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Batista Jr.: “O Brasil não é imune à crise do euro”

O pior na zona do euro foi evitado, mas os riscos persistem. O alerta é do economista brasileiro Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), onde representa o grupo integrado pelo Brasil e mais oito países. Em entrevista ao Diário Catarinense, ele alerta que o Brasil não está imune.


O FMI, depois de muita relutância de muitos europeus influentes, esta sendo chamado a excercer um papel central no processo de estabilização europeia. Engoliram o orgulho.

A reforma do sistema financeiro enfrenta muitas resistências. A turma da bufunfa está com a credibilidade abalada, mas ainda tem muito poder e influência.

Batista Jr., que emite opiniões em nome pessoal e não do Fundo, diz que o Brasil está numa posição boa, mas não fica imune à confusão europeia. Segundo ele, os efeitos financeiros podem ser temporários, mas quando uma região que representa mais de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial fica estagnada, os países tendem a exportar menos e crescer menos.

Ainda sobre a crise europeia, ele acredita que fica a lição de que não se pode descuidar das contas públicas. Nesta entrevista, que concedeu de Bosun, na Coreia do Sul, onde participou da reunião ministerial do G20, encerrada neste sábado, o economista chama a atenção, também, para o risco da alta nas taxas de juros no Brasil.

Há poucos dias, Paulo Nogueira Batista Jr. foi a razão de uma série de críticas de leitores da Folha de S.Paulo à direção do jornal, que dispensou a sua coluna semanal depois de 15 anos de publicação.

Diário Catarinense: O que pesou para o surgimento da crise no mercado europeu?

Paulo Nogueira Batista Jr.: Foi uma combinação de desequilíbrios fiscais, perda de competitividade, complacência e demora em estancar a crise no nascedouro. Tudo isso foi potencializado pelos mercados financeiros especulativos, que aceleraram e intensificaram a crise, sobretudo no Sul da Europa.

DC: O plano de socorro definido é suficiente? Qual foi o papel do FMI neste processo?

Batista Jr.: O mecanismo de estabilização europeu foi definido às pressas, mas é suficientemente grande para estabilizar, pelo menos temporariamente, a situação na zona do euro. O FMI, depois de muita relutância de muitos europeus influentes, está sendo chamado a exercer um papel central no processo de estabilização europeia. Engoliram o orgulho e recorreram ao fundo. A Grécia fez um acordo do tipo tradicional com o fundo, com duro ajustamento fiscal. Os recursos do mecanismo de estabilização europeu, 500 bilhões de euros, só serão liberados em co-financimento de programas de estabilização aprovados pelo FMI, com todas as condicionalidades tradicionais.

DC: A Grécia está em situação muito difícil, há quem recomende que ela saia da União Europeia e dê um calote. Qual é a solução menos traumática para o país?

Batista Jr.: A situação menos traumática seria uma em que alemães e outros europeus do Norte compreendessem que é preciso combinar a estabilização e o ajustamento fiscal com um horizonte de crescimento para a Grécia e outros países do Sul da Europa. Recursos teriam que ser mobilizados para financiar os investimentos e a retomada do desenvolvimento nestas economias. O ajuste fiscal puro, em grande escala, acaba provocando a queda da atividade, das receitas do governo e se autoderrotando.

DC: Qual é o cenário previsto para a União Europeia nos próximos anos?

Batista Jr.: Tudo indica que será um cenário de crescimento baixo e desemprego alto. Na minha opinião, a Europa está em processo de declínio relativo, tende a perder importância no cenário mundial. A crise atual representou um teste formidável para a solidariedade europeia. Até agora, a Europa não se saiu bem desse teste.

DC: Como esta crise vem afetando a economia mundial?

Batista Jr.: A União Europeia responde por mais de 20% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial. A crise europeia não deixará de ter efeitos adversos sobre o comércio internacional e o crescimento de outras regiões do planeta. Para o resto do mundo, seria importante que a Europa colocasse a casa em ordem e voltasse a crescer de forma significativa. A turbulência financeira registrada na área do euro também tem impactos importantes sobre os mercados financeiros no resto do mundo, inclusive no Brasil. O pacote de 500 bilhões de euros estabilizou a situação por enquanto, mas, na semana que antecedeu o seu anúncio, a impressão que se formava era de que poderíamos ter uma espécie de Lehman 2 (Lehman Brothers, banco de investimento americano cuja quebra, em 15 de setembro de 2008, foi o marco da crise financeira global), com a Grécia funcionando como estopim de uma nova crise de alcance mundial. Evitou-se o pior, mas os riscos persistem.

DC: E como o problema europeu atinge a economia brasileira?

Batista Jr.: O Brasil está numa posição boa, mas não fica imune à confusão europeia. Do lado financeiro, há uma retração na oferta de capitais, dificuldades de rolar dívidas externas e manter linhas de crédito, saídas de recursos das bolsas de valores e pressão sobre o real. Do lado comercial, diminui a demanda por exportações brasileiras e caem os preços de commodities exportadas pelo país. Os efeitos financeiros podem ser temporários, mas, quando uma região que representa mais de 20% do PIB global fica estagnada, o Brasil e os demais países tendem a exportar menos e crescer menos. Basta dizer que a União Europeia absorve cerca de 20% das exportações brasileiras de mercadorias.

DC: Após a crise financeira de 2008 discutiu-se a criação de regras para evitar novas crises. Que avanços ocorreram neste sentido?

Batista Jr.: Houve alguns avanços em nível nacional e em termos de cooperação internacional. Nada concentra mais as mentes do que a visão do cadafalso, como se diz. E a crise de 2008-2009 foi a visão do cadafalso. Isto dito, o progresso ainda parece insuficiente. Os lobbies financeiros são fortes nos Estados Unidos e na Europa. A reforma do sistema financeiro enfrenta muitas resistências. A turma da bufunfa está com a credibilidade abalada, mas ainda tem muito poder e influência.

DC
: Que exemplo os países europeus dão para o Brasil diante da crise atual?

Batista Jr.: O exemplo não é dos melhores. Fica mais uma vez a lição: não se pode descuidar das contas públicas, do sistema financeiro e das contas externas. Países desenvolvidos, considerados modelos, fracassaram de forma retumbante na administração das suas economias e estão pagando um preço elevado.

DC: Na sua avaliação, o Banco Central brasileiro está correto no ritmo de retomada das altas taxas de juros para conter a inflação?

Batista Jr.: É preciso controlar a inflação, não há dúvida. Mas uma subida muito forte dos juros não é o melhor método, no meu entender. Os efeitos colaterais são pesados. Sofrem as finanças públicas, uma vez que a alta dos juros eleva o custo da dívida governamental. Juros altos desajustam as contas públicas. Além disso, se os juros básicos no Brasil sobem para 10% ou mais, quando os principais bancos centrais praticam juros próximos de zero, o resultado tende a ser a valorização excessiva do real. Isso prejudica as exportações, favorece importações e despesas no exterior, desequilibra as contas externas e danifica o setor industrial do país.

Com informações do Diário Catarinense