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Inúteis conselhos de um “ex-comunista”

A Carta Capital, uma honrosa exceção entre as revistas semanais brasileiras, pela fidedignidade das suas informações e profundidade de suas análises, publicou na edição desta semana, com data de 26 de maio, uma entrevista com um curioso personagem da política europeia, Massimo D´Alema.

Por José Reinaldo Carvalho*

O ex-primeiro-ministro italiano (1998 a 2000) fala sobre o seu relacionamento com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, apresenta-se como garoto-propaganda de grandes empresas oligopolistas italianas, diz platitudes sobre o papel da “esquerda democrática” europeia no enfrentamento da crise e disserta sobre o combate histórico do velho PCI ao terrorismo que assolou a Itália nos anos 1970. Mesmo dizendo não querer polemizar sobre o caso Battisti, ajuda a fundamentar a opinião da revista em defesa da extradição do ex-militante extremista refugiado no Brasil.

Aos nossos olhos passaria desapercebido o falatório do político italiano, não fosse a repetição de um surrado discurso anticomunista, travestido de crítica ao “velho comunismo ortodoxo”. Reportando-se a como o extinto Partido Comunista Italiano, do qual foi expoente no passado, encarava a esquerda mundial, o atual dirigente do Partido Democrático jacta-se de que “em geral, em relação aos partidos comunistas ortodoxos, nós não alimentávamos particular simpatia, enquanto tínhamos curiosidade pelos inovadores”. Com tom professoral, singularidade da arrogância eurocentrista que alguns pigmeus tropicais acompanham anacronicamente, o ex-“comunista” D´Alema dá voz ao seu achismo acreditando que alguns intelectuais do PT leram Gramsci.

Desculpando-me por ignorar o que leram os intelectuais do PT, tenho certeza de que de uma maneira geral a esquerda brasileira revolucionária leu não só Gramsci, como Marx, Engels, Lênin, Stálin, Dimitrov, Rosa Luxemburgo, Mao Tsétung, Fidel Castro, Che Guevara, Mariátegui e tantos outros autores que contribuíram para afirmar uma corrente de pensamento marxista-leninista, efetivamente transformadora, anti-capitalista e antiimperialista.

No afã de encontrar saídas fáceis e rápidas, não poucas vezes incorreu-se em manifestações de dogmatismo. Não é fácil compreender as peculiaridades das situações concretas e encontrar o ponto de equilíbrio entre os princípios revolucionários e a flexibilidade tática. O aprendizado da esquerda revolucionária é penoso e sinuoso, mas é simplismo analisar seu percurso apenas com a antinomia entre ortodoxos e inovadores. Há um lado positivo na experiência da esquerda, mesmo quando laborou em erro – a luta para não sucumbir a pressões liquidacionistas e para afirmar sua identidade. A ortodoxia e o dogmatismo são graves manifestações de oportunismo que a esquerda precisa superar. Mais grave ainda é pretender transpor esta barreira recorrendo aos favores de uma nada original heterodoxia, a partir de um completo rompimento com os princípios revolucionários. É a troca de um oportunismo por outro.

Certamente, o aperfeiçoamento teórico e ideológico dos partidos comunistas e revolucionários requer o estudo dos textos de Antonio Gramsci, político, intelectual, cientista político, literato de sólidas tradições leninistas. Mas é nefasto copiar Gramsci em situações diversas à que ele viveu e atuou e mais nefasto ainda contrapor Gramsci a Lênin, atribuindo caráter reformista à obra do fundador do Partido Comunista Italiano. Certa esquerda procedeu assim nos anos 1970 e 1980 no Brasil, em meio à acirrada luta que levou à transformação do Partido Comunista Brasileiro em Partido Popular Socialista, em 1992.

D´Alema e os seus parceiros ex-comunistas heterodoxos que integram a “esquerda inovadora” protagonizaram a metamorfose social-democrata e liberal-burguesa do velho PCI, até a sua liquidação em 1991. Aliás, o liquidacionismo é um traço do tipo de político que D´Alema representa. Em seguida à dissolução do PCI, este grupo criou o Partido Democrático da Esquerda, depois rebatizado como “Democráticos de Esquerda”. Em 2007, este também foi extinto, resultando da sua fusão com agrupamentos do centro a criação do Partido Democrático.

O entrevistado de Carta Capital não foi artífice apenas da dissolução do PC na Itália. Foi também chefe de governo, integrando ainda mais seu país às políticas imperialistas e agressivas dos Estados Unidos. Como primeiro-ministro (1998 a 2000), participou do ataque militar orquestrado pelo governo de Clinton à ex-Iugoslávia. Mais tarde, foi ministro das Relações Exteriores do governo centrista de Romano Prodi, cargo no qual não se destacou por qualquer política em defesa da paz e da autodeterminação dos povos.

O busílis da questão para a esquerda contemporânea não é se transformar numa centro-esquerda palatável à ordem imperialista e do capitalismo senil. Ser de esquerda hoje requer a capacidade de manter uma linha revolucionária numa época de contrarrevolução e obscurantismo teórico e ideológico. Nisto o “professor” D´Alema nada tem a ensinar.

*Secretário Nacional de Comunicação do PCdoB