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Serra, o mau vizinho, acusa Bolívia de 'cúmplice do tráfico'

O presidenciável da oposição, José Serra (PSDB), criou mais um incidente diplomático, nesta quarta-feira (26), ao acusar o governo boliviano de "cúmplice do narcotráfico". O governo de La Paz protestou. Um mês atrás foi a vez da Argentina, que rechaçou a versão do tucano, de que o Mercosul "é uma farsa". Imagine o que faria na Presidência um sujeito que trata os vizinhos desse jeito…

Por Bernardo Joffily


"A cocaína vem de 80% a 90% da Bolívia, que é um governo amigo, não é? Você acha que a Bolívia iria exportar 90% da cocaína consumida no Brasil sem que o governo de lá fosse cúmplice? Impossível. O governo boliviano é cúmplice disso", disparou o tucano, no Rio de Janeiro, em entrevista ao programa Se Liga, Brasil, de Roberto Canázio, na rádio Globo.

A ironia de Marco Aurélio Garcia

O assessor de assuntos internacionais do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, respondeu com ironia ao manifestar sua procupação com a fala de Serra. “Fiquei preocupado sobretudo quando se aspira ser um primeiro funcionário de governo que tem que ter muita seriedade. Isso envolve o relacionamento com países vizinhos que temos relações. O presidente Serra está tentando ser o exterminador do futuro da política externa”, disse Marco Aurélio a jornalistas nesta quintra-feira, também no Rio.

“Acho que talvez ele esteja pensando que, em uma política de cortes de despesas, ele venha a fechar umas 20 ou 30 embaixadas de países aos quais ele está insultando no momento”, disse ainda o assessor de Lula, sempre na linha irônica. “Isso não me parece prudente. Ele está brigando com tanta gente que não há outro caminho a não ser fechar as embaixadas”, agregou.

O ministro da Presidência da Bolívia, Oscar Coca Antezana, foi mais duro. "Isso não me parece correto, cabível. Se ele [Serra] sabe algo, que diga o que sabe e siga os trâmites legais para fazer a denúncia. Se não fizer, ele é que é o cúmplice", afirmou o ministro boliviano. Ele lembrou ainda que "em nossas cadeias há narcotraficantes brasileiros", mas que não iria opinar sobre isso.

O Mercosul? 'Uma farsa', 'só atrapalha'

No dia 19 de abril, outra declaração desastrada de José Serra também provocou repercussões diplomáticas: em reunião com empresários na Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), pregou o fim do Mercosul, alegando que "ficar carregando esse Mercosul não faz sentido".

“O Mercosul é uma barreira para o Brasil fazer acordos comerciais. A união aduaneira é uma farsa, exceto quando serve para atrapalhar”, foi o comentário do pretendente presidencial oposicionista. No lugar do bloco sul-americano, ele pregou "políticas mais agressivas" de acordos bilaterais, voltados para os Estados Unidos e a Europa.

A tirada de Serra gerou protestos da Argentina e uma declaração-resposta do Parlasul, apresentada por legisladores dos quatro paíse-membros e aprovada por unanimidade na reunião seguinte do Parlamento do bloco, em Montevidéu.

"Não se deve tomar as declarações de campanha necessariamente como todo o pensamento a respeito", menosprezou o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana. "Não me parece que essa seja a posição do Brasil nem da maioria de seus setores econômicos e políticos. O Mercosul não só está vivo, mas com projeção para ir adiante", avaliou.

Os fatos desmentem a acusação farsesca do tucano. Entre 2003 e 2008, as exportações do Brasil para o Mercosul multiplicaram-se por 6,6 (de US$ 3,3 bilhões para US$ 21,7 bilhões), enquanto as exportações totais do país cresciam 3,3 vezes e o comércio mundial como um todo 2,4 vezes.

Tucanos, reincidentes no antilatinoamericanismo

No entanto, o presidenciável do PSDB-DEM tem uma antiga fixação contra os vizinhos do Brasil. Quando ele tentou pela primeira vez a Presidência, em 2002, usou como bordão a "ameaça" de que "o Brasil pode virar uma Argentina ou uma Venezuela". Até o jingle da sua campanha dizia que "não vou ser outra Argentina".

Na campanha eleitoral de 2006 o candidato do PSDB-DEM, Geraldo Alckmin, seguiu pelo mesmo caminho. No primeiro debate ao vivo pela TV (em 9 de outubro), ele pegou a Bolívia para Cristo, por ter nacionalizado o seu petróleo e gás. Acusou Lula de "submisso, omisso e fraco", prometendo "uma reação firme de meu governo".

Isso para não falar das alfinetadas de Serra contra Cuba, nem da torcida em favor dos golpistas hondurenhos ou contra o acordo nuclear iraniano. Ou ainda da recente pajelança demo-tucana contra a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul, tão inglória como inútil.

Grosseria foi cálculo eleitoral e não diplomático

Além de mal-educadas, as declarações de Serra contra a Bolívia são evidentemente prejudiciais à relação com o país vizinho e seu governo. Evo Morales, eleito por seu povo em 2005 com 53,7% e ratificado em 2008 com 67,4% dos votos válidos, tem mandato para presidir a Bolívia até 2011. Supondo-se que Serra viesse a ser o presidente, a partir de 1º de janeiro próximo, como iria se relacionar com aquele que chamou ontem de "cúmplice do narcotráfico"?

Os analistas que se debruçaram sobre a acusação do tucano concluiram que ele a fez com motivações não diplomáticas, mas eleitorais. Afinal, os bolivianos não votam em 3 de outubro. O realmente importante é vencer a eleição. Arranhar a amizade com um país vizinho é um problema que vem depois, já que, se perder, Serra não será mesmo presidente e nem terá que se relacionar com a Bolívia.

No entanto, as tiradas contra os vizinhos não ajudaram Serra em 2002. Nem Alckmin em 2006.

Com certeza agradaram – e continuam agradando – a direita latino-americana, que rói as unhas enquanto acompanha a queda da oposição nas pesquisa. O novo presidente póspinochetista do Chile, Sebastián Piñera, já disse que é Serra.
Mas Piñera também não votará em 3 de outubro. E a política externa do governo Lula vive a sua melhor fase: com certeza será um potenciador e não um redutor da votação de sua candidata, Dilma Rousseff (PT).

Dilma: 'Não é papel de quem quer ser estadista'

Dilma também condenou a gafe do seu oponente. "Não é possível de forma atabalhoada a gente sair dizendo que um governo é isso ou aquilo. Não se faz isso em relações internacionais, não é papel de um estadista, de quem quer ser um estadista", disse a ex-ministra nesta quinta-feira em Gramado (RS).

"Não acho que esse tipo de padrão, em que você sai acusando outro governo, seja uma coisa construtiva. Acho que a gente tem de ter cautela, prudência, tem de saber que são relações delicadas, que envolvem soberanias", agregou a presidenciável do campo de Lula.

"Não concordo com esse tipo de categorização. Não acho que seja uma coisa construtiva porque as relações diplomáticas são sempre complicadas. Mesmo sendo um país pequeno, devemos ter cuidado. A chegada do Evo (Morales) mostra uma certa maturidade e acho que temos de respeitá-la", disse ainda Dilma.