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Mãe de soldado morto no Iraque diz que Obama repete Bush

A californiana Cindy Sheehan, de 53 anos, é uma das ativistas contra a guerra no Iraque mais conhecidas dos Estados Unidos. Sua militância foi despertada com a morte de seu filho, Casey, em pleno combate em solo iraquiano, em 4 de abril 2004. O sofrimento de mãe gerou seu protesto.

Em agosto de 2005, atraiu a atenção da mídia internacional ao acampar numa prolongada vigília diante do sítio do presidente George W. Bush, no Texas, exigindo explicações sobre as razões da invasão no Iraque. Em entrevista ao jornal O Globo, ela afirma que a guerra do Iraque persiste e vai piorar. Para Cindy Sheehan nada mudou em relação ao governo Bush com a chegada de Barack Obama à Casa Branca.

O Globo – Qual a sua opinião sobre a ação de retirada de tropas americanas do Iraque na semana que passou?
Cindy Sheehan – É só uma redefinição na ocupação. Mesmo que muitos soldados tenham retornado, muitos outros ficaram. Pelo menos 50 mil soldados permaneceram no Iraque e, não importa como é definida a sua atuação – de apoio e treinamento das forças iraquianas – estarão ainda agindo em missões de combate. Trata-se de uma manobra do governo devido às eleições legislativas de novembro se aproximando e ao medo dos democratas de sofrer uma derrota. Mais uma vez, é o império militar americano fazendo um jogo político com as vidas das pessoas – as vidas das pessoas no Iraque, com os nossos soldados, suas famílias. Para mim, é mais uma campanha de relações públicas.

O Globo – Seria mais propaganda política do que uma efetiva estratégia militar?
CS – Acho que é propaganda e, infelizmente, muitas pessoas a estão comprando. Estava vendo a mídia corporativa na noite passada (quinta-feira), e a ideia que se passava era a de que a guerra havia acabado. Para mim, é algo frustrante, trágico. Há uma guerra civil que mata pelo menos 300 iraquianos por semana, e isso só vai se intensificar. Uma das razões pelas quais a violência havia diminuído no Iraque é porque David Petraeus (general americano que comandou a Força Multinacional no Iraque) estava pagando pelo menos U$ 10 por dia a cada membro das mílicias sunitas para não combaterem. Era um tipo de salário para não atacarem as tropas americanas. Mas isso não dura por muito tempo. A violência vai aumentar, não importa se houver 200 mil ou 300 mil soldados lá. Não é um lugar para o qual nós devíamos ter ido, não é um lugar em que deveríamos estar agora.

O Globo – A presença americana no Iraque ainda será longa?
CS – Não podemos ignorar os milhares de mercenários contratados no Iraque. As tropas americanas foram reforçadas com mercenários assassinos. Mesmo se houver zero tropas no Iraque, ainda haverá agentes privados contratados, sob o comando do Departamento de Estado. Eu diria que estamos planejando nunca deixar o Iraque.

O Globo – Quais foram as consequências da guerra para os EUA?
CS – A guerra ajudou no colapso de nossa economia, no aumento do desemprego e na ruína econômica. Bilhões de dólares – quase US$ 1 trilhão – foram desperdiçados. Penso no que todo esse dinheiro gasto nessas guerras poderia ter ajudado se tivesse sido investido no país, na saúde, na educação, na infraestrutura. Mas continuamos com essa ocupação estrangeira no Iraque ou no Afeganistão. Qual o resultado? Mais de um milhão de pessoas morreram no Iraque, outras tantas foram deslocadas. Aqui no nosso país temos milhares de soldados feridos, emocional e mentalmente, com suas vidas familiares destruídas e alto índice de suicídio. Tem sido um preço muito alto a pagar, muitas pessoas sofrendo. Em resumo, exceto para aqueles que estão no topo da pirâmide econômica, tem sido um completo desastre para o país. Não tenho palavras para definir o quanto foi desastroso e prejudicial para o país, e também para o mundo.

O Globo – Em seu ativismo contra a guerra, você acha que nada mudou com o governo Obama?
CS – Esse é o meu trabalho em tempo integral. Não desisti porque Barack Obama se tornou presidente dos Estados Unidos. Continuo com meu pequeno grupo a fazer o que já fazia durante o governo de George W. Bush. Tenho minha organização, Peace of the Action, o site Cindy Sheehan's Soap Box, estou fazendo um filme sobre Hugo Chávez e a revolução bolivariana na Venezuela e o movimento popular-socialista na América do Sul. Tento fazer o que posso para manter a consciência desperta e não deixar esses temas encobertos. É muito difícil lutar contra a propaganda da mídia e a mitologia de que o Partido Democrata é diferente do Partido Republicano. Tem sido mesmo bem mais difícil agora, com Obama presidente, do que era na Presidência de Bush.

Fonte: Jornal O Globo