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Vigília do 13 de maio debateu morte de jovens por ação da polícia

A vigília que percorreu os pontos históricos do centro de São Paulo com tochas acesas e toque de atabaques na véspera desta quinta-feira (13/5), data da abolição de escravatura ocorrida há 122 anos, teve um ato político vigoroso, que foi tomado pela comoção em relação a morte de jovens negros por ação da polícia em casos recentes ocorridos em São Paulo.

- João Mendes

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Cerca de 300 pessoas participaram do ato político ocorrido na Praça Clóvis (próxima à Sé), por volta das 22h desta quarta-feira (12/5). O ato foi o ponto alto da vigília organizada por diversas entidades do movimento negro que percorreu os pontos históricos do centro de São Paulo, como fazem há 14 anos nesta data. Alguns deputados federais e estaduais participaram da manifestação, mas as principais falas foram do representante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), babalawo Ivanir dos Santos, e da cantora Leci Brandão. A caminhada seguiu até a virada do dia 12 para 13, tendo sido encerrada pouco depois da meia-noite.

Foto: João Mendes
Na concentração da vigília, da esquerda para a direita: deputado estadual José Cândido (PT), deputado estadual Simão Pedro (PT), Leci Brandão e Padre José Enes, do Instituto do Negro Padre Batista

O patriotismo de Dunga

A cantora Leci Brandão fez referência a um assunto que instiga o conjunto do povo brasileiro: o técnico Dunga. Leci questionou declarações recentes do técnico em que ele afirma que não pode falar sobre a ditadura militar ou sobre a escravidão por não ter vivido esses momentos. Para a cantora do movimento negro, quem ignora o sofrimento do povo e a luta que se deu em torno destes momentos tão significativos para a história do país não tem moral para exigir patriotismo de ninguém. Leci é diretora da União de Negros pela Igualdade (Unegro).

O diretor da Unegro Edson França demonstrou-se preocupado com o grau de mobilização da atividade em São Paulo – embora reunir 300 pessoas na noite que marcou a menor temperatura do ano em São Paulo não seja tarefa fácil – e disse que o movimento negro deve acender o sinal de alerta para jogar mais peso nas próximas atividades.

Foto: João Mendes
Ivanir, ao centro, na concentração da vigília, com Edson França (esq) e Padre José Enes

Ameaça à tolerância

O líder religioso Ivanir dos Santos tem recebido a solidariedade do conjunto do movimento negro e outros movimentos sociais, pois no último período recebeu três ameaças de morte pela internet. O ativista é visado pela sua atuação em defesa dos direitos humanos e contra a intolerância religiosa. Com 30 anos de militância pela causa dos Direitos Humanos, no fim da década de 1980 Ivanir denunciou grupos de extermínio de crianças negras na periferia e na Baixada Fluminense. No início de 1990, além de ameaçado, sofreu um atentado e teve o carro alvejado por vários tiros quando saia de casa no Morro da Mangueira, na Zona Norte do Rio.

Em sua fala, destacou que sua principal aflição não é a ameaça à sua própria integridade física, mas a ameaça que constantemente se faz ao processo de avanço que o debate acerca da tolerância religiosa tem alcançado.

Público-alvo: jovens negros

Edson França, da Unegro, ressaltou que todas as falas do ato político destacaram o absurdo das mortes ocorridas em São Paulo por conseqüência de ação policial, tendo como vítimas sobretudo jovens negros, mas defendeu que não deve haver generalizações, pois nem todos os policiais agem desta maneira. Segundo ele, o problema está com a instituição: “a polícia é o braço armado de uma ideologia racista, neoliberal e conservadora. E o governo do estado de São Paulo, especialmente, está falido em termos de segurança pública". Reconhecendo que o problema da segurança pública não se restringe a São Paulo, Edson defende que é “um problema de Estado”, que reflete “a crise civilizacional do capitalismo”.

Foto: João Mendes
O babalawo Ivanir dos Santos fez um longo depoimento ao lado do Padre José Enes na Igreja dos Homens Pretos, ao fim da vigília

As versões do 13 de maio

A vigília da véspera da data da abolição da escravatura tem o objetivo também de estimular o debate e a reflexão sobre o significado da data. Para Edson França, “o movimento negro desconstruiu o olhar oficial sobre o 13 de maio, que o apresenta como um ato de benevolência da Princesa Isabel. Valorizamos a luta da população que houve e torno da abolição”. Ele explica ainda que a visão predominante no movimento negro é que a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 representou uma “falsa abolição”. A posição da Unegro é que houve uma abolição incompleta, inconclusa, mas que se trata de uma data a ser refletida e rememorada.
Além da vigília de quarta-feira (12/5), o movimento negro organiza outro ato na capital paulista, nesta quinta-feira (13/5), a partir das 13h, na praça do Patriarca.

Ocorrem também atos em outras capitais brasileiras e nesta semana a Secretaria Nacional e o Coletivo Nacional de Combate ao Racismo do PT realizam nos dias 14, 15 e 16 de maio, em Brasília, o Encontro Nacional de Negras e Negros petistas.

De São Paulo, Luana Bonone, com informações da Afropress