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A greve geral grega e a proscrição do modelo europeu  

Por Renato Rabelo* em seu Blog

Com a total solidariedade dos comunistas brasileiros, os trabalhadores da Grécia cruzam os braços diante de uma das grandes injustiças perpetradas pelo grande capital internacional. Uma infame política contra a dignidade nacional e a honra daqueles que nada tem a ver com uma suposta dívida contraída às espensas da opinião da maioria absoluta da população desta república helênica. Vale a pena repassar os acontecimentos geradores desta nobre e incontestável atitude da classe operária grega.
 
Nas últimas semanas tem vindo à tona um problema que não se encerra em si mesmo. Na verdade a insolvência financeira da Grécia é apenas a ponta de um iceberg que pode desembocar no próprio questionamento dos limites de uma integração econômica executada no âmbito da União Européia (UE). Integração esta plenamente baseada em valores e dogmas neoliberais. Por detrás do pacote conjunto FMI/EU – de cerca de 120 bilhões de euros, seguida por condicionalidades leoninas que atentam diretamente contra os trabalhadores gregos — está um tipo de integração que merece ser melhor discutida. E de forma crítica. Bom lembrar que durante todo o período que antecedeu a abertura dos Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas, a Grécia era pintada como um exemplo a ser seguido: país que combinava altas taxas de crescimento com ajuste fiscal, controle de inflação e sistema financeiro desregulamentado.  
Atenhamos, em primeiro lugar, a dois detalhes. O primeiro, as “condicionalidades” do “empréstimo”: aumento dos impostos, redução do déficit orçamentário grego de 13,6% para 3% até 2014, flexibilização das leis trabalhistas, aumento da idade média para aposentadoria de 53 para 67 anos, congelamento dos salários dos funcionários públicos, que vigora este ano, será estendido até 2014, cortes no 13º dos trabalhadores etc etc. O outro detalhe: nenhum centavo deste dinheiro chegará em território grego, pois ficarão – em sua grande parte – nos cofres dos bancos franceses e alemães, os principais credores da dívida grega. Este pacote nos lembra muito o fatídico ano de 1999, quando após quebrar o Brasil pela segunda vez, FHC rifou os destinos da nação ao FMI em troca de uma “ajuda” de US$ 40 bilhões. Como uma novela com final conhecida, o povo grego deve pagar a conta. 
Aos especialistas que intentam contra a nossa inteligência, o motivo do problema grego está de novo a ladainha da “farra fiscal”. Além de colocar aspas em determinados conceitos artificialmente criados, devemos demonstrar a veleidade que cerca esta pobre assertiva. O déficit público grego previsto para este ano é de 9,8% do PIB, menor – por exemplo – que o do Reino Unido (13,3%), que os dos EUA (10,7%) e Irlanda (12,2). O problema é bem mais de fundo. 
Um a integração moldada pela desregulamentação financeira pela via da imposição de um único modelo de gerenciamento econômico comum a todos os membros – sejam eles ricos ou pobres – só pode redundar na concentração da indústria em alguns países e aprofundamento da desindustrialização em outros como o Grécia, Espanha, Portugal e os ex-socialistas do Leste Europeu, notadamente a Hungria. O preço da não-autonomia em matéria de política macroeconômica foi doce veneno degustado para os referidos países. Num primeiro momento o processo de desindustrialização foi atenuado com a transferência de enormes fundos europeus voltados à construção de infraestrutura, empreendimentos imobiliários e no turismo redundando em fortes taxas de crescimento do PIB. Lado a lado e em decorrência desta expansão veio a formação de uma imensa bolha imobiliária e o financiamento destes países com a venda de títulos da dívida pública rubricada por altas taxas de juros. Além disso, a diminuição do peso da industria nesses países foi fator de completa perda de competitividade destas economias.  
Onde falta produção, sobra especulação. A crise financeira desnudou a fragilidade deste esquema de integração econômica baseada na anarquia da produção. Ataques especulativos foram inevitáveis e a insolvência grega é mais um capítulo do processo de financeirização onde a corda quebra do lado mais fraco. Não quebrou para o núcleo duro da UE (Alemanha e França) e sim na Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda e nos antigos países socialistas do Leste Europeu. 
Ante a falta de autonomia para implementação de políticas anti-ciclicas centradas em necessárias desvalorizações cambiais, o que sobra são acordos leoninos, ataque aos direitos dos trabalhadores e regressão social. A ausência de soberania sobre a política monetária é a outra face da mesma moeda sintetizada em arrocho e sofrimento para grande maioria da população grega. Não é exagero afirmar que a derrocada grega é sinônimo da desmoralização da própria União Européia.  

Fica assim a lição para nós, preocupados com os rumos do processo de integração da América do Sul: que o crescimento do Brasil seja fator de impulso à processos de industrialização de nossos vizinhos. Não o contrário. 

Renato Rabelo é presidente nacional do PCdoB
Fonte: Blog do Renato