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Novo jeito de governar o Chile: Piñera dobra fortuna em um mês

Segundo a insuspeita revista Forbes, o novo presidente do CHile praticamente dobrou sua fortuna em um ano. Ela está estimada hoje em 2,2 bilhões de dólares. E o grande aumento desta fortuna, diz a Forbes, ocorreu principalmente em janeiro deste ano, mais precisamente durante a campanha eleitoral.

Por Paul Walder, em Punto Final

No dia 12 de março, o mercado, ente que expressa os interesses e vontades das grandes riquezas e poderes econômicos, não deu um grande bem-vindo a Sebastián Piñera, o novo presidente do Chile e antigo e ilustre membro das altas esferas deste mesmo mercado. A Bolsa de Valores de Santiago apenas se moveu, enquanto as ações da LAN, das quais o presidente ainda mantém uma boa porcentagem, caíram levemente.

Houve e há uma explicação imediata: o terremoto e suas conseqüências, como argumentaram distintos membros do novo governo. O presidente, disseram, “não teve tempo” para vender suas ações. Mas a explicação não deixou satisfeitos nem a oposição nem os porta-vozes do mercado.

A demora na venda deste pacote de ações – cujo valor pode chegar a mais de 750 milhões de dólares – superou todos os prazos e quebrou as promessas feitas um mês antes por Piñera. Um de seus compromissos foi justamente vender essas ações antes de ingressar no palácio de La Moneda. E o anúncio de um novo prazo para vender as ações da LAN (não iria além de 30 de abril) foi visto como uma promessa esfarrapada mesmo nos círculos mais próximos ao presidente.

No dia 11 março, o jornal El Mercurio saudou seu outrora candidato e, a partir daquele dia, seu novo presidente. Em um editorial cheio de entusiasmo, que cobriu de elogios sua equipe, formada no setor privado, houve apenas um aspecto que pareceu desagradar o jornal: a relação entre política e negócios.

Porque, disse o matutino, “só se lamenta que tenha faltado tempo para consumar o processo já avançado de desprendimento de bens que possam se prestar a conflito de interesses ou para a aparência de, como é o caso da anunciada constituição de uma fundação para o canal Chilevisión e da venda do último pacote de ações da LAN, o que, por suas repercussões, deveria se concretizar em um prazo brevíssimo”.

Terremoto na Bolsa

O terremoto afetou o país e seus cidadãos, mas também seus mercados. No dia 1° de março, primeiro dia útil após o terremoto de 27 de fevereiro, a Bolsa chilena avaliou os danos, o que ficou expresso em uma contínua queda dos principais indicadores: durante a primeira semana de março, acumulou uma perda de quase 6%. Uma sensível baixa, quando comparada com os índices dos meses precedentes, que apresentaram um crescimento de preços de 6,56%.

Mas os olhares dos investidores não estão focalizados nos grandes indicadores da Bolsa, mas sim nos preços das ações da LAN, porque os rumores, a imprensa e a oposição estimam que Piñera espera obter um bom preço com a venda do pacote de 11,3% de ações da empresa aérea, idéia desmentida com ênfase por seus principais ministros.

Um dos argumentos utilizados por eles é o alto valor histórico que têm hoje as ações da LAN, o que está referendado pelos números. Quando se observa a evolução dos preços das ações da LAN nos últimos seis meses, vemos que elas subiram sensivelmente.

De um preço entre 6 e 7 mil pesos por ação, em junho de 2009, subiu para aproximadamente 7,5 mil pesos em setembro, chegando a 8,4 mil pesos em janeiro deste ano. No dia 11 de março, as ações da LAN chegaram, efetivamente, a um de seus maiores valores históricos: 9,3 mil pesos por ação.

Para os ministros Rodrigo Hinzpeter e Eva von Bauer, este aumento dos preços é simplesmente uma expressão do mercado. Mas os mercados nem sempre são “livres”, não estão livres de pressões, seduções, especulações e diversas influências. Entre elas, não deixa de ser um dado à margem para os mercados que um multimilionário da Bolsa chegue a ser presidente da República. O poder econômico fica amplificado com o poder político.

Após o triunfo de Piñera, no segundo turno realizado em 17 de janeiro, quem mais celebrou foi justamente o mercado. Informados sobre a iminente venda das ações de Piñera, os investidores nacionais e internacionais tiveram um mês extremamente movimentado.

A Axxion, uma das sociedades de investimento do então presidente eleito, subiu entre 15 de janeiro (dia útil imediatamente anterior à eleição) e 21 de janeiro mais de 140%. Com flutuações posteriores, o preço destes títulos aumentou em média mais de 100% em janeiro.

Não se trata de efeitos próprios da política nos mercados, como ocorre habitualmente. Trata-se de um fato extremamente particular e irregular, não só para a história política e econômica chilena, mas também para a mundial. A obscura mescla entre política e negócios parecia ter tocado o teto em sua capacidade de pressionar o mercado.

Mas havia mais. Piñera obteve uma cifra superior aos 370 milhões de dólares com a venda de um pacote de 6,44% da LAN, mas ainda falta liquidar 11,3%, com o que pode obter uma quantia superior aos 750 milhões de dólares. Em tais magnitudes, uma leve variação no preço da ação pode amplificar-se em vários milhões de dólares. Observando a história de Piñera como especulador no mercado financeiro, é difícil acreditar que essa operação deixe-o indiferente.

E não somente a ele. A postergação da venda para o dia 30 de abril já revolucionou as bolsas. Ainda no dia 11 de março os preços da Axxion chegaram a subir 24%, o que provocou a suspensão momentânea das transações. E algo muito similar ocorreu no dia 12, quando fechou com uma alta próxima a 12%. Quando a Superintendência de Valores e Seguros perguntou aos responsáveis pela Axxion sobre esta repentina alta, eles só levantaram os ombros e disseram: “É o mercado”.

Em janeiro passado, durante os dias prévios à venda das ações da LAN, a Bolsa de Santiago teve que suspender várias vezes suas operações, sinal de fortes irregularidades, de pressões externas que alteram o habitual funcionamento dos mercados. Se então se tratava da maior transação realizada na última década, a venda de 11,3% da LAN nas próximas semanas estará entre suas maiores operações históricas, pelo que é provável um aumento de todo tipo de comportamentos artificiais que afetarão o “livre jogo do mercado”.

Nesta desordem forçada, impulsionada pela especulação, a obsessão pelo lucro no curto prazo beneficiará alguns investidores, mas causará perdas para muitos outros. Que esta seja uma política impulsionada direta ou indiretamente pelo presidente da República é algo que merece mais que uma simples dúvida.

Dobrou sua fortuna

Sebastian Piñera tornou-se notícia naquele dia 11 de março também por outros motivos. A revista Forbes, que publica anualmente um ranking com os milionários do mundo, relatou o que Piñera ganhou durante os últimos doze meses.

Se, há um ano, o atual presidente era a 701ª pessoa mais rica do mundo, com uma riqueza estimada em 1,2 bilhões de dólares, naquele dia apareceu no 437° lugar, com uma fortuna superior à casa dos 2,2 bilhões de dólares. Um salto desta natureza, que significa ter praticamente dobrado sua fortuna em um ano e em tempo de crise, leva qualquer observador a perguntar-se pelos motivos deste sucesso.

Hoje também podemos pensar nas conseqüências. E a revista Forbes aporta mais informação: o grande aumento da fortuna de Sebastián Piñera ocorreu principalmente em janeiro deste ano, mais precisamente durante a campanha eleitoral e seu posterior triunfo. E desde janeiro até agora, o presidente da República seguiu ganhando. E seguirá fazendo-o pelo menos até o dia 30 de abril.

O diário eletrônico El Mostrador publicou em seu portal um registro dos dias em que o presidente adia vender suas ações. Lembra que no debate presidencial de Anatel, o jornalista Ivan Núñez consultou Sebastian Piñera sobre suas empresas: “Você conhece a teoria de Tarzan? Não soltar um cipó até que se tem o outro nas mãos”. E Piñera foi, então, claro: “Vou vender a LAN antes de assumir como presidente”.

Chega o 11 de março e Piñera já está no La Moneda. Não só não cumpriu sua promessa de livrar-se deste patrimônio antes de 11 de março, como também fica como precedente uma nova forma de especulação na Bolsa. Se Piñera pode duplicar sua fortuna como candidato em escassos meses, o que ocorrerá com seus bens agora que é presidente?

Se consideramos que os mercados vivem atentos a todo tipo de informação, desde a comercial, tecnológica, social e, por certo, política, é um fato que a partir de 11 de março milhares de investidores e especuladores seguem minuto a minuto, com redobrada atenção, as ações e reações do novo presidente. Em especial pelos antecedentes de Piñera nos mercados.

Há pouco mais de um ano, Piñera enfrentou acusações de envolvimentos em irregularidades pelo uso de informação privilegiada em favor de seus negócios. A Câmara de Deputados investigou a compra de um pacote acionário da LAN usando informação privilegiada. Tratava-se de um julgamento político, que teve características antecipatórias.

Naquela ocasião, o deputado socialista Ivan Paredes disse que estava evidente que aquela sessão da Câmara tinha um viés político, “que nenhum de nós desconhece”, acrescentando que se é necessário controlar a gestão dos governantes sobre os assuntos públicos, “vale o mesmo para a gestão de uma empresa, ainda mais se sua propriedade é, em todo ou em parte, capital anônimo, como o dos trabalhadores, e se sua gestão e papel comprometem a fé pública e a ordem pública econômica”.

O uso de informação privilegiada para benefício pessoal é penalizado no Chile e no mundo. Se considerarmos que quem a usa é um candidato à presidência do país, a condenação não é somente formal, mas ética. Hoje, ao observarmos os lucros pessoais que Piñera obteve durante sua candidatura e posterior eleição, as dúvidas sobre a demora no desprendimento estes bem não podem ser satisfeitas com o argumento do terremoto. Piñera começou seu governo com um evidente conflito de interesses.

O descumprimento de sua palavra coincidiu também com a estréia da nova oposição. O presidente do PS, Fulvio Rossi, disse no dia 11 de março que “ele deve governar, dar sinais de transparência e dar tranqüilidade aos chilenos e chilenas de que não há uso de informação privilegiada (…) porque é triste que alguém possa ter lucro depois de uma campanha graças ao seu posicionamento político”.

O vice-presidente do PPD, Jorge Insunza, disse que “para além desta situação concreta da LAN, acreditamos que há muito espaço para estabelecer uma separação entre os dois âmbitos. A garantia torta de Sebastian Piñera não satisfaz de todo a separação que deve haver entre seus negócios e a informação privilegiada que terá como presidente”.

E há ainda o caso da Chilevisión, ainda em suas mãos. A prometida fundação para a qual seria transferida a propriedade também foi adiada com o argumento do terremoto. Talvez pela situação extrema que o país atravessa, toda essa discussão foi deixada em segundo plano.

Mas se trata da ponta mais visível de uma nova maneira de governar, o que ficou claro na conformação de uma equipe de ministros e intendentes com profundos e históricos laços com o setor privado. Essa é sua essência, sua percepção da vida social e política, que não passa pela venda, seja oportuna ou tardia, de seus bens.

Enquanto isso, o mercado faz a sua parte. Até o dia 30 de abril, Piñera ainda poderá conseguir vários milhões de dólares extras. Essa foi a estréia da mudança prometida.

Fonte: Punto Final, edição n° 705, 19 de março de 2010, reproduzida por Carta Capital