do então MDB.
Maria Aglais foi uma das principais lideranças a organizar a população local, criando uma associação de moradores que passou a reivindicar o funcionamento dos serviços sociais.
Professora da rede estadual e concursada da prefeitura, ministrando aula para o ensino fundamental e para jovens adultos, Maria acumulava três cargos. Era, ainda, conselheira da Apeoesp e em seguida passou a acumular dois cargos na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, onde atuar no Sinpeem.
Aposentou-se aos 70 anos de idade na escola pública, por não ter como provar seu tempo de serviço prestado em função do período de clandestinidade. Em 2005 entrou com o processo de anistia, tendo conseguido sua aprovação em setembro de 2009.
Maria Aglais – um ícone do PCdoB pela sua militância aguerrida, fiel, possuidora de uma grande humanidade, exemplo e estímulo a todo e todas que lutam – tem dedicado sua vida à causa do socialismo. E não desistiu de sonhar com outro mundo. Atualmente, milita no Distrital de São Miguel, junto à terceira idade e é também membro da diretoria da União Brasileira de Mulheres. Maria Aglais, parabéns e obrigada por você existir em nossas vidas!
Márcia Viotto, socióloga, professora, atualmente assessora da CTB e militante do PCdoB da Vila Prudente, na Zona Sudeste de São Paulo