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Déficit externo deixa a economia mais vulnerável e dependente

 O Brasil registrou, em março, um déficit de 5,1 bilhões de dólares nas contas correntes do balanço de pagamentos. O saldo negativo acumulado no primeiro trimestre atingiu US$ 12,14 bilhões, o maior valor registrado para o período desde 1947. Tal resultado reflete o aumento das remessas de lucros e dividendos, o pagamento líquido de juros da dívida externa, bem como as viagens internacionais e outros serviços.

Por Umberto Martins

A causa da deterioração das contas externas brasileiras não pode ser atribuída ao comércio. Muito embora a manutenção do câmbio flutuante seja um luxo, a balança comercial continua no terreno positivo, acumulando superávits. O rombo acontece em função do crescente passivo externo (líquido) do país.

Remessas de lucros

O BC subdivide as transações correntes em três contas: comércio, serviços e rendas. No primeiro caso, compreende-se o saldo entre exportações e importações, que continua favorável ao país, apesar da valorização do real. Já o item serviços (transporte, turismo, aluguel de equipamentos, seguros, serviços governamentais) registrou déficit de 3 bilhões de dólares em março, com destaque para transportes (-US$ 574 milhões) e viagens internacionais (-US$ 543 milhões).

Na contabilidade das “rendas”, também se observou, em março, um rombo de 3 bilhões de dólares, 38,1% a mais que no mesmo período do ano passado. As remessas totais de lucros e dividendos realizadas pelas multinacionais é o que mais pesa neste subconjunto. Somaram US$ 2,5 bilhões, com variação de 43% em relação a março de 2009, e superaram em 500 milhões de dólares o ingresso de investimentos externos diretos. O pagamento líquido de juros da dívida externa ficou em 582 milhões de dólares, 13,6% a mais do que no ano passado.

Multinacionais

Os números sugerem que a maior pressão sobre as contas correntes vem da própria conduta das empresas multinacionais e é a contrapartida inevitável dos investimentos realizados aqui pelo capital estrangeiro. Não restam dúvidas de que esses investimentos têm um impacto positivo na taxa de investimentos ou Formação Bruta de Capital Fixo. A outra face deste movimento, porém, é o aumento do passivo e das remessas.

O tratamento liberal que a atual política econômica concede ao capital estrangeiro, seja no que se refere aos ingressos quanto principalmente às remessas, tem muito a ver com o agigantamento do déficit em conta corrente. Seria recomendável, por exemplo, medidas para restringir e taxar de forma mais efetiva as remessas de lucros e dividendos.

Risco para o futuro

É preciso ressaltar que, em curto prazo, o déficit em conta corrente não constitui um problema maior para a economia nacional. Por enquanto, o país está protegido pelas reservas em divisas fortes acumuladas pelo Banco Central (superiores a 240 bilhões de dólares). Além disto, o ingresso de investimentos diretos e indiretos provenientes do exterior tem sido suficiente para cobrir o saldo negativo nas transações correntes, o que explica o superávit do balanço de pagamentos em março (de 3,3 bilhões de dólares).

Todavia, não se deve duvidar de que, em médio e longo prazo, a acumulação de déficit em conta corrente é um sério risco. As crises cambiais que o Brasil viveu ao longo das últimas décadas estiveram estreitamente associadas ao rombo nesta conta do balanço de pagamentos. O financiamento dos rombos com ingresso de capitais estrangeiros amplia o passivo externo e a vulnerabilidade da economia nacional aos humores voláteis do capital estrangeiro. Não se deve confiar num sentido eternamente positivo dos fluxos de capitais estrangeiros.

Quando a fonte de financiamento secar, como já ocorreu no passado, as reservas terão de ser queimadas e futuras crises cambiais podem ser inevitáveis. É prudente cuidar para frear o avanço do déficit, e isto não se faz só com o incremento (nem sempre saudável) do superávit comercial. É necessário estabelecer limites para a ganância das multinacionais.