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Líder turco reforça liderança diplomática dos países emergentes

Para o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, as potências mundiais estão tentando impedir o acesso de países emergentes às grandes questões da diplomacia internacional. Dividindo uma fronteira de 380 quilômetros com o Irã, a Turquia garante que se manterá firme à resolução para a troca de combustível nuclear

Erdogna, primeiro ministro da Turquia

E, dizendo confiar no vizinho, Erdogan lembra que ninguém tem provas concretas de que o programa nuclear de Teerã não seja pacífico. Cercado de assessores, o premier concedeu entrevista ao jornal O Globo em seu hotel, no Rio. A fala é pausada, mas dura. O olhar incisivo mostra por que ele foi peça-chave para que Brasil e Turquia chegassem ao Acordo de Teerã.

Confira abaixo a entrevista:

O Globo: Apesar do acordo, novas sanções ao Irã são iminentes. Qual o próximo passo de Brasil e Turquia para evitá-las?
RECEP TAYYIP ERDOGAN: Não há clareza agora. Ainda. Quando a situação estiver mais clara, vamos decidir o próximo passo. Se o acordo for respeitado pelo Irã, nós, que colocamos nossos nomes, nossas assinaturas naquele documento, não vamos voltar atrás enquanto o Irã se mantiver fiel a esse acordo. O Irã provou ser membro da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), signatário do TNP, e cumpriu o que se esperava nesse projeto de troca de urânio. Por isso, a comunidade internacional deve apoiar-nos.

O Globo: Um dos pontos criticados pelos membros do Conselho de Segurança é o fato de o Irã poder seguir enriquecendo urânio. Por que isso não foi discutido?
ERDOGAN: O enriquecimento de urânio para fins civis pode ser feito no Irã e no resto do mundo. Muitos países enriquecem urânio. Por que estamos tão incomodados? Se outros países podem, por que não o Irã? Vamos falar de justiça e não de injustiça. Se você pressiona o Irã assim, nunca terá resultado algum! Há duas semanas, assinei um acordo com a Rússia para a criar uma usina nuclear na Turquia e vou começar a enriquecer urânio no futuro. E aí dirão à Turquia "não, vocês não podem enriquecer urânio"? Eu vou dizer que é para produzir energia. Você pode enriquecer e eu não? Isso é inaceitável! A quantidade, sim, pode ser discutida. Muitos dos que pressionam o Irã estão, na verdade, comercializando urânio. E é uma coisa que o Irã também pode fazer. Temos que ser justos e honestos.

O Globo: Também não houve acordo para permitir novas inspeções da AIEA no Irã . Por quê?
ERDOGAN: Os que incentivam a paz admiram nossos esforços e nos apoiam. Os países contrários a essa iniciativa apreciam o esforço, mas não sabem quais suas consequências. Não estão muito confiantes. Há órgãos internacionais, a AIEA, que pesquisa o tema, o Irã é membro da AIEA e signatário do TNP. Se as organizações internacionais querem inspecionar mais, saber mais, que sigam e frente e investiguem! Se não houver apenas uma usina nuclear, mas uma fábrica de bombas atômicas, então isso pode ser denunciado ao resto do mundo. Mas, isso nunca aconteceu até agora.

Não podemos temer uma coisa que não existe. Nos últimos meses, a imprensa internacional está sendo manipulada contra o favor que nós estamos fazendo. Está sendo atiçada, provocada diante de nossa boa vontade. Com o tempo, essa ventania passa e as coisas vão parecer mais positivas. Temos que dizer não a essas manipulações. Eu e o presidente Lula sabíamos que iam falar contra nós. Mas fomos decididos. E é assim que seguiremos.

O Globo: No ano passado, o Irã foi pego omitindo a existência de uma usina nuclear secreta, em Qom. Diante desse histórico de desconfiança, é possível confiar em Ahmadinejad?
ERDOGAN: A AIEA não pode criticar as usinas iranianas ou classificá-las como fábricas de armas. A AIEA só fala de possibilidades. Vamos nos ater aos fatos e não às possibilidades. As estruturas existentes no Irã são usinas nucleares. A comunidade internacional teme que essas instalações se transformem em fábricas de armas, mas não vejo assim. Não me foco em possibilidades. Falo a verdade. Claro que considero essa possibilidade, mas não a uso para julgar pessoas. Se não estamos falando da lei dos supremos, mas da supremacia da lei, temos que falar disso claramente. Os países alegam que haverá armas nucleares no Irã… Então vamos provar essas alegações! E há a possibilidade de inocência. Então, enquanto essas alegações não forem provadas, não podemos culpar ninguém. Vemos donos de armas nucleares perdidos em probabilidades "ah, eles têm armas aqui ou terão ali", mas nunca estão seguros de nada! Turquia e Irã são bons vizinhos e, por isso, não vamos nos basear em possibilidades remotas para julgar nossos vizinhos. Estamos de mãos dadas com Lula e Ahmadinejad, e demos um passo adiante.

O Globo: O senhor disse que quem se opõe ao acordo é invejoso. Há uma tentativa das grandes potências impedirem o acesso de emergentes às questões da diplomacia internacional?
ERDOGAN: Claro! Essa era uma função do Conselho de Segurança das Nações Unidas. E os membros permanentes são muito ativos, mas não foram efetivos. Não puderam dar passos concretos para resolver essa questão. Não puderam sequer ir adiante e conversar com o Irã. A posição foi "ah, vocês vão falar com o Irã? Tragam-nos alguma conclusão". Foi o que nos disseram no conselho. O Brasil foi incorporado e resolveu um problema significativo. O Brasil e a Turquia podem resolver problemas no Irã. E não podemos deixar de questionar: como os membros permanentes não podem resolvê-los? Eles deviam ser capazes, mas cometem num grande erro: eles têm que mudar sua mentalidade e estratégia. Brasil e Turquia não têm cadeiras cativas no conselho, mas gastaram bastante tempo para chegar a uma solução. Não queremos crédito algum; apenas que o processo termine bem. Não queremos crédito. Queremos um futuro mais pacífico a nossas crianças.

O Globo: Os laços com o Irã podem prejudicar os esforços turcos para entrar na União Europeia?
ERDOGAN: Nos papeis de entrada da União Europeia não consta nenhuma questão sobre negociar com o Irã ou estar próximo ao Irã. Há 35 pontos a serem cumpridos; nenhum com o nome relações com o Irã. Mas, é sabido que a Turquia é o ator mais importante para garantir a paz na região. A Turquia sempre foi o último portão da Europa se abrindo para o Oriente. Quando a Turquia for membro da UE, o bloco vai se abrir por toda a Ásia Central, à região do Mar Cáspio, melhorando as relações da UE nessas regiões.

Temos obstáculos pela frente. E nenhum dos países-membros enfrentou tantos obstáculos como nós! Estamos esperando a entrada há 50 anos! Nesse ínterim, vimos muitos países que não cumpriram os requerimentos exigidos tornarem-se membros. Mas, apesar de tudo, somos muito pacientes e decididos. Até a decisão final da UE, vamos nos manter assim, fortes e decididos. Teremos uma adesão completa. Não reconhecemos a oferta de uma parceria privilegiada com a União Europeia porque esse não é um conceito viável.

O Globo: A UE discrimina a Turquia por ser um país jovem, de 70 milhões de habitantes e, principalmente, muçulmano?
ERDOGAN: Digo apenas que 99% de nossa população são muçulmanos e 50 anos atrás, quando a Turquia quis ser membro da União Europeia, eles sabiam disso. E sabem disso hoje. Somos muçulmanos e cabe a eles a decisão. Nesse sentido, a Turquia não será insistente; vai apenas dizer "ok". A Turquia é membro da Otan e de outros fóruns internacionais. E a União Europeia não é um clube cristão! É uma união política, econômica e social. Portanto, deve estar aberta a judeus, cristãos, muçulmanos e a todos os credos. A participação turca trará alívio à UE; não será um peso em suas costas. Há hoje cinco milhões de cidadãos turcos vivendo em países europeus. Somos muito pacientes e vamos continuar assim. Por favor, escreva isso!

Fonte: O Globo