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Após reunificação, brotam problemas sociais no leste alemão

 A imprensa alemã noticia a atual situação dos Estados que pertenciam a antiga República Democrática da Alemanha (RDA) nos seguintes termos : “Ambiente pior que nunca”; “Infeliz e pessimista: as pessoas nos novos Estados estão cada vez mais insatisfeitas”; “Diagnóstico: pessimismo crescente”; etc.

Por Ursula Schröter em Memo-Forum 

Estas manchetes apoiam-se, em geral, em pesquisas realizadas com a população da antiga República e revelam as suas principais preocupações: desemprego, incerteza no trabalho, problemas financeiros; ou seja, um sentimento básico de insegurança social.

Segundo os dados de uma das pesquisas – o “Sozialreport” -, nem sequer um em cada dez cidadãos do leste do país vê o futuro com otimismo. Um outro estudo da Fundação Friedrich Ebert aponta o surgimento de uma “nova camada baixa” na sociedade, englobando cerca de 20% da população ( enquanto no lado ocidental – os estados que já pertenciam à República Federal da Alemanha, RFA -, apenas 4% faria parte desse novo grupo social ).

Os últimos dados sobre o desemprego tampouco deixam margem para algum otimismo. As estatísticas oficiais do governo informam que em toda a Alemanha haviam em julho passado 3.191.800 desempregados no país, sendo que no oeste a quota seria de 6,6% e no leste de 11,6%, ou seja, quase o dobro.

Mas as estatísticas oficiais referem-se apenas aos trabalhadores incritos nas agências de trabalho do governo e que continuam buscando alguma ocupação, inclusive como condição para continuar recebendo ajuda assistencial.

Ou seja, o governo não inclui na sua cifra os que já deixaram de buscar trabalho – em muitos casos por estarem há um longo período sem ocupação regular . E não apenas esses, mas também os desempregados enfermos, os maiores de 58 anos, os inscritos no Programa Trabalho por 1 Euro ( a hora! ), ou aqueles que estejam realizando algum curso de requalificação profissional.

Caso eles fossem incluindo o número de desempregados subiria para 4.328.516. Ou seja, um aumento de desempregados correspondente a 1.136.716 trabalhadores.

Mas o que aconteceu com a questão social após 20 anos de reunificação da Alemanha?

“Nós eramos o povo”

Para que se possa entender um pouco melhor o recente processo alemão, vale a pena lembrar que em maio de 1990 – periodo anterior à reunificação -, cerca de 80% da população do leste mostrava-se confiante com as perspectivas resultantes do fim da divisão do país.

Mas já três anos mais tarde, apenas 39% das mulheres e 51% dos homens manifestavam uma aprovação geral com as mudanças políticas, econômicas e sociais que ocorriam. Uma das razões principais era o rápido aumento do número de desempregados – em grande parte decorrente da privatização das antigas empresas estatais da Alemanha oriental.

Mas a propaganda do governo alemão, e de muitos economistas conservadores, afirmavam que o desemprego deveria ser visto como uma nova chance de requalificação professional visando um novo posto de trabalho em um mercado aberto e competitivo. Com o tempo, muitos desempregados foram se dando conta da verdadeira situação.

Além disso, os que continuavam a trabalhar tinham que se submeter a um salário mais baixo que o recebido pelos alemães do lado occidental, ainda que realizassem o mesmo trabalho. Os que tentam a sorte nos Estados já integrantes da República Federal da Alemanha eram e continuam sendo questionados em relação à sua qualificação professional.

O que contribui para a difusão de um sentimento de discriminação que faz com que os alemães do leste ( chamados de “ossis” ) vejam-se até hoje como “cidadãos de segunda classe”; com excessão dos chamados “vencedores” do processo de transição.  Os “perdedores” tinham e continuam tendo que recorrer a alguma forma de assistência social – seguro-desemprego, etc.

Na prática, tal assistência é usada como uma tentativa de garantir maior eficácia ao discurso oficial do governo segundo o qual : “Na Alemanha não há miséria.” Discurso cada vez mais questionado pelos efeitos das políticas neoliberais da década de noventa em todo o país.

As pesquisas indicam ainda uma tendência básica: quanto mais jovem o trabalhador, maior é o risco de que ele tenha de recorrer hoje a algum programa de assistência social estatal. Por isso, muitos jovens do leste buscam a sorte nos estados capitalistas alemães mais avançados, o que provoca o envelhecimento da população que lá fica e também a redução do número de habitantes em muitas cidades – sobretudo no interior.

Em relação às mulheres, uma de cada quatro dependem da asssistência social estatal por uma razão estrutural, e não conjuntural. Ou seja, elas são pobres porque são mães – na maioria, solteiras -, e com isso enfrentam maiores dificuldades para trabalhar e viver.

Muitos pesquisadores desse processo de transição apontam como grande responsável pelo início dos problemas atravessados pelos alemães da antiga República Democrática a “terapia de choque” exercida sobre a economia anterior, promotora de um “grande salto” para o capitalismo sem preparação nenhuma.

Isso até hoje é usado como pretexto pelos círculos conservadores que criticam os alemães orientais por não estarem preparados para uma economia livre de mercado. Ou seja, a vítima acaba sendo responsabilizada por uma tragédia causada pelo capitalismo.

Com a crise atual e o recente programa de contenção de gastos anunciado pelo governo da chanceler Angela Merkel, a maioria dos analistas apostam num agravamento da situação econômica e social de todo o país. E muitos deles sublinham os riscos que poderão surgir afetando, em particular, a estabilidade do leste alemão.

Tradução: Luciano C. Martorano