Modelo tucano para educação é autoritário e excludente

As entidades do movimento educacional sabem dizer de cor e salteado os principais desafios da educação no Brasil. Temas como valorização do profissional da educação, universalização do Ensino Médio e do Ensino Superior, qualidade do Ensino Básico e garantia do Ensino Infantil são apontados como as principais questões a serem superadas no sentido de colocar a educação a serviço do desenvolvimento soberano do país.

Em São Paulo, o buraco é muito mais embaixo. No estado mais populoso e economicamente mais rico do país, a situação da escola é bem mais desafiadora do que no restante do país. O Vermelho ouviu opiniões da Apeoesp e da Upes as respeito do tema.

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A professora Izabel Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), conhecida por Bebel, atribui às gestões tucanas os principais problemas da educação no estado: “o tucanato está há 16 anos no governo de São Paulo, traçando as diretrizes dentro do projeto do PSDB”. Para o presidente da união Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), o modelo de educação precisa ser mais democrático e participativo. Ambos compreendem que os desafios da educação no Brasil são imensos, mas têm a convicção de que São Paulo tem desafios maiores, principalmente por remar na contramão dos avanços conquistados em âmbito federal.

Dilma durante "Caminhada da arrancada", nesta quarta (7), em São Paulo

Opinião similar tem a candidata à presidência da república, Dilma Rousseff. Em breve comício, realizado nesta quarta-feira (7), durante a “Caminhada da arrancada” — primeiro grande ato de sua campanha em São Paulo (SP), Dilma disse que a forma como o PSDB tratou a educação no estado, nos governos Covas, Alckmin e Serra, levou até ao rebaixamento do status do professor na sociedade. “No passado, muita gente queria ser professor. Hoje, a profissão não é valorizada em São Paulo. É preciso dar salários dignos, incentivar a melhor formação do profissional, fazer uma das mais importantes revoluções — que é a do conhecimento e da educação”.

Valorização do professor

Em termos de valorização do profissional da educação, a gestão José Serra busca sair bem na foto, mas não consegue convencer os professores. Dados da pesquisa “Análise comparativa salarial / professores das redes estaduais no Brasil” (confira documento ao fim da matéria), feita em janeiro deste ano pelo Sindicato dos Professores e Servidores no Estado do Ceará (Apeoc) revelam que São Paulo está em 11º lugar no ranking. A posição pode ser considerada boa, embora não sejam consideradas as variações de custo de vida entre os diversos estados e regiões.

Outra propaganda encampada pelo governo paulista é de que o professor em São Paulo ganha, em média, valor acima do piso salarial nacional – segundo a pesquisa da Apeoc a média em São Paulo é de R$ 1.834,86 (para 40 horas), enquanto o piso salarial nacional estabelece R$ 950,00. O que a Apeoesp denuncia, entretanto, é que este valor não corresponde ao salário do professor, mas sim ao salário acrescido de gratificações. A diferença é que as gratificações não são contabilizadas para efeito de direitos trabalhistas, como a Previdência por exemplo. O estado de São Paulo não aderiu ao piso nacional.

Tarcísio ao microfone, em ato na Assembleia Legislativa de São Paulo, ao lado dos presidentes da UNE, da Ubes e da UEE-SP

O presidente da Upes, Tarcísio Boaventura, acredita que o principal gargalo para uma política de valorização dos professores está na própria administração do estado. O estudante questiona como o estado mais rico da federação pode ter deficiências tão sérias por falta de investimentos em educação.

Carreira

Para além da questão salarial, a Apeoesp questiona também a instabilidade e rotatividade dos profissionais, já que grande parte possui contrato temporário, ao invés da contratação via concurso público. Outro ponto importante é a forma de progressão na carreira. O instrumento adotado pelo governo José Serra para permitir progressão é uma prova. Até 20% dos professores podem receber aumento salarial de acordo com esta única forma de avaliação de mérito. O último reajuste foi de 25%. Segundo Bebel, a defasagem salarial vinha desde março de 2007 e já somava 34,3%, portanto mesmo os professores que receberam o reajuste ainda não tiveram sequer a reposição salarial do período.

A presidente da Apeoesp disse ainda que os professores não são contra a existência da avaliação, mas não a aceitam como única forma de progressão na carreira. Para Bebel, a medida tem caráter excludente e tem por objetivo, ainda, dividir a categoria. Esta avaliação foi um dos principais motivos da greve conduzida pela Apeoesp no primeiro semestre deste ano. O sindicato entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a avaliação.

Carga horária e atividades extra-classe

Outro ponto motivador da greve foi o debate sobre a carga horária do professor. Pesquisa feita pela Apeoesp em 2007 (conferir documento ao fim da matéria) indicou que os professores sofrem de doenças como estresse, problemas na voz, Lesão por Esforço Repetido (LER) e tendinite. Os motivos dos adoecimentos vão das salas muito cheias – de 45 a 50 alunos – a jornadas triplas (muitos professores fazem até três cadeiras para garantir um bom nível salarial) e ausência de boas condições de trabalho.

Bebel explica que a jornada do professor deveria reservar 33% do seu tempo de trabalho para atividades extra-classe, ou o Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), fator fundamental para que a formação continuada do professor se dê no próprio local de trabalho. Este tempo deve ser destinado também às atividades extra-classe que o professor já realiza (e nem sempre são contabilizadas): elaboração e correção de avaliações e exercícios, preparação de aulas, etc. A presidente da Apeoesp citou como um bom exemplo a Escola Padrão implementada na gestão de Fernando de Moraes na secretaria estadual de educação, onde o professor tinha carga de 26h/semana em sala de aula. O único problema é que esta política era aplicada em poucas escolas. A professora relata que quando Mário Covas assumiu o governo o projeto não foi à frente – a idéia era estendê-lo para as demais escolas do estado.

Sobre o adoecimento dos professores, Bebel relata ainda que não há o cuidado de cadeiras e mesas ajustadas de acordo com normas ergonométricas, por exemplo. Ela explica também que o pó do giz, ainda utilizado na maioria das escolas, prejudica as cordas vocais.

Greve de diálogo

Em resposta às reivindicações, o governo de São Paulo reagiu reprimindo de forma truculenta as mobilizações da categoria. O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Augusto Chagas, participou de manifestação organizada pela Apeoesp na porta do Palácio dos Bandeirantes em 27 de março e conta como foi a ação da Polícia Militar sobre os manifestantes:


e editou uma lei que dá direito ao professor faltar por motivo de doença no máximo seis vezes ao ano.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, para a reportagem “Serra quer limitar faltas de servidores públicos”, publicada no dia 18 de dezembro de 2007, o secretário de Gestão, Sidney Beraldo, disse que "o objetivo é reduzir abusos praticados por uma minoria, mas que traz prejuízos ao Estado".

A mesma reportagem traz a informação de que a Secretaria Estadual da Educação afirmou que os dados relacionados às faltas eram "preocupantes" e que "alterações na legislação precisam de uma ampla discussão entre sociedade, Legislativo e governo".

O governo, porém, enviou o projeto à Assembléia sem consultar as entidades da categoria. Segundo Beraldo, as discussões ocorreriam no Legislativo.

Aprovação automática

O governo de São Paulo denomina “progressão continuada” o modelo educacional que adota nas escolas estaduais. Entretanto, Bebel explica que o único aspecto deste modelo que o governo efetivamente implementou, de forma “peremptória”, foi a aprovação automática dos alunos. A professora explica que a progressão continuada pressupõe a participação dos professores na elaboração do projeto pedagógico, a conformação de turmas (os chamados ciclos) de acordo com o grau de desenvolvimento da aprendizagem dos alunos, um número pequeno de estudantes por sala, além de uma avaliação permanente dos alunos, o que poderia extinguir a violência de uma reprovação tradicional.

Durante a greve, professores protestaram contra falta de autonomia representada pelas cartilhas

Tucanaram a autonomia

Em São Paulo, a autonomia dos professores é absolutamente castrada, à medida que as avaliações são feitas por meio de provas unificadas, com base no conteúdo de uma cartilha distribuída pela Secretaria Estadual de Educação que, além de padronizar o conteúdo dado em sala de aula, busca padronizar também a postura e o discurso dos professores – na cartilha há orientações do que e como o professor deve falar em sala de aula – e para completar o desastre vem trazendo erros graves, como um mapa da América Latina com dois Paraguais. A autonomia pressupõe o professor escolher ou elaborar o seu material didático, entendendo as demandas e possibilidades de cada classe de alunos.

O presidente da Upes, Tarcísio Boaventra, classifica as cartilhas de “absurdas”. Para ele, além de tirar a autonomia dos professores, este instrumento não respeita diversidades regionais. Tarcísio considera ainda que a cartilha tem má qualidade.

Para a presidente do sindicato dos professores este modelo reflete uma visão administrativa-contábil da educação. A progressão continuada de fato exigiria investimentos importantes na educação. Havia altos índices de repetência e evasão nas escolas e os profissionais debatiam que a avaliação (prova) muitas vezes era utilizada como forma do professor impor sua autoridade em sala e até para implementar punições, daí surgiu o debate do modelo de progressão continuada. A solução mais barata encontrada pelo governo paulista, entretanto, foi implantar apenas a aprovação automática.

Modelo autoritário

O modelo educacional paulista, para Bebel, longe de se aproximar da progressão continuada, é marcado por “autoritarismo, centralização do projeto político-pedagógico e descentralização administrativa, apostando na municipalização do Ensino Fundamental”. Ela critica também o fato dos professores não terem tempo e condições salariais suficientes para investirem em sua própria formação ao passo que recebem gratuitamente em casa exemplares da Revista Veja, ideologicamente alinhada com o campo político do PSDB.

Para Tarcísio Boaventura, para que se estabeleça um modelo de educação atrativo ao estudante e que cumpra o objetivo de educar com qualidade, é preciso haver “participação dentro da escola”. Apesar de ser radical defensor da autonomia dos grêmios, Tarcísio não está se referindo apenas à organização estudantil; o presidente da Upes acredita que os Conselhos Escolares, com a participação de pais, estudantes, professores e de outros setores da sociedade devem ser valorizados. “A escola deve ser encarada como um bem da comunidade”.

A gestão democrática foi um dos principais pontos de defesa do movimento estudantil secundarista durante a realização da Conferência Nacional de Educação (Conae) . Além da eleição direta para diretores de escolas, a pauta inclui, entre outras bandeiras, os conselhos escolares com a participação de Associações de Pais e Mestres (APM) e a liberdade de atuação dos grêmios estudantis. Para Tarcísio, a escola precisa ser um espaço democrático.

Bebel, durante assembleia de professores

Do Fundef ao Fundeb

Bebel retoma o período em que o atual secretário de educação do governo do estado de São Paulo, Paulo Renato Souza, era Ministro da Educação na gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB): “ele criou o Fundef, restringindo a prioridade para o Ensino Fundamental e deixando os demais níveis de educação alijados. No Ensino Profissionalizante, instituiu políticas de caráter excludente ao separar o ensino médio do técnico, por exemplo. Os tucanos fragmentaram a educação básica e as suas modalidades”.

O Fundef é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, criado em 1996. Em 2006, o governo Lula transformou o Fundef em Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos. Profissionais da Educação –, corrigindo o problema do alijamento do Ensino Médio apontado pela professora Bebel. Ao mesmo tempo, o Ministério da Educação (MEC) do governo Lula praticamente dobrou o número de instituições federais de Ensino Técnico e o reintegrou ao Ensino Médio.

Para o presidente da Upes, o Ensino Médio tem servido, quando muito, para formar mão-de-obra barata e normalmente desqualificada. Para o estudante, existe um padrão: a escola pública forma trabalhadores de baixa qualificação e a escola privada forma futuros doutores. O avanço mais significativo, na avaliação de Tarcísio, foi o crescimento das escolas técnicas no país. Ele acredita que o número de institutos de Ensino Técnico precisam aumentar e oferecer maior gama de possibilidades de formação, além de atender a um planejamento concatenado com o desenvolvimento regional. “Não adianta formar um estudante na baixada santista se a área que ele formou só terá espaço no mercado em São José, por exemplo”.

Agora é lei: educação é direito

Outro grande embate existente entre a política tucana em vigor em São Paulo e as políticas educacionais vigentes a partir do governo Lula é a instituição da Emenda 59 pelo governo federal, que torna obrigatório o ensino dos 4 aos 17 anos, transformando-o em direito das crianças e adolescentes. Até a edição desta emenda, a obrigatoriedade do ensino era progressiva.

O governo de São Paulo trabalha no sentido de intensificar a municipalização do Ensino Fundamental. Ocorre que a Emenda 59 forçou os municípios a aumentar os investimentos em um dos níveis menos atendidos pelo Estado que é a Educação Infantil. O déficit de vagas em creches e pré-escolas chega a níveis próximos de 70% no país, então os municípios têm sido forçados a investir no Ensino Infantil, o que faz aumentar a responsabilidades dos governos estaduais em relação à Educação Fundamental.

Desabafo

Relatada a situação da educação no estado de São Paulo, em tom quase de desabafo, Bebel da Apeoesp conclui: “ou há uma mudança do ponto de vista estrutural, com a eleição de outro governante, comprometido com a educação e o campo progressista, ou vamos continuar mais quatro anos amargando a brincadeira de se fazer política educacional em São Paulo”.

Da redação, Luana Bonone