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Enviado do L'Humanté relata a resistência grega

Uma maré humana encheu as ruas na capital e nas grandes cidades da Grécia. A população conseguiu dar uma demonstração de força, apesar dos trágicos acontecimentos provocados em Atenas por elementos "fora de controle", relata Fabien Perrier, enviado especial do diário comunista  francês L'Humanité. Veja a íntegra.

Os manifestantes estavam convocados em Atenas para as 11 horas (desta quarta-feira, 5). Desde bem antes disso as ruas estavam cheias. Só o cortejo do Pame (a central sindical onde participa o KKE, o partido comunista grego) reunia pelo menos 25 mil pessoas.

Na longa Avenida Patission, milhares de cidadãos também acompanhavam a bandeira da Syriza (coalizão da esquerda radical), dos sindicatos da Adedy (do setor público) e da GSEE (setor privado), dos trabalhadores imigrados e sem-papéis, ou ainda dos anarquistas.

Sindicalista alemão arranca aplausos

Figuras conhecidas estavam lá: o lutados da Resistência ao nazismo Manolis Glezos, a cantora Haris Alexiou, jornalistas… Toda a sociedade grega tentava demoinstrar sua determinação de repudiar as medidas de austeridade. Em nível europeu, numerosas delegações vieram trazer seu apoio e se exprimiram da tribuna, antes do início da passeata.

"O FMI e a Uniâo Europeia exigem que vocês paguem uma crise que não foram vocês que provocaram", afirmou Claus Matecki, dirigente da poderosa central sindical alemã DGB. Ainda que os gregos não engulam a posição do governo alemão em relação a eles, os aplausos não podiam ser mais calorosos.

Muitos aplausos também para Paul Fourier, da central francesa CGT, que encerrou dizendo: "Hoje, somos todos gregos! Obrigado e coragem!"

"Não acreditamos no FMI"

O discurso de Yannis Panagopoulos, presidente da GSEE, foi o menos bem recebido: vaias e assovios encobriram repetidamente sua voz. E, pedindo anonimato, quadros dessa central com nada menos de 2 milhões de filiados admitem que ela vive uma crise. Sua direção, que retardou as ações em comum com a Adedy, terminou ultrapassada pela base, e em parte desmoralizada.

"Vim aqui porque quero estar no movimento. É preciso que nos devolvam o dinheiro que foi roubado, criar empregos, recuperar os salários. E que o sindicato realmente me defenda"!", explicava Tonia, 26 anos, secretária na Federação dos Eletricitários da Grécia. Ela ganha um salário de 480 euros em um contrato parcial, imposto. Para ela, "os gregos não podem mais constituir uma família; quanto aos aluguéis, nem é bom falar. Sobrevivemos", completa.

Sobreviver, sim, e restaurar sua dignidade de assalariado, de trabalhador. "A situação vai piorar: eles rebaixam nossos salários, suprimem os empregos de que,m sai de férias, reduzem as aposentadorias. Quem aceitaria um tratamento desses?", indaga Johanna, 30 anos, sem filhos. "Filho para fazer o quê? Como eu poderia criá-lo?", explica ela. E se pronuncia pelo "não ao FMI. Eles querem nos fazer acreditar que é preciso o Fundo se instalar aqui. Mas nós não acreditamos nisto nem por um segundo."

"Vamos perder 50% do poder aquisitivo"

Além das medidas antissociais, o FMI terminou contribuindo para a mobilização, em um país onde, por razões históricas, o sentimento antiamericano se difundiu. O que não impedem que os gregos compreendam bem que não são os primeiros a sofrer com essa política.

"Na realidade, estamos a ponto de perder 50% do nosso poder aquisitivo", reclama Kaliopi, 38 anos, que assiste a manifestação degenerar e o gás lacrimogêneo invadir a Praça Syndagma, diante do Parlamento. "Não somos vagabundos. Trabalhamos duramente e estamos entre os mais mal pagos da Europa. Amanhã, a Europa inteira vai viver a mesma coisa."

Na cauda da passeata, que iniciou sua marcha duas horas depois da linha de frente, as bombas de gás ainda tentam dispersar os manifestantes. Estes permanecem reunidos.

"Antes eu ganhava 1.250 euros por mês, agora, 1.150. Meu adicional diminuiu. E sei que meu salário ainda vai baixar mais", testemunha Yannis, 30 anos, professor em uma grande escola. "Todo mundo sabe que não há justiça. Dinheiro existe, mas não se pode procurar onde ele está…"

Os policiais tomam posição, os dedos no gatilho dos lançadores de bombas de gás, os cassetetes em punho. "Não enxergo o que se pode fazer mais. Eles só nos deixaram uma opção", conclui Yannis.

Os sindicatos que convocaram a greve geral estiveram por um longo período divididos. O Pasoik (partido social-democrata, hoje no governo) se desagrega. A esquerda radical, entre o KKE e a coalizão Syriza (onde a maior organização é a Synaspismos) tropeça em divergências internas. Já os manifestantes precisam de rumos políticos. São 16 horas, e os gritos de contestação ainda ecoam em Atenas. Como o soar das sirenes.

Fonte: http://www.humanite.fr; intertítulos do Vermelho