Niko Schvarz: A única verdadeira vitória é conquistar a paz
O discurso de Fidel Castro na sexta-feira passada (3 de setembro) na escadaria da Universidade na qual ingressou há 65 anos merece ser difundia por toda a parte como uma contribuição efetiva à paz mundial, para criar consciência universal sobre a necessidade de mobilizar-se para alertar sobre o gravíssimo perigo de uma guerra nuclear.
Por Niko Schvarz*
Publicado 07/09/2010 18:59
Há pouco o mundo recordou também os 65 anos do holocausto de Hiroshima e Nagasaki (o maior e mais desnecessário crime de guerra da história) e agora a situação se reproduz, agravada. E mais ainda: entramos na contagem regressiva. Com efeito: a data para começar a aplicar as sanções decretadas pela maioria do Conselho de Segurança contra o Irã (com o rechaço do Brasil e da Turquia e a abstenção do Líbano) seria o dia 9 de setembro, ou inclusive o dia 7 segundo outra versão; e a tentativa de inspecionar os navios que cheguem ao Irã, o que este país rejeita,poderia ser a chispa de um incêndio nuclear de imprevisível extensão.
O líder cubano, cuja voz adquiriu ressonância universal nestes meses por sua prédica persistente a favor da paz, recordou suas origens na Universidade, valorizou a obra da revolução cubana (na qual se entrelaçou a luta pela libertação nacional com o esforço tenaz dos trabalhadores por sua libertação social) e se concentrou de cheio no objetivo de preservar a paz mundial. Em suas palavras: “A pretensão de domínio econômico e militar dos primeiros em utilizar esses aterradores instrumentos de destruição e morte (em Hiroshima e Nagasaki conduziram a humanidade à possibilidade real de perecer que hoje ela enfrenta. O problema dos povos hoje em dia é impedir que tal tragédia ocorra”.
Como prova da crescente consciência que se vai gerando em torno desse tema crucial, citou uma das centenas de mensagens por ele recebidas, na qual uma análise justa da atual situação crítica se condensa na frase que adotei para o título deste artigo: “A única verdadeira vitória é conquistar a paz”. Que se complementa com esta outra, que modificando uma difundida e contraditória divisa, expressa: “Se queres a paz, prepara-te para mudar tua consciência”.
Como vem fazendo ao longo destes três meses, Fidel Castro analisa de forma minuciosa todas as informações e novos elementos de juízo que confirmam sua tese do aumentado perigo de guerra nuclear. Entre eles, um artigo publicado nos últimos dias por George Friedman, diretor executivo do prestigioso centro Stradford, que conta com antigos analistas da CIA entre seus colaboradores, assinala: “Uma nova onda de vazamentos sobre um ataque contra os objetivos nucleares do Irã que Israel está preparando junto com os Estados Unidos desta vez parece ter um fundamento real". (Recordamos por nossa parte – Veja-se a nota de 9 de agosto sob o título “Ex-oficiais da CIA advertem que Israel planeja bombardear o Irã” – que ex-oficiais dos serviços secretos agrupados no “Veteran Profesionals for Sanity” (VPS) notificaram Obama através de memorando que o governo de Netanyahu projetava um ataque surpresa ao Irã em data próxima, com a ideia de obrigar os EUA a proporcionar um apoio total de seu exército à campanha militar).
Voltando à análise de Friedman, este adverte que outra grave consequênc ia de um ataque contra o Irã seria que este país bloquearia o Estreito de Ormuz, entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã, o que levaria ao colapso 45% do fornecimento mundial de petróleo, fazendo com que disparasse seu preço e dificultando a recuperação da economia mundial depois da recessão.
Cita-se também uma opinião de Tony Blair, formulada na terça-feira da semana passada, 1º de setembro, em entrevista à BBC por ocasião da apresentação do seu livro de Memórias, no sentido de que a comunidade internacional poderia não ter outra alternativa do que a opção militar se o Irã desenvolver armas nucleares (do que o estão acusando falsamente, mas seria o pretexto para a agressão).
Em tal caso, deve considerar-se que há no mundo cerca de 25 mil armas nucleares, sem contar as armas convencionais em enorme proporção. UM ataque desse tipo já se produziu em 1981 contra um centro de pesquisa nuclear iraquiano e o mesmo se fez em 2007 contra um centro de pesquisas sírio, ainda que este último, por misteriosas razões nunca foi publicitado. A conclusão de Fidel é a seguinte: “Não abrigo a menor dúvida de que a capacidade de resposta convencional do Irã provocaria uma guerra feroz, cujo controle escaparia das mãos das partes beligerantes e a mesma se tornaria irremediavelmente um conflito nuclear global”.
Consigna-se também uma recente opinião do ministro de Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, que (apesar de que
seu país votou as sanções contra o Irã no Conselho de Segurança) afirmou que as mesmas não levarão a nenhum lugar e que o problema iraniano não deve ser resolvido por nenhum método de força.
A opinião da Rússia não pode ser ignorada, estima Fidel. Também entra em cena a China, já que de acordo com um recente despacho noticioso examinado, a União Europeia, através de sua responsável de política externa, Catherine Ashton, está pressionando a China para que suas empresas não ocupem o lugar deixado por outras companhias que abandonaram o Irã devido às sanções.
O que se deve reter particularmente é o chamamento final de Fidel Castro a intensificar a ação pela paz na medida em que nos aproximamos da data que pode se tornar fatídica. Faltam muito poucos dias. Seu chamamento se dirige aos estudantes universitários, mas na realidade vale para qualquer pessoa honesta, como ele as chama, em qualquer lugar do mundo: “Exorto-os a não deixar de batalhar nessa direção de luta pela paz. Nesta, como em muitas lutas do passado, é possível vencer”.
*Jornalista e escritor uruguaio, membro da direção da Frente Ampla e do Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo
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Publicado no jornal La República em 5 de setembro de 2010.