Sem categoria

Eleições na Bolívia: Em busca da lua cheia

As eleições regionais no país governado por Evo Morales apontam para a consolidação da hegemonia do MAS-IPSP e o fim da “meia-lua”.

Por Vinicius Mansur, para o Brasil de Fato

Desde a ascensão de Evo Morales à presidência da República em 2006, a direita boliviana fez dos governos departamentais do oriente do país, e também das prefeituras das capitais desses departamentos, a sua principal trincheira de oposição.

Aliados à maioria que tinham no Senado, os poderes executivos dos departamentos de Pando, Beni, Santa Cruz e Tarija eram as bases a partir das quais a oligarquia descarregava seu pesado arsenal contra o governo central, incluindo aí a tentativa de guerra civil separatista – como muitos analistas classificam – em setembro de 2008.

Alimentando uma divisão política e econômica histórica, que coincide com a divisão geográfica do país em terras altas – localizadas na Cordilheira dos Andes – e terras baixas, a direita intitulou de “meia-lua” a oposição regional feita a Morales, em alusão à forma como estão dispostos no mapa esses quatro departamentos do oriente boliviano.

Com o desmantelamento dos articuladores da ofensiva de 2008 e com uma sucessão de vitórias político-eleitorais, incluindo aí a reeleição do presidente com cerca de 64% dos votos e a conquista de dois terços do atual parlamento, o Movimento ao Socialismo – Instrumento para a Soberania dos Povos (MAS-IPSP) conquistou uma folgada hegemonia que, de acordo com Morales, poderá ser traduzida como “lua cheia” a partir das eleições regionais de 4 de abril.

Nela, serão escolhidos nove governadores, 144 assembleístas departamentais (correspondentes aos deputados estaduais no Brasil), 337 prefeitos e 1.887 conselheiros municipais (correlatos aos vereadores brasileiros).

O quadro eleitoral

As últimas pesquisas eleitorais, embora não abarquem os resultados das disputas municipais em localidades rurais e apontem um alto índice de votos brancos, nulos e indecisos – que chegam a incríveis 42% em Oruro –, indicam a vitória nacional do MAS-IPSP.

De acordo com o levantamento mais recente, divulgado pelo Instituto Ipsos, o partido oficialista ganhará com folga em seis dos nove departamentos bolivianos: La Paz, Cochabamba, Oruro, Potosí, Chuquisaca e Pando. Em Tarija, a disputa está voto a voto com o candidato à reeleição, Mario Cossío (CC).

Em Beni e em Santa Cruz, as candidaturas apoiadas por Morales estão em segundo lugar, mas enfrentam quadros de difícil reversão, embora neste último – único departamento onde o segundo turno é previsto pela legislação eleitoral – o candidato do MAS-IPSP tenha apresentado um crescimento de 9%, enquanto o oposicionista e candidato à reeleição Rubén Costas caiu 13% na comparação das duas últimas pesquisas.

Quanto às cidades mais povoadas da Bolívia, que representam mais de 50% dos habitantes do país, o MAS-IPSP também apresenta boa vantagem, tendo praticamente garantidas as prefeituras de El Alto e Cochabamba. Em La Paz, os masistas lideram as pesquisas com 40%, mas são seguidos de perto pelos 34% do candidato do Movimento Sem Medo (MSM), num cenário que apresenta 14% de indecisos. O MSM dirige a cidade há 10 anos e sempre apoiou o chamado proceso de cambio. Porém, as relações com o MAS foram rompidas justamente por causa da disputa dessa prefeitura. Em Santa Cruz de la Sierra, nem mesmo a adesão de Marco Etcheverry, o maior jogador da história do futebol boliviano, à campanha do MAS-IPSP, parece ser capaz derrotar o candidato à reeleição Percy Fernández, que possui 46%. O governista Roberto Fernández está com 27%

Segundo o diretor do curso de sociologia da Universidade Mayor de San Andrés (UMSA), Eduardo Paz Rada, as eleições nos municípios menores, praticamente todos rurais, não serão um problema para os governistas, uma vez que o MAS-ISPS já ocupa diversas dessas prefeituras e nenhum outro partido é tão enraizado no campo como a agremiação oficialista. “Pelo menos 70% das prefeituras serão do MAS”, prevê o sociólogo.

Correlação de forças

Para ele, o pleito regional deve ratificar a hegemonia do MAS-IPSP, que “praticamente derrotou toda tentativa da oposição de forma contundente, tanto eleitoralmente, quanto pela via da luta contra a corrupção. Porém, [os governistas] não devem repetir os 64% que Evo teve na reeleição”.

O diretor do Le Monde Diplomatique Bolivia, Pablo Stefanoni, considera a próxima eleição “a última etapa da consolidação do evismo” e destaca o peso de Morales no processo. “Lideranças como Evo e Chávez colocam qualquer eleição de qualquer coisa de maneira plebiscitária. O MAS sempre teve um déficit de bons candidatos. Nas áreas rurais não, mas nas urbanas sempre teve dificuldades. Nas eleições de 2004, não ganharam nenhuma cidade importante. É possível que isso aconteça agora porque se reforçou a liderança do Evo. O César Cocarico [candidato do MAS para o departamento de La Paz, que lidera as pesquisas] dificilmente seria competitivo por sua própria trajetória”.

Quanto à direita, Stefanoni afirma que mesmo a vitória em um departamento de peso como Santa Cruz se incluirá em um cenário de retrocesso: “O caso Rózsas [morto pela polícia boliviana acusado de liderar um plano separatista] e as perseguições judiciais por corrupção são exemplo disso. A maioria deles [da direita] está semi-foragida. Outros setores foram cooptados pelo MAS”.

O senador masista Adolfo Mendoza destaca que mesmo nos locais onde ganhe a direita, o cenário agora será outro: “Onde o MAS não for governo, terá força no legislativo, obrigando os governos a buscar o consenso. Nos municípios onde há autonomia indígena, o processo está firme, independentemente do que aconteça com o MAS”.

Nesse cenário, Stefanoni acredita que se abrirá uma nova etapa para o processo boliviano: “No MAS, sempre vingou a ideia de que só se pode fazer reformas profundas tendo todo o poder. O desafio agora é mostrar o que fazer com todo o poder que tem, não há muitas desculpas. A questão será ‘qual é o projeto’, e aí há um déficit de agenda”.

Reconfiguração do poder

Alguns departamentos bolivianos ainda elegerão sub-governadores provinciais, corregedores e autoridades indígenas nos municípios para os quais está prevista a autonomia para povos originários. De acordo com Mendoza, ocorrerá um avanço na institucionalidade estatal definida pela nova Constituição: “Pela primeira vez na Bolívia se reconhece autonomias plenas em nível local, municipais ou indígenas-originárias-camponesas. Antes, o conselho municipal elegia o prefeito, o governo central indicava o governador. Já as autonomias indígenas se dão com base em um princípio básico, o direito à livre-determinação das nações e povos indígenas e à conformação de auto-governos a partir das normas e procedimentos de cada um deles”.

Para Mendoza, as próximas eleições marcam a reconfiguração do poder no país, contando, inclusive, com políticas de ação afirmativa de gênero e indígena. “São exigidos a paridade de gênero na formação dos governos e a representação indígena direta no Poder Legislativo, que já não passa pelo voto, mas pelos seus sistemas próprios de exercício da democracia”, afirma. Em Santa Cruz, por exemplo, o Poder Legislativo departamental contará com cinco representantes indígenas num universo de 28 assembleístas: um chiquitano, um guarani, um guarayo, um ayoreo e um mojeño.

Entretanto, o respeito à paridade de gênero nas listas de candidatos não foi respeitada. De acordo com a representante da Coordenadora da Mulher, Mónica Novillo, as mulheres representam só 7% das candidatas aos governos departamentais, 25% das aspirantes às sub-governadorias e 22% das concorrentes aos conselhos municipais. “Queremos a inabilitação ou retificação das listas”, reivindica.