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“Para nós o poder popular não é outro senão o socialismo”

Em entrevista exclusiva ao semanário Voz, jornal do Partido Comunista da Colômbia, a principal dirigente do Partido Comunista da Grécia (KKE, na sigla em grego), Aleka Papariga, defendeu uma saída socialista para a crise em seu país. Em sua opinião, é o capitalismo que esta em crise. Os comunistas estiveram à frente das cinco greves gerais realizadas neste ano contra o pacote de arrocho imposto pelo FMI e a cúpula da União Europeia à nação helênica.

Por Carlos A. Lozano Guillén*

Aleka Papariga é a secretária-geral do Partido Comunista da Grécia (KKE) desde a década de noventa, depois de se ter destacado como dirigente estudantil. É uma aguerrida parlamentar, cujo protagonismo é extraordinário na atual conjuntura, pois a sua voz levanta-se no Parlamento para se opor às soluções burguesas e, sem nenhum temor, chama as massas populares a se rebelarem e a resistirem à ofensiva capitalista.

Carlos Lozano A Lozano Guillén (CL): – Quais são as causas da atual situação na Grécia?
Aleka Papariga (AP): – A causa da profunda crise em que a Grécia se encontra é a mesma de todos os países capitalistas desenvolvidos. Trata-se de uma clássica crise cíclica da economia capitalista. De fato, é uma crise generalizada e profunda. Independentemente da forma em que se manifesta neste ou naquele país, é o resultado da sobre-acumulação de lucros e capitais e da dificuldade em encontrar novas saídas, sem obstáculos, de rentabilidade contínua, o que é impossível de ultrapassar sem uma depreciação do capital.

Isto é o que os governos, os organismos internacionais imperialistas e os vários
analistas, utilizando todos os meios, tratam de ocultar aos povos.

Na Grécia, a crise apresenta-se como um problema de grande dívida pública e de grande déficit estatal. Vale a pena mencionar que no nosso país, nos últimos 15-20 anos, houve altas taxas de crescimento, com um aumento escandaloso dos lucros de todos os sectores da plutocracia. Este «milagre» grego foi levado a cabo por governos social-democratas e liberais, tendo como guia uma estratégia comum que foi apoiada pela União Europeia (UE): medidas contra os trabalhadores, reformas reacionárias em todos os sectores, reformas laborais e na segurança social, privatizações, mercantilização da saúde e da educação, financiamento estatal e provocadoras medidas de isenção de impostos para o capital.

O objetivo foi o de fortalecimento dos monopólios, tanto gregos como europeus, nas suas atividades dentro e fora da UE.

Ao povo grego foi dito que esta é a via, que esta estratégia assegura o desenvolvimento contínuo e que o resultado final beneficiará também o povo. Os fatos vieram dar razão ao Partido Comunista da Grécia [KKE, sigla em grego], que desde o princípio advertiu que esse caminho só ia trazer problemas ao povo e crise.

Agora, a classe burguesa e os seus partidos políticos cooperam para que o povo pague a crise e os impasses do capitalismo. Querem descarregar nas costas dos trabalhadores e dos sectores pobres do povo os novos empréstimos públicos para financiar a concentração de capitais que se asfixiam e correm o risco de desaparecer. Ao mesmo tempo, utilizam a crise para aplicar medidas reacionárias que queriam implementar há vários anos, a fim de embaratecer a força de trabalho e retirar da produção grandes sectores de trabalhadores autônomos e pequenos empresários.

A crise capitalista não é a doença, mas um sintoma da incurável doença do capitalismo, cujo desenvolvimento continua a ser anárquico e desigual, em todos os sectores da economia e na fase em que prevalecem os monopólios. As medidas anti-populares dos governos, na fase de desenvolvimento, bem como na própria crise, são uma demonstração evidente de que o capitalismo está obsoleto. Todas as suas contradições se agudizaram ao máximo e, sobretudo a contradição fundamental entre o capital e o trabalho.

CL: – Como pretende resolver a crise o governo social-democrata?
AP: – Antes das eleições, em Outubro passado, advertimos o povo grego, da maneira mais explícita, para as duras medidas que estavam para vir depois das eleições.

Inclusivamente, indicamos a razão pela qual a plutocracia e os mecanismos do sistema escolheram e apoiaram o estabelecimento de um governo social-democrata.

Considerávamos que era mais capaz de impor as duras medidas anti-laborais do que o governo conservador, já que controlava a liderança do movimento sindical, dos pequenos comerciantes e dos trabalhadores autônomos. Assinale-se que, tanto no período pré-eleitoral como agora, o atual governo apresentou a crise, o aumento do déficit e da dívida pública como resultado de uma má gestão, de falta de transparência e de corrupção dos governos anteriores.

O governo do PASOK (social-democracia) pretendeu e pretende desorientar e submeter o povo, utilizando truques e dilemas para intimidá-lo. Ainda que o seu programa contenha as medidas anti-laborais que atualmente implementa e que, inclusivamente, haviam sido votadas e apoiadas pela União Europeia, ao princípio parecia não querer implementá-las e que se viu a isso obrigado pelo curso dos acontecimentos, pelas pressões da UE e do FMI. Ambos os organismos apoiam e ajudam o Governo, propondo as mesmas bárbaras medidas contra os trabalhadores.

Para lançar uma guerra implacável contra o povo utilizou o dilema: ou grandes sacrifícios ou bancarrota. Desta maneira, tratou de apresentar estas medidas, que são necessárias para o capital, como necessárias também para o povo. Apresentou as agudas contradições do capital e dos governos, dentro e fora da UE, como uma guerra de especuladores, à custa do país. Igualmente pretendeu e pretende apresentar e utilizar o apoio de todos os sectores da plutocracia e dos meios de comunicação, como apoio de parte do povo.

CL: – Qual é a reação ou a resposta dos trabalhadores?

AP: – Lamentavelmente, a maioria da classe trabalhadora e dos setores populares pobres não teve em conta, com a seriedade requerida, as advertências do KKE.

Imediatamente depois das eleições, como KKE e como PAME (Frente Militante de todos os Trabalhadores), tomamos iniciativas para desencadear e organizar a tempo a luta contra a ofensiva anti-operária que estava para vir. A primeira greve que o PAME convocou, a 17 de Dezembro, tinha a oposição, tanto do governo, dos grandes industriais e dos partidos burgueses, como dos líderes sindicais que expressam os interesses da aristocracia operária, e todos tiveram uma reação raivosa.

Não obstante, essa greve e a luta pelo seu êxito marcaram o início do arranque do contra-ataque do movimento de classe organizado, da intervenção política do partido para se dar um golpe decisivo no fatalismo e na submissão, e abriu o caminho para a criação e expressão da disposição militante dos trabalhadores e das classes populares.

Hoje, podemos dizer com segurança, que a propaganda e os dilemas do governo e dos seus aliados não deram frutos. A maioria do povo condenou as medidas e uma grande parte dos trabalhadores e dos sectores populares, superando as várias formas de intimidação, participou nas greves e nas mobilizações, principalmente do PAME e nas manifestações do KKE.

Neste período, constatamos que uma parte significativa dos trabalhadores e do povo sente ressentimento e descontentamento e que se desenvolvem processos significativos na sua consciência. O Governo e a totalidade dos mecanismos do sistema utilizam todas as armas de que dispõem para obstaculizar a sua radicalização. O que realmente os preocupa e querem anular, de qualquer maneira, é a emancipação das consciências populares da via de sentido único do capitalismo. Querem impedir a participação ativa no movimento de classe organizado e a adoção das posições e da proposta política do KKE.

Para consegui-lo, utilizam o flagrante anticomunismo, a calúnia, as mentiras, as ameaças. Inclusivamente, utilizam provocações organizadas, com mortos, tentando identificar a mobilização dos trabalhadores com a «violência cega» dos serviços secretos.

Nem sequer têm pejo em nos acusar como instigadores morais, por causa da nossa posição de desobediência popular perante as medidas antipopulares, exigindo submissão e renúncia às formas de luta escolhidas pelo movimento. Cada vez mais abertamente nos colocam o dilema «respeitam ou não respeitam a Constituição?», exigindo que deixemos de lutar pelo socialismo.
Que saibam que a nossa resposta é só uma; estão a bater à porta errada. O sistema não pode subjugar o KKE. Para nós, a lei é a razão do povo e não necessitamos de autorização de ninguém para lutar em conjunto com o povo contra a política antipopular, contra a plutocracia, para a sua derrota, e pelo socialismo.

CL: – Que saída propõe o KKE?
AP: – Frente aos dilemas que os nossos adversários colocaram ao povo, em relação com a crise, a nossa resposta é que vai cair na bancarrota ou o povo ou a plutocracia. Não existe solução intermédia. Não existe saída da crise a favor do povo, sem que se toque drasticamente nos lucros, na força e, em consequência, no poder dos monopólios. Por isso, a única via que o povo tem para colocar obstáculos às duras medidas tomadas à sua custa é um contra-ataque de classe, político, decisivo.

A nossa proposta de saída da crise resume-se à consigna: «aliança popular de
trabalhadores, anti-monopolista, para o poder popular», que é necessária para conseguir mudanças radicais, primeiro, no âmbito da economia e, em geral, em nível do poder.

O caminho para satisfazer os direitos populares contemporâneos, para que o nosso país confronte as intervenções e os antagonismos dos organismos imperialistas internacionais, é que o povo esteja no poder, tendo em suas mãos o controlo da economia e da produção.

Por isso, a proposta de alianças e poder para o povo têm os seguintes eixos básicos: que todas as grandes fábricas e empresas de energia e de matéria-prima, os transportes, as telecomunicações, as indústrias, o comércio e os bancos sejam propriedade social. Que se socializem os monopólios, de maneira que, com a planificação centralizada do poder popular, se utilizem todas as capacidades produtivas do país, tendo como único critério as necessidades do povo. Ao seu lado funcionarão, incluídas na planificação nacional, as cooperativas de produção dos pobres e médios camponeses e dos pequenos comerciantes. Que a terra deixe de ser uma mercadoria. Que não exista atividade empresarial nos sectores da educação, da saúde e do bem-estar social.

A base do poder popular serão as unidades de produção do sector socializado e das cooperativas, cujos representantes poderão ser substituídos e, em simultâneo, existirá o controlo operário popular, da base ao topo.

Esta Grécia do poder popular e da economia popular não cabe em nenhum tipo de organismo imperialista como são a UE, a NATO, etc. Renegociará a dívida pública e tratará de conseguir acordos internacionais e cooperações numa base completamente diferente e utilizará as contradições imperialistas na medida em que o puder fazer. Para nós, o poder popular não pode ser outro senão o socialismo.

CL: – Esta situação, em relação com as especificidades em Portugal e Espanha, demonstra o fracasso da UE e do Tratado de Maastricht?

AP: – O Tratado de Maastricht e a política dos monopólios europeus nele baseada, com o fim de serem mais competitivos e rentáveis que os seus antagonistas, trouxe resultados para o capital europeu. É claro que isto só poderia fazer-se à custa dos trabalhadores e dos povos dos países da UE, assim como dos países onde opera o capital europeu.

O fracasso da UE está subjacente no fato de que a crise demonstrou a bancarrota completa dos argumentos de todos os seus defensores, tanto liberais, como social-democratas e «esquerdas». A UE não é nem pode ser a favor dos povos. É uma construção dos monopólios europeus e, como tal, é reacionária e perigosa para os povos. No interior da UE não foi enfrentada a desigualdade entre os países; ao contrário, agudizou-se. Não se converteu nem se converterá no contrapeso dos EUA ou de outros centros imperialistas. São aliados e atacam os povos unidos. Ao mesmo tempo, lutam ferozmente entre si, para ganhar no antagonismo, ter a maior parte dos mercados e ampliar a sua influência no mundo.

O caminho a favor do povo é só o socialismo e jogar-se-á primeiro a nível nacional. Na Europa, cada povo que escolha esta via de desenvolvimento e de organização da sociedade contra a exploração do capital e dos monopólios estará obrigatoriamente contra a UE.

* Carlos Lozano é diretor do semanário de Voz, jornal do Partido Comunista da Colômbia. Aleka Papariga é Secretária-Geral do Partido Comunista da Grécia (KKE). Esta entrevista foi publicada em Voz nº 2.543, de 2 a 8 de Junho de 2010. Texto em português publicado em www.pelosocialismo.net