Sem categoria

Europa: A Grécia não é a causa principal da crise do euro

A visão que está sendo transmitida pela maioria dos meios de comunicação na Espanha sobre a crise do euro é que esta crise é provocada pelo comportamento irresponsável do governo grego, que gastou em excesso no seu estado de bem-estar, criando um déficit e uma dívida pública que não são sustentáveis e que geraram dúvidas sobre se o governo poderá pagar as suas dívidas, com o que a moeda utilizada pela Grécia – o euro – ficará muito afetada.

Por Vicenç Navarro

Exemplo desta leitura do euro é o artigo de Sala i Martín em La Vanguardia (17 de fevereiro de 2010), no qual critica a Grécia (e outros países da zona euro mediterrânea, incluindo Espanha) de ser responsáveis pela crise da moeda europeia, devido a um excessivo gasto público, esbanjado – segundo ele – em exuberantes benefícios sociais e trabalhistas.

Neste contexto, aparecem frequentemente os aposentados gregos, muitos dos quais já podem se aposentar com a idade de 55 anos. Desta leitura deriva-se que a solução é que os gregos (bem como os espanhois, portugueses e outros mediterrâneos – embora incluam também a Irlanda – inclinados a excessos nos seus gastos públicos) apertem o cinto cortando o seu gasto público e reduzindo os seus exuberantes benefícios sociais e trabalhistas, tal como instruem o Banco Central Europeu (máxima autoridade monetária da zona euro) e o Pacto de Estabilidade.

Até aqui chega o dogma liberal. Vejamos agora os dados. Na realidade, nos últimos quinze anos (até 2009), a economia grega tinha sido bastante bem sucedida. O seu crescimento econômico (medido no PIB per capita) cresceu mais rapidamente que a média da UE. É verdade que agora o seu déficit é elevado (13% do PIB), e a sua dívida é também elevada (113%), embora não muito mais elevada que a dívida que se projecta para 2011 para a média dos países da OCDE e muito menor que a dívida do Japão (192% do PIB).

O que aconteceu na Grécia, e na maioria dos países da OCDE, é que a diminuição dos rendimentos do estado, consequência da queda muito acentuada da actividade económica, provocou o crescimento do déficit. O que os liberais esquecem é que o problema do déficit baseia-se mais no déficit de rendimentos para o estado (impostos), que na exuberância do gasto.

A Grécia é um país pequeno (que além disso tem uma fraude fiscal enorme), e o governo conservador anterior preferiu conseguir dinheiro dos bancos estrangeiros que aumentar os impostos das pessoas mais ricas e assim corrigir a fraude fiscal. 95% do dinheiro que conseguiu, vendendo títulos, foi a bancos europeus. Por outras palavras, 95% da dívida do estado grego possuem-na os bancos europeus (e muito em especial os alemães).

Estes bancos compraram os títulos gregos em massa e a preços muito reduzidos. Tem milhões de euros em títulos. Estes títulos tem-nos assegurados no que se chama Credit Defaults Swaps (CDS); o que quer dizer que a garantia dos títulos não se baseia no seu preço real, mas num preço fictício, resultado da especulação. Daí as campanhas dos bancos e dos hedge funds (fundos de carácter especulativo) a fim de inflar o preço dos títulos que geram um juro exorbitante de 7% ao ano. E estão acumulando dinheiro como consequência deles. Disto, os liberais nem falam.

Mas este crescimento exuberante dos juros dos títulos tem que ser pago pelo cidadão grego à custa de ajustar o cinto. E aí está o Pacto de Estabilidade, o instrumento por antonomásia de retidão monetária. O que se diz ao cidadão grego é que tem de ser mais austero, viver com menos transferências e serviços públicos e reduzir os seus benefícios sociais e trabalhistas.

Tudo isso para que se possa pagar aos bancos os seus escandalosamente altos benefícios bancários, baseados em mera especulação. E os bancos têm as suas próprias agências de certificação (que estão no seu bolso), que catalogam os títulos dos estados segundo a vontade dos governos de seguir as instruções dos bancos (que se chamam os mercados financeiros).

Ora bem, esta queda do gasto público está a criar um enorme problema, pois acentua mais a recessão e dificulta a recuperação em todos os países da zona euro e não só nos países mediterrâneos (e Irlanda), mas também nos países centrais, incluída a Alemanha.

A austeridade de gasto público (iniciada já com as reformas Schroeder) na Alemanha, juntamente com a falta de crescimento dos salários naquele país, faz com que a escassa procura interna esteja a impossibilitar o estímulo econômico necessário para sair da crise.

Daí que os círculos liberais e conservadores que governam a Alemanha tentem basear a recuperação econômica no crescimento das exportações. Mas o problema é que a grande maioria das exportações na Alemanha (2/3 partes) vão para os países da zona euro que não estão a importar pelas mesmas razões: as práticas de austeridade (baixa de gasto público e de salários), que estão a impossibilitar que se importem os produtos alemães.

Daí que o comércio alemão e europeu se esteja paralisado. Na realidade, na Irlanda, onde mais se aplicaram as receitas de austeridade (tal como na Lituânia), o PIB diminuiu nada menos que 8% (em 2009), desembocando aquele país numa profunda recessão. Algo igual ocorrerá na Grécia (e pode ocorrer em Espanha se as políticas de austeridade não mudarem). O pacote de ajuda da UE à Grécia que Zapatero, presidente da UE, organizou, é uma medida necessária mas profundamente insuficiente, pois a solução para a crise da Grécia passa por mudanças mais profundas do que a UE está a considerar, pois é necessária um giro de 180º nas suas políticas, passando de políticas liberais a políticas keynesianas de estímulo da procura.

Quando se acreditava que a presente crise (gerada pelas políticas liberais) significaria o fim do neoliberalismo, resulta que, paradoxalmente, estamos a ver como a maioria dos governos da UE, alentados pelas suas instituições (tanto o BCE, como a Comissão Europeia e o Conselho Europeu) estão a reincorporar tais políticas.

Vicenç Navarro é professor de cátedra de Políticas Públicas da Universidad Pompeu Fabra e professor de Políticas Públicas da John Hopkins University.

Fonte: Informação Alternativa